Na prática, a nova norma afirma que fatores como estresse, assédio e sobrecarga psicológica passam a ser considerados riscos ocupacionais (Malte Mueller/Getty Images)
Repórter
Publicado em 11 de abril de 2025 às 09h29.
Última atualização em 11 de abril de 2025 às 15h46.
A partir de maio de 2025, promover saúde mental no trabalho deixará de ser apenas uma boa prática e passará a ser uma obrigação legal para todas as empresas brasileiras. Com a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego, passa a ser exigida a avaliação dos chamados riscos psicossociais na gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST).
Na prática, isso significa que fatores como estresse, assédio e sobrecarga psicológica passam a ser considerados riscos ocupacionais — e, portanto, exigem medidas preventivas por parte das organizações.
“A inclusão da saúde mental como risco ocupacional é um avanço significativo”, afirma Cinthia Babler Martins, especialista em bem-estar corporativo e consultora da MH Consult. “Agora, as empresas precisam ir além do reconhecimento e atuar de forma preventiva, garantindo um ambiente de trabalho psicologicamente seguro.”
Para Cristina Cogo, que soma mais de 20 anos de experiência em segurança do trabalho e atua como psicóloga clínica desde 2015, a norma funciona como um verdadeiro EPI para a saúde mental - tão essencial quanto a saúde física. “A adequação à NR-1 permite que as empresas adotem uma postura preventiva, identificando e reduzindo os fatores de risco para um ambiente de trabalho mais saudável, seja no chão de fábrica ou no escritório”, afirma. “Quando está emocionalmente bem, o colaborador tende a se engajar mais, tomar decisões com mais clareza e, consequentemente, ser mais produtivo."
O alerta vem em um momento crítico. O Brasil é o 4º país mais estressado do mundo, segundo relatório global "World Mental Health Day 2024", divulgado pelo Instituto Ipsos em outubro de 2024, e os afastamentos por transtornos mentais cresceram mais de 400% nos últimos anos, de acordo com o Ministério da Previdência Social. Só no primeiro semestre de 2024, o SUS registrou quase 14 milhões de atendimentos psicológicos.
Para Cinthia, a mudança imposta pela nova NR-1 exige uma transformação na postura das lideranças. “Os gestores precisam desenvolver inteligência emocional para criar um ambiente de confiança, onde os funcionários se sintam confortáveis para expressar suas preocupações sem medo de retaliação”, diz.
Além disso, ela lembra que a retenção de talentos também passa a depender disso. “Estudos mostram que profissionais de alto desempenho já priorizam qualidade de vida em detrimento de altos salários. Empresas que não acompanharem essa mudança podem perder gente boa”, afirma.
A recomendação da especialista é clara: investir em capacitação para líderes, com foco em habilidades emocionais e comportamentais. “É essencial preparar a liderança para lidar com as demandas emocionais da equipe e promover um ambiente mais saudável e produtivo.”
Em março de 2025, também entrou em vigor a Lei 14.831, que cria o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental. O novo selo premiará organizações que implementarem ações efetivas de bem-estar emocional, como programas de apoio psicológico, campanhas de conscientização e incentivo ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Para conquistar o selo, válido por dois anos, as empresas precisarão apresentar um plano de ações baseado em três pilares: promoção da saúde mental, incentivo ao bem-estar dos trabalhadores e transparência. Entre os requisitos estão:
Para Michel Cabral, CEO da Vixting, a regulamentação é um marco. “A Lei 14.831 coloca a saúde mental no centro da estratégia organizacional, estimulando mudanças estruturais que impactam diretamente na produtividade e na retenção de talentos”, diz.
Segundo ele, a certificação também oferece ganhos concretos: redução de custos com absenteísmo, maior satisfação dos funcionários e reforço da imagem da marca no mercado.
Ainda assim, especialistas alertam que o texto da lei tem lacunas. Um dos pontos criticados é a ausência de representantes dos trabalhadores nas discussões iniciais e o foco excessivo em ações individuais — como treinamentos — sem atacar causas estruturais do sofrimento psíquico no trabalho.
“Há pontos sensíveis que precisam ser esclarecidos, como a atuação em ambientes hostis”, afirma Cabral. “Mas para as empresas, será necessário se adequar a essa realidade.”
Mais do que uma obrigação legal, o movimento representa uma oportunidade estratégica para as empresas fortalecerem sua cultura e se posicionarem como referência em bem-estar. “Ao priorizar a saúde emocional, as organizações se destacam como exemplos de gestão inovadora e sustentável”, afirma Cinthia Martins.