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Com coronavírus, jornada de trabalho em casa aumenta 3h. Você também?

A jornada de trabalho das 9h às 17h, ou qualquer coisa parecida, parece relíquia de outra era

 (Creative-Family/Thinkstock)

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Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 26 de abril de 2020 às 12h31.

Última atualização em 26 de abril de 2020 às 12h42.

Um executivo do JPMorgan Chase recebe mensagens sem pedido de desculpas de colegas à noite e nos fins de semana, incluindo uma notavelmente exigente no domingo de Páscoa. Um web designer cujo quarto serve de escritório precisa acionar um alarme para se lembrar de almoçar durante a jornada de trabalho sem parar. Na Intel, uma vice-presidente com quatro filhos fica logada 13 horas por dia enquanto tenta conciliar a tarefa de cuidar deles e o trabalho.

Após seis semanas de experimento nacional de trabalho em casa sem um fim à vista, quaisquer que fossem as fronteiras que restavam entre trabalho e vida pessoal desapareceram quase inteiramente.

Com muitas pessoas morando a poucos passos dos escritórios, a cultura de trabalhar a qualquer hora dos Estados Unidos alcançou novos patamares. A jornada de trabalho das 9h às 17h, ou qualquer coisa parecida, parece relíquia de outra era.

Formalidades como se desculpar por ligar ou enviar e-mails em horários inadequados são coisa do passado. Funcionários esgotados sentem que têm menos tempo livre do que quando perdiam horas no transporte para ir ao trabalho.

“Para ser bem sincera, estou usando exatamente a mesma roupa da segunda-feira”, disse Rachel Mushahwar, vice-presidente e gerente-geral de vendas e marketing para os EUA da Intel, em entrevista na quinta-feira passada. “Acho que tomei banho três vezes.”

Alguns especialistas esperavam que a grande migração para o trabalho em casa durante a pandemia levaria a uma nova era de acordos de trabalho flexível. Em 2017, apenas 3% de profissionais com carteira assinada nos EUA disseram que trabalhavam “principalmente” em casa em pesquisa do Censo. Então, milhões se abrigaram em casa no que se pensava ser um hiato temporário. Muitos mapearam planos para preencher o tempo que gastavam no deslocamento para ter novos hobbies, como aprender um idioma, assar pães ou conseguir o melhor físico de suas vidas. Parecia o começo de uma revolução do teletrabalho.

Um mês e meio depois, as pessoas estão sobrecarregadas, estressadas e ansiosas para voltar ao escritório. Nos EUA, pessoas que trabalham em casa se conectam três horas a mais por dia do que antes dos confinamentos na cidade e no estado, de acordo com dados da NordVPN, que rastreiam quando os usuários se conectam e desconectam do trabalho.

Entre todos os países que a NordVPN rastreia, trabalhadores dos EUA eram os que se conectavam por mais tempo. Na França, Espanha e Reino Unido, a jornada se estendia por mais duas horas, segundo dados da NordVPN. Na Itália, não houve mudança.

Os horários da jornada de trabalho também mudaram. Sem o tempo de deslocamento, as pessoas acordam mais tarde, segundo a NordVPN, mas o horário de pico de e-mails se deslocou para as 9h da manhã, de acordo com dados da Superhuman.

Funcionários também voltam a se logar tarde da noite. A Surfshark, outro provedor de VPN, observou picos de uso da meia-noite às 3h da madrugada que não estavam presentes antes do surto de COVID-19.

Huda Idrees, diretora-presidente da Dot Health, uma startup de tecnologia com sede em Toronto, confirma que seus 15 funcionários estão trabalhando, em média, 12 horas por dia, acima das 9 horas pré-pandemia. “Estamos em nossos computadores muito cedo, porque não há tempo de deslocamento”, disse. “E, como ninguém sai à noite, também estamos sempre lá.”

Um grande problema é que não há escapatória. Sem muito o que fazer e sem nenhum lugar para ir, as pessoas sentem que não têm uma desculpa legítima para não estarem disponíveis. Um funcionário do JPMorgan interrompeu seu banho matinal para participar de uma reunião improvisada depois de receber uma mensagem de um colega no Apple Watch. Quando se secou e voltou a se conectar, estava cinco minutos atrasado.

Depois, há o fato de que as pessoas transformaram seus espaços em escritórios improvisados, tornando quase impossível se desconectar. Ter um quarto extra ajuda, mas não muito, disse John Foster, que está em casa em Tuscumbia, Alabama, desde meados de março, cuidando da conformidade financeira para uma fábrica. Seu espaço de trabalho fica ao lado da sala de estar. “Você anda 20 vezes por dia”, disse. “Toda vez que passa por lá, não escapa do trabalho.”

Neste ponto, até sente falta do tempo que se deslocava ao trabalho. “Geralmente, você tinha aquela pausa para voltar para casa ou meio que se preparar para o dia”, disse.

Outros dizem que sentem pressão dos patrões para provar que estão trabalhando, principalmente porque a economia sofre um impacto e a perspectiva de demissões se aproxima.

Na Constellation Software, em Toronto, mais de 100 funcionários receberam um e-mail de um superior que dizia: “Não se distraia porque está sozinho. É fácil adquiri maus hábitos, a atração da Internet. Basta pensar, eu faria isso no escritório? Se for um não, não faça”, dizia o e-mail revisado pela Bloomberg.

“Você sabe que vamos monitorar de perto”, escreveu o mesmo gerente em mensagem anterior. Um representante da Constellation Software não retornou mensagens de telefone e e-mail pedindo comentários.

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