Carreira

Saúde mental e o seu impacto na carreira

Sônia Lesse, especialista em Diversidade e Inclusão e diretora de Experiências na Profissas, discute como saúde mental e diversidade são assuntos conectados

Saúde mental: tema também tem a ver com diversidade  (sorbetto/Getty Images)

Saúde mental: tema também tem a ver com diversidade (sorbetto/Getty Images)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 20 de maio de 2023 às 10h38.

Por Sônia Lesse, especialista em Diversidade e Inclusão e diretora de Experiências na Profissas

Muito se fala sobre saúde mental e carreira! O tema ganhou mais evidência nos últimos anos, especialmente no contexto da pandemia. O medo da COVID-19, de perder familiares e amigos, das incertezas no trabalho e das transformações no convívio social foram algumas angústias que acompanharam e ainda acompanham milhares de pessoas ao redor do mundo desde então.

Mas e aí? Nesse cenário, como é possível que a gente fique bem para desenvolver nossas carreiras? Afinal de contas, são muitas questões emocionais a serem trabalhadas, ao mesmo passo que a vida segue aceleradamente. O privilégio de parar, de refletir sobre o trabalho, de saber onde quer chegar profissionalmente, nem sempre é possível, principalmente porque as exigências e pressões profissionais e sociais não favorecem o bem-estar e a saúde mental das pessoas.

Estamos em estado de alerta, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ansiedade, esgotamento, estresse, depressão, insônia, são alguns dos sintomas que têm levado muitas pessoas ao consultório médico - e também à demissão.

Mas como assim, Sônia? Bem, vamos falar do contexto corporativo!

A falta de preparo das empresas para trabalhar o tema “saúde mental” faz com que os profissionais acumulem demandas emocionais, até o adoecimento se manifestar de forma generalizada. É preciso que as organizações e a sociedade no geral compreendam, de uma vez por todas, que cuidar da saúde mental não é supérfluo. É uma questão de urgência em saúde pública.

Frases como “trabalhe enquanto os outros dormem” ou “ele chegou nesta posição na companhia pois se dedicou 200%” fazem parte do cotidiano de muitas empresas, que criam uma relação tóxica entre lideranças e colaboradores. É muito comum ouvir a expressão “é preciso vestir a camisa da companhia”, mas precisamos estabelecer limites.

Certa vez, em uma empresa que trabalhei, ouvi da minha gestora um “você não pode faltar um dia nessa faculdade?” Ela reclamava pela minha recusa em faltar na faculdade para trabalhar até a meia noite, que era o limite do sistema para finalizar o trabalho e bater a meta do mês. Eu só havia sido contratada porque cursava ensino superior, mas naquele momento a prioridade deveria ser o trabalho. Eu fazia uma entrega 100%, mas precisava entregar 200% para ser considerada dedicada.

Nosso medo de perder o emprego nos submete a cargas abusivas de trabalho, causando ansiedade, depressão e o burnout. Mesmo quando não há uma cobrança direta para entregarmos um “algo a mais”, essa crença já está inserida na nossa sociedade e nos sentimos pressionados a fazer isso, mesmo sem saber como.

Saúde mental não é “mimimi”

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, os transtornos mentais e comportamentais estão entre as principais causas de perdas de dias de trabalho no mundo.
Hoje, mais de 300 milhões de pessoas no mundo sofrem com a depressão, sendo esta a principal causa de incapacidade laboral. Mais de 260 milhões vivem com transtornos de ansiedade.

É preciso que as empresas tratem com seriedade o tema, desenvolvendo ações estruturadas de acolhimento para todas as pessoas. O ambiente de trabalho deve ser seguro para o desenvolvimento da carreira das pessoas colaboradoras e não ser o causador do problema que muitos profissionais têm quando não recebem o apoio necessário para performar bem no trabalho e também em outras áreas da vida.

Se uma pessoa trabalha 8 horas por dia, por exemplo, não dá para ela exercer suas funções, desenvolver a carreira, ao mesmo tempo em que lida com problemas de saúde mental. Aos poucos, essas questões impactam no desempenho profissional, as reclamações das lideranças começam a surgir (isso quando elas não são as pessoas adoecidas), o relacionamento com colegas e clientes começam a ficar insustentável, até que um dia o colaborador paralisa e não consegue seguir com o trabalho.

Infelizmente, o cuidado com a saúde só surge quando as adversidades estão bem maiores. É importante que as pessoas reconheçam os sinais desde o início. Sei que não é uma tarefa fácil, pois nós temos uma capacidade incrível de seguir em frente sem olhar pra dentro de nós e identificar quando as coisas não estão bem, vivendo em modo automático. Isso acontece, principalmente, porque precisamos entregar resultados, pagar contas, cuidar de filhos e da casa, ser mãe, pai, e uma infinidade de tarefas para cumprir.

