Carreira

Terceirização de ideias

Em busca de soluções inovadoras, as empresas utilizam a internet para propor desafios de negócios aos jovens

A partir da esquerda, os engenheiros da Poli-USP Miguel Chaves, Daniel Damas e Diogo Dutra: projeto inovador para a construtora Tecnisa (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

A partir da esquerda, os engenheiros da Poli-USP Miguel Chaves, Daniel Damas e Diogo Dutra: projeto inovador para a construtora Tecnisa (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.

São Paulo - Na década de 1980, os executivos de grandes empresas enchiam o peito para dizer que suas companhias tinham programas de qualidade — na época, um diferencial competitivo. O desafio então era padronizar os processos de produção e otimizar o tempo de desenvolvimento do produto. Esse período ficou para trás e o maior desafio das empresas na atualidade é inovar. 

Criar o novo já se tornou uma questão de sobrevivência em um mercado de competição global. Por isso, as corporações que querem ter um negócio sustentável têm buscado —dentro e fora de casa — ferramentas que impulsionem o surgimento de projetos no mínimo inspiradores. "Raramente ideias inovadoras são encontradas dentro da organização. O ambiente corporativo deforma os funcionários e faz com que eles percam a criatividade", diz o holandês Hans van Hellemondt, especialista em inovação

O diretor de ambientes digitais e inovação da construtora Tecnisa, Romeo Bussarello, acredita que as pessoas estão executando muito e criando pouco, como se operassem no automático. "Trabalhamos demais, concentrados na rotina diária, nos prazos, e não conseguimos ter novas ideias. As organizações nos deixam embrutecidos e temos que ter humildade de ir para o mercado buscar inspiração", diz o executivo. 

Observando essa tendência no Brasil, Hans trouxe para cá uma ideia que surgiu na Holanda em 2005, o site Battle of Concepts (BOC). Aqui, ele se associou à empresa TerraForum e traduziu o nome do site para Batalha de Conceitos, que estreou no final de 2009. Na página, as companhias lançam desafios online, normalmente relacionados a problemas interno dos negócios, e estudantes universitários ou jovens profissionais, com idade entre 17 e 30 anos, postam suas soluções. "O funcionário é cobrado por resultados. Ele não pode desviar das metas e das tarefas do dia a dia, e por isso não consegue criar. 

Há pressão para inovar, mas não há tempo para isso. Já nas universidades, os estudantes têm tempo e, por isso, os resultados lá são melhores", diz o executivo- chefe da TerraForum, José Cláudio Terra. A vantagem desse modelo é que os profissionais estão expostos a outros ambientes que não o de uma corporação e, dessa forma, têm a cabeça aberta para experimentar. O melhor é que esses estudantes estão criando projetos com quase o mesmo nível de profissionalismo encontrado nas corporações, às vezes, em áreas que não são as deles. 

"O modelo permite reunir jovens talentos com competências técnicas, mas que não estão sob a pressão do cotidiano das empresas", completa Mônica Reiter Bissi, gerente de RH da Vopak, empresa especializada em armazenamento de gás liquefeito, óleos e produtos petroquímicos. No site, as empresas ficam com a propriedade intelectual dos projetos, podendo ou não colocá-los em prática. As dez melhores soluções dividem cerca de 15 000 reais. Já participaram do BOC 7 000 estudantes, 180 universidades e 13 grandes empresas, como Ambev e Natura.

Vitrine de talentos

De quanto mais batalhas o jovem participa, maiores as chances de conquistar os Battle Points (pontos) e mais inovador será considerado. O site apresenta um ranking dos alunos e das universidades mais bem colocadas. "De um lado, as empresas têm desafios e querem a ajuda de jovens para resolvêlos. 


De outro, os estudantes têm necessidade de mostrar para o mundo seu talento", diz o holandês Hans van Hellemondt. Na Holanda, o site ficou tão famoso que jovens profissionais passaram a colocar os pontos no currículo. E tudo indica que aqui iremos pelo mesmo caminho. "Recebemos ligações de um banco pedindo os contatos dos 20 primeiros jovens do ranking porque eles querem contratá-los", diz José Cláudio Terra. E a ideia é essa mesmo. As empresas não necessariamente estão buscando soluções prontas. Elas querem insights e, principalmente, o contato com os bons talentos.

