Kleber Bottari, da Sitel, call center de São Paulo: fama de casca-grossa prejudicou sua evolução (Marcelo Spatafora/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 19 de março de 2013 às 14h52.
São Paulo - Acertar a dose exata de sinceridade que deve ser usada nas relações profissionais é algo complicado. Se a mentira é eticamente condenável, o excesso de franqueza também pode ser prejudicial à carreira. Segundo o escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), “pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal”.
Em pesquisa com 200 profissionais brasileiros feita pela Michael Page, empresa de recrutamento de São Paulo, 40% deles acreditam que se forem verdadeiros no trabalho podem sofrer com as consequências. “É possível ser sincero na empresa tanto quanto é possível na sociedade”, diz Marcelo Cuellar, responsável pela unidade da Michael Page no Rio de Janeiro.
Qual a medida certa de sinceridade? A resposta está num meio termo composto por sensibilidade, prudência e experiência. “Antes de sair dizendo o que pensa para todo mundo ouvir, a etiqueta corporativa diz que o melhor é estudar o ambiente e as relações”, diz Marcelo.
A sinceridade vai virando assunto de conversa na pausa para o almoço conforme uma geração mais jovem, e desbocada, passa a participar mais ativamente do cotidiano da empresa. À medida que a organização rejuvenesce, alguns rituais corporativos estão sendo questionados e a cerimônia com a hierarquia vem perdendo sentido.
Profissionais mais jovens têm a tendência de agir e falar sem papas na língua, sem dar tanta importância para o efeito das próprias palavras. “O problema é que são poucos os ambientes que aceitam esse tipo de conduta”, diz Marcus Soares, especialista em psicologia organizacional e professor do Insper, faculdade de economia e administração de São Paulo.
Obviamente, nem todo jovem é sincero demais e a questão sempre esteve presente no mundo corporativo. Mas as pessoas não lidam bem com isso e, toda vez que uma grande verdade é falada, pode-se prever confusão na área. A consequência para o sincero sem causa, antes da demissão, pode ser o rótulo de chato, sem noção ou excessivamente crítico — e isso pode prejudicar a carreira.
“O profissional que regula mal a opinião vai começar a ser isolado e pode ser preterido, principalmente para vagas em cargos de liderança, que exigem um filtro mais rigoroso”, diz Danilo Afonso, gerente de projetos e marketing do Instituto de Organização Racional do Trabalho (Idort).
Às vezes, as consequências negativas podem demorar a surgir. É o caso de Kleber Eduardo Bottari, de 36 anos, supervisor de call center da Sitel. Quando era analista, ficou conhecido como casca-grossa, por dizer o que pensava a seu supervisor. A opinião forte, num primeiro momento, até o ajudou a ser promovido ao nível hierárquico atual.
No entanto, após oito meses no cargo, Kleber tentou ser promovido à função de coordenador e recebeu um feedback desagradável. “Falaram que eu era pouco político e até um pouco ríspido”, diz.
Vida pessoal
Dentro do assunto sinceridade, outro deslize bastante comum na empresa é falar mais do que o necessário sobre a vida particular. Embora seja possível desenvolver laços de amizade com colegas de trabalho, isso não é a regra.
A maioria das pessoas convive diariamente com colegas com quem tem uma intimidade apenas parcial, por isso abrir assuntos pessoais muito delicados pode ser bastante constrangedor. “O ambiente de trabalho não é propício para falar sobre sua vida”, diz José Augusto Figueiredo, da consultoria de recolocação LHH/DBM.
Falar muito de si também favorece a criação de rótulos e dá abertura para comentários negativos, que podem prejudicar o crescimento. Isso não significa que o melhor caminho é isolar-se dos colegas, mas ficar atento para preservar a própria intimidade.
“No ambiente de trabalho existem pessoas que você não escolheu para conviver, mas os relacionamentos interpessoais são importantes e devem ser cultivados”, diz Sâmia Aguiar Brandão Simurro, vice-presidente de projetos e expansão da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV). “Sei meus limites e não me exponho a ponto de me prejudicar”, diz Luciana Rocha, de 35 anos, gerente administrativa e de suprimentos da OTZ Engenharia.
Por outro lado, ter consciência de qual dose de sinceridade cada situação exige pode ser bastante benéfico. A sinceridade saudável depende de três vetores, segundo José Augusto. “O que, quando e como”, diz ele. O “o que” está ligado ao conteúdo do que vai ser dito. É possível dizer tudo o que pensa se esse tudo estiver relacionado ao seu trabalho ou ao da equipe, como algum processo que você considera equivocado. Fofocas e intrigas só prejudicam.
O “quando” está relacionado ao momento em que sua opinião será dita. Interromper reuniões de minuto em minuto só para dizer o que pensa o fará se passar por inconveniente. Se o que for dizer for importante e está comprometendo seus resultados, agende hora e local. O “como” se refere à maneira como você passa a mensagem.
Evite ironias, subjetividades, tons agressivos e atenha-se a fatos. Deixe reclamações, intrigas e fofocas para os amigos. Fazendo isso, sua interlocução com pares e subordinados vai melhorar.