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Teoria Teal: Conheça a forma ousada de gerir da Netflix que inspira empresas no Brasil

Muitas companhias estão apostando em ter menos controles dos funcionários, desde liberação de férias à autogestão; veja como empresas no Brasil estão colocando essa cultura em prática e seus desafios

Autogestão e férias ilimitadas são algumas das marcas da Teoria Teal, criada em 2014 por Frederic Laloux, ex-diretor da consultoria McKinsey & Company (Olezzo/Divulgação)

Autogestão e férias ilimitadas são algumas das marcas da Teoria Teal, criada em 2014 por Frederic Laloux, ex-diretor da consultoria McKinsey & Company (Olezzo/Divulgação)

Publicado em 20 de março de 2024 às 06h06.

Última atualização em 21 de março de 2024 às 15h31.

O que tem de diferente na gestão da Netflix? A empresa de streaming americana adotou uma cultura de inovação em sua gestão de pessoas conhecida como "Teoria Teal". Um artigo da The Economist mostra como Reed Hastings, CEO da Netflix, incentiva uma gestão sem muitas regras, permitindo férias ilimitadas e até autonomia em despesas e decisões importantes.

“As organizações que usam a teoria Teal em seu modelo de gestão entenderam que o ser humano não é um cargo e nem a extensão de uma máquina”, diz Erica Isomura, sócia e consultora na Corall Consultoria, que trabalha há 18 anos com transformações nos eixos de cultura, estratégia e liderança.

Na Netflix, por exemplo, Isomura comenta que a cultura da criatividade é muito forte, assim como a autonomia dos funcionários. “A Netflix, por exemplo, não controla férias e incentiva a autogestão, testagem de ideias e a emergência de lideranças, com foco em manter a cultura de inovação e responsabilidade individual, alinhada com um propósito significativo”.

A origem da Teoria Teal

O conceito “Teal” foi criado em 2014 por Frederic Laloux, ex-diretor da consultoria McKinsey & Company, que identificou um tipo de organização pouco adepta às estruturas hierárquicas e organizacionais da empresa tradicional, e mais alinhada às tendências sociais e profissionais do momento.

Essa prática organizacional deu origem ao livro "Reinventando as Organizações" que apresenta os três princípios fundamentais do conceito Teal:

  • Autogestão: onde não há hierarquia tradicional e os funcionários têm maior liberdade para tomar decisões;
  • Propósito evolutivo: significando que a organização se adapta e cresce de acordo com seu ambiente interno e externo, mantendo seu propósito central;
  • Integralidade: que incentiva os membros da organização a trazerem todo o seu ser para o trabalho, promovendo um ambiente onde todos podem ser autênticos.

“Os modelos centralizados tradicionais ofuscam as contribuições individuais na medida em que mantêm o poder concentrado na mão de poucas pessoas”, afirma Sandro Magaldi, especialista em transformação de negócios, que reforça que estamos entrando em uma era que irá testemunhar o surgimento de novos modelos de arquitetura organizacional.

Um estudo realizado pela Robert Half mostra a necessidade dessas novas culturas corporativas. Utilizando dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a consultoria identificou que a questão do turnover se tornou mais desafiadora no Brasil após a pandemia: 56% dos executivos C-levels no país perceberam um aumento do turnover em relação ao período pré-pandemia, índice maior do que o de outros países.

“Por um lado, temos a autogestão, onde o funcionário tem mais liberdade para desenvolver um trabalho, mas por outro lado existe um senso de corresponsabilidade, de autorresponsabilidade que pode pesar no dia a dia do funcionário”, diz Isomura.

Como diferenciar uma empresa tradicional de uma empresa Teal?

Empresas tradicionais geralmente operam com estruturas hierárquicas definidas, afirma Isomura, com foco em resultados financeiros e processos padronizados, onde decisões são centralizadas na liderança. Por outro lado, empresas Teal focam na autogestão e no propósito evolutivo. “Elas promovem a descentralização das decisões e a autorresponsabilidade pessoal e coletiva.”

Práticas comuns de uma empresa Teal

Segundo Isomura, práticas comuns de empresas Teal incluem:

  • autogestão sem hierarquias tradicionais, permitindo lideranças emergentes;
  • decisões coletivas e distribuídas;
  • reuniões de processamento de tensões para lidar com desafios;
  • desenvolvimento contínuo (lifelong learning);
  • múltiplos papéis para crescimento horizontal e vertical;
  • feedback direto entre pares;
  • corresponsabilidade e contratos claros de expectativas e contribuições.

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Cases reais de empresas Teal

Algumas das primeiras empresas a experimentar com a abordagem Teal incluem a Morning Star, uma fábrica de tomates que adotou uma organização totalmente horizontal, e a Whole Foods Market, conhecida por suas práticas de gestão progressivas antes de ser comprada pela Amazon, afirma Isomura.

“Na tecnologia, a Netflix e a Valve Games são destacadas por suas culturas organizacionais inovadoras, focadas em autonomia, flexibilidade e um propósito evolutivo. Essas empresas foram pioneiras ao questionar e remodelar as práticas tradicionais de gestão para criar ambientes de trabalho mais dinâmicos e orientados para a experiência das pessoas.”

No Brasil, algumas companhias estão adotando essa cultura também. É o caso da All Set Comunicação, que desde 2013 aplica o modelo in-house — agências de publicidade alocadas em empresas e focadas somente naquele cliente. Com uma hierarquia flexível, a agência possui clientes globais como Nestlé, Ambev e Unilever, e tem as pessoas como centro das operações.

“Apostamos em práticas como distribuição de tarefas de gestão e foco em soft skills, visando um ambiente de trabalho mais significativo, onde a pessoa trabalhe por um propósito”, afirma Leopoldo Jereissati, CEO da All Set Comunicação, que viu o faturamento da empresa triplicar entre 2019 e 2023.

Os desafios do Teal

Apesar de ver muitos pontos positivos com a teoria Teal, Milena Brentan, coach executiva, traz aletas para empresas que buscam adotar iniviativas isoladas sem um preparo prévio da cultura da empresa. Entre os desafios estão:

  • Ausência de referência salarial: decisão exclusivamente caso a caso pode gerar viés em decisões de remuneração no momento da contratação e reconhecimento;
  • Ausência de controle de gastos e reembolso: sem o devido preparo e maturidade do time, pode comprometer o caixa da companhia;
  • No caso de férias sem controle: além de haver risco em políticas trabalhistas, o risco pode até mesmo resultar em pessoas não tirando as férias que tem direito ou trabalhando durante as férias, o que pode comprometer engajamento.
  • Pressão distribuída a profissionais que não são tão maduros ainda: a responsabilidade de ter autonomia pode gerar profissionais mais ansiosos com a pressão e decisões que normalmente se concentravam na liderança. Importantíssimo neste caso haver uma cultura que saiba lidar com erros para aprendizagem e não punição imediata.

A Teoria Teal não necessariamente será uma cultura para todas as empresas, afirma Bretan, que reforça que no livro da Netflix “A regra é não ter regras: A Netflix e a cultura da reinvenção”, é reforçado que há áreas na companhia que não podem ficar sem controle, como compliance e reporte ao investidor.

“Muitas empresas podem adotar esse formato de trabalho, mas não necessariamente é o futuro para todas. É preciso considerar a cultura do negócio e dos fundadores, que em muitos casos será mais tradicional”, diz a coach. “Mas fato é que a teoria Teal tem se mostrado uma tendência em ascensão no mercado e bem alinhada com o tipo de trabalho que a geração mais recente procura, por ser marcada pela autonomia e flexibilidade.”

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