Diversidade e Inclusão como forma de ajudar a saúde mental das pessoas

As organizações precisam frear esse comportamento de achar que o trabalho exaustivo é sinônimo de dedicação. É imprescindível olhar para cada pessoa como única, abrindo espaço para ela ser quem é com segurança mas que tenha acesso a recursos para identificar suas vulnerabilidades e conseguir ajuda quando precisar. Tais recursos podem fazer parte do pacote de benefícios da empresa. E não adianta disponibilizar plano de saúde, mas implicar com a ida ao médico no horário de trabalho; ter Gympass, mas esperar das pessoas uma jornada das 8h até tarde da noite; ter equipe nutricional, mas marcar reuniões na hora do almoço; enviar comunicados sobre saúde mental, mas ao saber que uma pessoa colaboradora faz terapia, julgar que ela não vai dar conta - e usar isso para não promovê-la.

E por favor, parem de dizer para as pessoas que elas tem síndrome do impostor!
Você se sentir uma impostora ou impostor, não é uma síndrome: isso é resultado dos diferentes mecanismos de exclusão e violências sociais dos quais enfrentamos todos os dias, como o racismo, o machismo, a LGBTfobia, o capacitismo, entre outras violências que machucam e impactam o dia-a-dia de muitas pessoas.

São situações vividas na sociedade e, principalmente, no contexto corporativo. Por isso é importante que a pauta da Diversidade & Inclusão esteja presente na agenda das organizações. Ela apoia a área de gestão de pessoas e as lideranças a entenderem como as microagressões, os vieses inconscientes e outras violências e limitadores afetam a saúde mental e a segurança psicológica no trabalho, com o objetivo de direcionar estratégias, processos e recursos para a promoção do desenvolvimento pleno das pessoas no trabalho. Para isso, as organizações precisam criar uma cultura que promova a saúde mental, garantindo que sua equipe receba apoio e recursos para colaborar com a entrega de valor do negócio..

O primeiro passo é falar sobre o assunto. Infelizmente, a saúde mental ainda é um tabu em nossa sociedade. Precisamos quebrar esse preconceito, criando um espaço seguro e acessível para as pessoas receberem ajuda. Essa coisa de “engolir o choro” precisa acabar.

Quando um indivíduo não expressa seus sentimentos ou mesmo esconde alguma informação sobre ele por medo do julgamento, sempre haverá um impasse para ele impulsionar sua carreira! É por essa e outras razões que as organizações precisam, urgentemente, parar de negligenciar a Diversidade & Inclusão e a saúde mental das pessoas. São temas que estão intimamente ligados e refletem em como as pessoas se comportam e desenvolvem suas carreiras.

Se você é uma liderança e está lendo esse artigo, pode estar se perguntando: por onde começar? Reconhecer que é preciso mudar é o primeiro passo. Depois, conte com a ajuda de profissionais especializados. Eles serão essenciais para iniciar sua jornada no tema de saúde mental, diversidade e inclusão, trazendo à tona as principais dores do negócio e como é possível resolvê-las.

Se dedique a estudar e a se atualizar sempre que possível. Aumente a conscientização do time através de recursos educacionais (cartilhas, palestras, pesquisas, etc…) com o objetivo de apoiar, letrar e compreender a realidade das pessoas. Inclua o bem-estar mental e emocional nos programas de saúde da companhia. Avalie trazer a flexibilidade da jornada de trabalho e a reorganização dos fluxos, veja se a comunicação na empresa é assertiva e inclusiva, inclua canais que proporcionem o acolhimento das pessoas e que sejam confidenciais.

Ah, um lembrete importante: a vida íntima da pessoa colaboradora não é da conta de terceiros! Cuidado ao promover espaços ou momentos que obriguem as pessoas a falarem de seus problemas e dificuldades. Essa demanda deve ser conduzida por profissionais habilitados e em ambiente seguro e sigiloso.

Os exemplos acima são algumas possibilidades! Mas existem inúmeros caminhos para uma empresa que deseja cuidar da saúde mental do time. O mais importante é que o interesse seja verdadeiro. As mudanças só acontecerão quando a saúde mental for tratada como responsabilidade de todos nós.

E aí, já sabe por onde começar? Eu comecei com terapia. Lembre-se que a sua melhor versão na carreira e na vida pessoal será melhor revelada cuidando da saúde mental!


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