Mulher em frente a sinal de pare: elas são mais qualificadas mas não chegam no topo (Thinkstock)
Camila Pati
Publicado em 8 de março de 2016 às 06h00.
São Paulo - Haverá um dia em que diretorias executivas das empresas não serão formadas majoritariamente por homens no Brasil? Sim, haverá, diz Sílvia Fazio, sócia da Chadbourne & Parke LLP e presidente da ONG Will (Women in Leadership in LatinAmerica).
A sua resposta leva em conta a matemática: 18,4% mais mulheres concluem a universidade do que homens e 59,2% dos formandos em faculdades brasileiras são mulheres, aponta o Inep. Dados também indicam que elas já são a maioria dos formandos em cursos de administração, ciências contábeis e direito.
Mas, se for exclusivamente pela via da qualificação, a mudança será lenta. “Se levarmos em conta apenas estes números vai demorar muito. Contar só com a qualificação não dá. Pesquisas apontam que a igualdade de gênero vai demorar 80 anos. A FGV, por exemplo, fala em 120 anos”, diz Sílvia.
O topo da hierarquia corporativa ainda está longe de ser igualitário e o ritmo evolutivo é lento. Entre 867 companhias de capital aberto no Brasil, analisadas pela FGV, 66,5% não têm uma única mulher na diretoria executiva e quase metade (48%) não têm a presença de executivas em seus conselhos de administração.
Além disso, a participação feminina em conselhos administrativos tem caído: de 2003 para 2012 foi de 9,8% para 7,5%. Em relação às diretorias executivas, uma tímida evolução de 4,2% para 7,7%, segundo dados do Grupo de Pesquisas em Direito e Gênero da FGV.
“Se há evolução pequena nas diretorias executivas, nos conselhos de administração há uma piora. A previsão de 120 anos para igualdade é para diretoria executiva, porque em conselhos não existe a menor possibilidade de fazer uma projeção”, diz Angela Donaggio, professora da FGV Direito SP. A igualdadede gênero no topo é um mito que não resiste às estatísticas.
A subestimação da qualificação feminina é um fato que prejudica a ascensão da mulher e este não é um problema só do Brasil. “Pesquisas internacionais que analisam perfis de conselheiras e conselheiros de administração de empresas mostram que as executivas têm mais qualificação do que seus pares. Os homens são menos exigidos do que as mulheres para estarem ali”, diz Angela.
O que pode acelerar o processo de igualdade
A sub-representação feminina é uma questão ampla e profunda. Virar o jogo requer transformações sociais. “Não é de fácil solução”, diz Angela. Envolve fatores como a importância da divisão mais igualitária entre pais, ampliação de políticas de licença paternidade, mais oferta de creches, cita a professora da FGV.
Reserva de vagas para mulheres em conselhos de administração e programas voluntários de ascensão profissional feminina nas empresas são exemplos de iniciativas com potencial de encurtar o caminho até a igualdade.
As cotas para mulheres em conselhos de administração já são realidade em países europeus, como França e Espanha, e dão certo. “Mais diversidade de pensamento leva a melhores decisões porque há mais debate, há mais questionamento”, diz Angela.
Experiências internacionais mostraram ainda que havia, sim, número suficiente de executivas qualificadas. “Em todos os países, a demanda foi suprida. Estas mulheres já estavam nas empresas, não surgiram do dia para noite. A questão é que elas eram ignoradas pelo mercado”, diz a professora da FGV.
No Brasil, a adoção ainda é polêmica . “Há mulheres que têm receio de um estigma, têm medo concluírem que ela está lá apenas para preencher a cota”, diz Silvia. Para empresas públicas e de economia mista, tramita um projeto de lei que prevê a reserva de vagas em conselhos de administração Angela, no entanto, vê problemas no projeto .“Não há previsão de órgão de fiscalização nem de cláusulas que garantam a sua execução da lei”, diz .
Outro ponto que ela critica o projeto é a não obrigatoriedade de que a reserva de vagas seja para membros efetivos do conselho. O risco, diz, é que às mulheres sejam reservadas apenas posições de suplência.
“Prefiro as iniciativas voluntárias das empresas, como os programas de ascensão”, diz a presidente da Will. Do estímulo à contratação de mulheres em todos os níveis hierárquicos a ofertas de salas de amamentação, passando por flexibilização de horários e pela possibilidade de home office pais, o programa ideal deve ser amplo, diz.
“Uma atitude de tolerância para retenção de profissionais nesta fase de filhos pequenos resulta na fidelidade do funcionário. Pesquisas mostram que a mulher volta mais engajada e mais produtiva para empresas que mantêm este tipo de política”, diz Silvia.
Mas, na opinião de Angela, há que se ter cuidado para que programas desta natureza não reforcem estereótipos e tenham efeito puramente marqueteiro. “Os programas devem ter um olhar também para os homens que são pais. Do contrário reforçam o pensamento de que o cuidado com os filhos é competência exclusiva da mãe”, diz a professora da FGV.