Caos focado

Foi esse o nome que o grupo de três estudantes de engenharia mecatrônica da Poli-USP deram ao processo de brainstorm que criaram. Daniel Damas, de 25 anos, Miguel Chaves, de 25, e Diogo Dutra, de 24, têm em comum a vontade de trabalhar com inovação. Miguel trouxe de um curso no Instituto de Tecnologia de Massachusetts a experiência sobre processo de criatividade e Diogo trouxe de um intercâmbio na França teorias do curso de engenharia de design. 

Juntos, transformaram a casa do amigo Daniel num laboratório onde reúnem pessoas de diversas áreas em busca da diversidade de pensamentos. "A mistura traz ideias criativas", diz Daniel. A cada encontro, depois de muitos postits, eles têm cerca de 300 ideias. O grupo se classificou em 1º lugar na Batalha da Tecnisa. Criaram o projeto de um condomínio de prédios que sequestra gás carbônico (CO2) e o vende no mercado de créditos. 

Dessa forma, os moradores se apropriariam do dinheiro e não teriam de pagar as taxas de condômínio. "Quem economizar mais na emissão de CO2 vende cotas para os vizinhos", afirma Diogo. Eles ficaram em 6º lugar na Batalha da Vopak e em 3º na Inovatec, feira de inovação do governo de Minas Gerais. "Várias empresas nos convidaram para trabalhar, mas não aceitamos porque vamos montar a nossa própria companhia", diz Miguel. Na Batalha, a Tecnisa recebeu 52 soluções e montou uma equipe de avaliação. "Não queremos ideias prontas, mas, sim, a inspiração que mova nosso pessoal", afirma Romeo Bussarello.

Administração compartilhada

Na Holanda, até o setor público entrou na brincadeira. "Lá, o Ministério da Educação pediu ideias do que poderia ser feito para diminuir o índice de 30% de alunos que deixam a faculdade pública no primeiro ano. Com isso, o governo mostra que quer se aproximar dos líderes do futuro", diz o holandês Hans van Hellemondt.

Seguindo o exemplo, Minas Gerais lançou uma batalha na feira Inovatec. "O governo saiu da caixa e começou a trabalhar com a sociedade. O normal é o governo criar e levar para fora. Aqui, ele tenta compartilhar, para ser mais eficiente", diz Heber Pereira Neves, coordenador da Inovatec. A dupla vencedora foi a de estudantes de publicidade da ECA-USP, Eric Anacleto Ribeiro, de 21 anos, e Bárbara Doro Zachi, de 22. Eles propuseram criar um portal com sistema de feed, desenvolver um aplicativo para smartphone, realizar pop up stores e uma disputa por empresas juniores. 


"A proposta foi uma das mais criativas. Reuniu processos que já existiam em um só", afirma Heber. A Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais deve unir várias ideias em um único projeto. "Participar de um desafio aberto de inovação valorizou o meu currículo e aumentou minha confiança diante de desafios que posso encontrar no mercado", diz Bárbara. Eric concorda: "Aprendi muito mais do que nas próprias aulas da faculdade, porque vivemos a teoria na prática".

Experiência  no currículo

Gabriel Estevam Domingues, de 22 anos, estudante do primeiro ano de engenharia ambiental na Unimonte, em Santos, pegou o gosto pela pesquisa por causa do BOC. Ficou sabendo do site pelas redes sociais e resolveu aceitar o desafio proposto pela Vopak, empresa do setor químico.

Ele desenvolveu um processo de aquecimento por traços elétricos, que converte energia elétrica em térmica e somou a isso conceitos de isolamento nos tanques e nas tubulações. Para convencer a empresa, apresentou um projeto abrangente. Fez cálculos de calorimetria, um memorial descritivo no qual explica os cabos que seriam utilizados e um pequeno estudo de viabilidade econômica.

"O projeto do Gabriel foi o que apresentou mais elementos que poderiam ser colocados em prática", diz Mônica Reiter Bissi, gerente de recursos humanos da Vopak com sede em Santos, no estado de São Paulo. Para lançar a batalha, a companhia se utilizou de um processo de inovação aberto internamente. "Pedimos a participação dos funcionários para que nos ajudassem a identificar quais seriam os nossos desafios. Isso estimulou a reflexão", conta Mônica. 

Para a Vopak, alguns fatores são importantes: o estreitamento de laços com jovens talentos e o reforço da cultura de inovação entre os colaboradores. Gabriel participou de duas batalhas dessa companhia, ficou em 1º e 2º lugar e está em 3º lugar no ranking geral. "Antes, eu mandava meu currículo e não era aceito porque não tinha experiência. Agora, estou até recusando proposta de trabalho", diz o estudante.

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