Encontro de executivas na GE, em São Paulo: empresa promove reuniões entre funcionários para que falem e ouçam sobre diversos temas, inclusive vida doméstica (Marilia Lia / Divulgação)
Da Redação
Publicado em 26 de novembro de 2013 às 18h20.
São Paulo - Nada de sala fechada, nem de rituais formais. A fala objetiva e racional dos negócios dá lugar a histórias cheias de emoções e heróis do cotidiano. Sem pauta predeterminada e sem pressa de acabar, esse novo tipo de reunião vem ganhando espaço nas empresas.
O objetivo é conectar e engajar o time com a organização por meio de encontros em que os funcionários compartilham algo muito mais precioso do que a agenda de trabalho: suas histórias de vida.
Segundo o filósofo Mario Sergio Cortella, escritor e professor titular da PUC-SP, fazer com que os empregados falem de si e dos outros é uma forma inteligente de provocar mais prazer no dia a dia dos negócios e criar um clima mais humano. “Falar de si é ter reconhecimento de identidade. Falar dos outros — bem ou mal — nos dá sentimento de comunidade e de pertencimento”, diz ele.
Cientes de que essa exposição ajuda na tarefa de motivar, reter e disseminar a cultura corporativa, gestores de recursos humanos vêm derrubando por terra a máxima de que é preciso separar a vida profissional da pessoal. Ao contrário.
O conceito atual é de que, quanto mais misturados esses papéis estiverem, melhor. “Essas iniciativas despertam nas pessoas o sentimento de que suas missões e barreiras são mais semelhantes do que imaginavam, aumentando a conexão com a organização”, afirma Caroline Pfeiffer, diretora de marketing e vendas da consultoria LHH/DBM, de São Paulo.
A ideia é uma só: falar e ouvir histórias pessoais, mas os formatos são diferentes. Algumas empresas escolhem líderes que são considerados referência para falar sobre si; outras convidam funcionários para compartilhar experiências de vida com grupos de similares ou entre equipes de trabalho. “O mais importante é que esses encontros façam conexão com a história da companhia. Isso ajuda as pessoas a se conectarem de forma mais profunda”, afirma Caroline.
Conversa em volta da fogueira
O nome faz referência à prática antiga de como os integrantes mais velhos das tribos repassavam para as novas gerações a história e os ensinamentos dogrupo. E era essa a ideia que a Braskem tinha quando criou, há um ano, o seu Conversa em Volta da Fogueira para disseminar e consolidar sua cultura após passar por 14 fusões e aquisições.
“Com tantas pessoas novas, processos e culturas absorvidas, vimos que era importante reforçar a nossa essência nas primeiras linhas de liderança”, diz Marcelo Arantes, vice-presidente de pessoas e organização.
Em 2012, a empresa promoveu três encontros em que reuniu o presidente, o primeiro e o segundo nível de liderança para ouvir relatos das histórias de vida de conselheiros do grupo Odebrecht, controlador da Braskem. A conversa rendeu. Falaram sobre a cidade de origem, infância, aprendizados, dificuldades, fracassos e experiências profissionais e pessoais.
Ao final, os executivos também responderam a perguntas e curiosidades do público. “É uma espécie de testemunho da experiência de vida e da organização. Vai além do plano de carreira”, diz Arantes. “Nesses encontros, os líderes dão o exemplo de simplicidade e humildade, valores pessoais relevantes para a nossa cultura.”
No ano passado, 55 líderes participaram desses encontros. Porém, a ideia de compartilhar histórias das pessoas já era uma prática na Braskem. O programa Fábrica do Saber, que existe há cinco anos e permite a participação de todos os níveis da empresa, incentiva que funcionários repassem seus conhecimentos, com relatos de vida e de carreira.
Os workshops de formação de líderes contam com uma primeira etapa reservada para o compartilhamento das histórias pessoais de cada um.
O Magazine Luiza também vem investindo nesse compartilhamento de histórias. O método é diferente, mas o objetivo é o mesmo. Em 2011, a empresa começou a gravar vídeos com os funcionários para disseminar a cultura corporativa.
Em frente às câmeras, os colaboradores contam suas histórias pessoais e o que fazem no trabalho — tentando relacionar esse depoimento com os valores do Magazine Luiza. Os vídeos são posteriormente transmitidos num programa semanal na TV corporativa.
De mulher pra mulher
Na GE, uma iniciativa global criada em 1997, o Women’s Network, reúne mulheres para ajudar no desenvolvimento e no crescimento dentro da companhia. “Nos encontros abordamos temas de carreira e trocamos experiências pessoais válidas para o desenvolvimento”, afirma Sandra Rodrigues, diretora de desenvolvimento organizacional da GE para a América Latina.
Com apoio dos líderes, a empresa promove encontros em que os mais seniores contam como cresceram na GE. Em outros encontros, questões relativas ao trabalho não entram na pauta. As próprias mulheres falam sobre os desafios domésticos, como contratação de babás, filhos e escolas.
“Não trocamos telefones de babá, mas falamos de conflitos e questões que interferem na vida de qualquer mulher”, diz Sandra. “O objetivo é expor como profissionais bem-sucedidas lidam com situações complexas, como uma doença grave ou o equilíbrio entre a maternidade e a carreira.”
No Brasil, o programa conta com estrutura própria, presidente, copresidente e pilares estruturados para ajudar na trajetória de carreira das mulheres na empresa. Globalmente, a GE tem 300 000 funcionários, dos quais 100 000 participam do Women’s Network. Aqui, 160 dos 8 000 empregados fazem parte do programa.
A expectativa da empresa é atingir a marca de 506 participações femininas em 2013. Em 2011, o programa brasileiro promoveu 20 encontros com temas variados. “Ninguém se identifica mais por cargos e idade, mas por sua história”, diz Sandra. “Saber como algumas pessoas enfrentam e superam os desafios nos inspira ainda mais e torna o aprendizado imediato.”
Mesmo com todos os benefícios envolvidos nessas prosas da vida privada, há alguns riscos e alertas a serem tomados. “O que cada um ouve nem sempre é o que a pessoa que está falando gostaria que percebessem dela”, diz o psicoterapeuta Luiz Cuschnir. “Ou, no afã das coisas, alguém pode dar um depoimento que, se estivesse mais consciente da repercussão que ele poderia causar, jamais daria. Tudo isso precisa ser avaliado antes.”
Para o economista e filósofo Jean Bartoli, uma boa conversa é sempre proveitoso, mas para práticas como essas terem um efeito positivo é preciso criar um discurso mais coletivo do que individual. “Nesse contexto, experiências de compartilhar histórias de vida fazem sentido no ambiente corporativo. Mas é preciso ter cuidado para não infantilizar os executivos”, diz.