Desconforto no ambiente de trabalho: Embora o bullying e o assédio moral compartilhem semelhanças, como a natureza repetitiva e o impacto negativo sobre a vítima, eles apresentam diferenças importantes (praetorianphoto/Getty Images)
Repórter
Publicado em 14 de agosto de 2024 às 16h48.
Última atualização em 14 de agosto de 2024 às 16h53.
Já se sentiu desvalorizado, deixado de lado ou constrangido por alguma fala que seu líder ou colega de trabalho expressa constantemente sobre você ou seu trabalho? Talvez você pode sofrer do “bullying corporativo” e nem saiba.
Essa prática é muito comum no ambiente de trabalho que não se preocupa com a formação de líderes e no bem-estar dos funcionários, e diferente do que muitos pensam, trata-se de um comportamento diferente do assédio moral.
“Embora o bullying e o assédio moral compartilhem algumas semelhanças, como a natureza repetitiva e o impacto negativo sobre a vítima, eles apresentam diferenças importantes em termos de dinâmica, relações de poder e possíveis motivações discriminatórias”, afirma Joaquim Santini, pesquisador internacional que passou por faculdades como Harvard, Unicamp e INSEAD (The Business School for the World – Europe) e trabalha desde 1993 com análise do comportamento humano no mercado de trabalho.
Embora o bullying no trabalho e o assédio moral sejam problemas graves e muitas vezes interligados no ambiente de trabalho, existem diferenças conceituais entre eles.
O bullying se caracteriza por comportamentos persistentes e sistemáticos de intimidação, humilhação, ofensa ou exclusão, com o objetivo de prejudicar ou amedrontar um indivíduo. Esse tipo de violência pode se manifestar por meio de agressões verbais, manipulação psicológica e, em casos extremos, até mesmo violência física.
“Uma característica marcante do bullying é que ele não necessariamente possui conotação sexual ou discriminatória, podendo ocorrer entre colegas de mesmo nível hierárquico na organização”, afirma Santini.
Por outro lado, o assédio moral é um conceito mais específico e geralmente está atrelado a uma relação de assimetria de poder. Ele se caracteriza por condutas abusivas, gestos, palavras ou comportamentos repetitivos que atentam contra a dignidade ou integridade psíquica de um funcionário, tornando o ambiente de trabalho degradante e hostil.
“Na maioria dos casos, o assédio moral é praticado por superiores hierárquicos que se valem de sua posição de autoridade para submeter a vítima a situações humilhantes e constrangedoras”, diz o pesquisador internacional.
Outra diferença relevante é que o assédio moral pode apresentar um caráter discriminatório, ou seja, ser motivado por preconceitos relacionados a características como raça, gênero, orientação sexual, idade ou deficiência. “Nesses casos, o assédio moral também pode ser enquadrado como assédio discriminatório, uma vez que a violência psicológica se baseia em critérios discriminatórios ilegais.”
Algumas fala de líderes e colegas de trabalho podem exemplificar o bullying no ambiente corporativo. Abaixo, Santini compartilha alguns exemplos que já ouviu em suas consultorias dentro e fora do Brasil:
“Nessas frases é possível perceber que existe uma diferença entre bullying e assédio moral. Não são discriminatórias, mas minimiza a opinião do próximo de forma que o desqualifica e até mesmo o desrespeita”, diz Santini que realiza consultoria especializada em mudanças organizacionais e em criar ambientes de alta performance.
O conceito de bullying no trabalho, como o conhecemos hoje, começou a ganhar atenção acadêmica e pública a partir da década de 1980. Um dos pioneiros no estudo desse fenômeno no ambiente de trabalho foi o psicólogo alemão Heinz Leymann. Em 1984, ele iniciou pesquisas sobre o que denominou "mobbing" (do inglês "mob", que significa "turba" ou "bando") para descrever o assédio psicológico sistemático no contexto laboral. “Seus estudos foram fundamentais para lançar luz sobre a prevalência e os efeitos prejudiciais desse comportamento nas organizações”, afirma Santini.
Na década seguinte, Leymann aprofundou suas investigações e cunhou o termo "psicoterror" para se referir ao bullying no trabalho. Ele também desenvolveu um instrumento chamado Leymann Inventory of Psychological Terror (LIPT), com o objetivo de identificar e mensurar a ocorrência desse tipo de assédio nas empresas.
Outra figura proeminente nesse campo é a psicóloga britânica Andrea Adams. Seu livro "Bullying at Work: How to Confront and Overcome It", publicado em 1992, foi crucial para trazer o tema ao debate público no Reino Unido. “A obra contribuiu para ampliar a conscientização sobre o assunto e ressaltar a necessidade de medidas preventivas por parte das organizações.”
Desde então, inúmeros pesquisadores, organizações e governos ao redor do mundo têm se dedicado a compreender as causas, consequências e estratégias de enfrentamento do bullying nas empresas. No Brasil, Santini lembra que o tema ganhou destaque a partir dos anos 2000, com a realização de estudos, publicação de livros e inclusão da pauta em discussões sobre saúde e segurança no trabalho.
O bullying no ambiente de trabalho pode ter um impacto devastador na saúde física, mental e emocional dos funcionários, além de afetar negativamente seu desempenho profissional e sua vida pessoal, afirma Santini.
Entre os principais efeitos do bullying, Santini destaca:
O estresse e a ansiedade: as vítimas frequentemente vivenciam altos níveis de tensão, que podem se manifestar através de sintomas como dores musculares, enxaquecas, distúrbios do sono e problemas gastrointestinais.
“Um exemplo prático seria um funcionário que, ao ser constantemente humilhado por um colega, passa a sofrer de insônia e encontra dificuldades para relaxar, mesmo fora do ambiente de trabalho”, afirma Santini que é especialista em comportamento humano no trabalho.
Quadros de depressão e baixa autoestima: a vítima pode passar a se sentir inadequada, incompetente e sem valor.
“Imagine um funcionário que, após ser repetidamente desqualificado por seu superior, começa a duvidar de suas próprias habilidades e perde a motivação para se desenvolver profissionalmente”, diz Santini. “Essa situação ilustra como o bullying pode minar a confiança e o crescimento individual.
Pouca concentração, criatividade e produtividade dos funcionários: Uma vítima pode ter dificuldades para se concentrar em suas tarefas, cometer erros com mais frequência e sentir-se desmotivada para contribuir com ideias e soluções inovadoras.
“Esse comportamento prejudica não apenas o indivíduo, mas também a equipe e a empresa como um todo”, afiram o pesquisador internacional.
Isolamento social: muitos funcionários podem se sentir isolados e excluídos no ambiente de trabalho, o que pode afetar sua capacidade de estabelecer relações saudáveis com colegas e prejudicar o trabalho em equipe.
“Pense em um funcionário que é constantemente alvo de piadas ofensivas e, como resultado, evita interagir com os colegas durante as pausas, sentindo-se excluído das conversas informais”, diz Santini.
Para evitar o bullying no ambiente de trabalho, as empresas precisam adotar medidas de prevenção e se preciso de punição, afirma Santini, que reforça as seguintes iniciativas:
“Compreender o bullying e diferenciá-lo do assédio moral é fundamental para prevenir e combatê-lo de forma adequada no ambiente de trabalho”, diz Santini.