Carla Sassi, presidente do GRAD e médica veterinária: “O resgate é apenas uma das etapas do nosso trabalho. A próxima etapa continua nos abrigos e essa fase, se não bem-feita, pode colocar em risco os animais e a saúde pública” (GRAD /Divulgação)
Repórter
Publicado em 10 de junho de 2024 às 16h31.
Última atualização em 10 de junho de 2024 às 16h56.
Mais de 18 mil animais já foram resgatados das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, segundo a Secretaria de Comunicação do estado. Só o Grad (Grupo de Resposta a Animais em Desastres), ONG composta por profissionais voluntários que se mobilizam rapidamente em casos de desastres, junto a SEMA – Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do estado, resgatou 1.200 mil animais de pequeno e grande porte, segundo Carla Sassi, médica veterinária e presidente do GRAD.
“O RS é uma das 60 missões do grupo que se mantêm por meio de doações de pessoas físicas e parcerias com empresas, que cobrem custos de deslocamento, hospedagem, alimentação e materiais necessários para os resgates e tratamentos dos animais”, diz Sassi.
Entre os resgates mais marcantes no Sul, a médica veterinária, destaca dois eventos. Um deles foi o primeiro socorro. A equipe chegou no dia 1º de maio, começando pela cidade de São Sebastião do Caí, que foi uma das mais atingidas pelas enchentes.
“Em um barco com motor, realizei o primeiro resgate na casa do senhor Adriano, junto com mais um médico veterinário e o piloto do barco. Com colete salva-vidas e uma corda amarrada na cintura, pulei na água, que não me dava mais pé, para ajudar a tirar os noves cachorros que estavam aguardando o resgate na parte de cima da casa. Infelizmente, um foi deles foi encontrado sem vida”, diz Sassi.
No dia seguinte, o destino foi a cidade de Canoas, que segundo o governo é a cidade que mais teve animais resgatados: 7.469.
“Começamos a trabalhar em Canoas com a água no joelho e vimos o volume aumentar drasticamente. Tivemos que parar para resgatar um animal que estava se afogando por causa de uma corrente. Esse resgate também me marcou muito, porque vi o tanto de animais que não tiveram a chance de tentar se salvar, porque estavam presos em correntes”, diz a médica veterinária do GRAD.
Os animais resgatados estão sendo levados para um dos 347 abrigos criados no estado. “O resgate é apenas uma das etapas do nosso trabalho. A próxima etapa continua nos abrigos e essa fase, se não bem-feita, pode colocar em risco os animais e a saúde pública”, diz presidente do Grad.
O GRAD foi criado em meio a uma situação de calamidade. Em 2011, o Rio de Janeiro vivenciou a pior catástrofe da sua história. Fortes chuvas causaram deslizamentos e enchentes em sete municípios, resultando mais de 900 mortes no estado. Nesta ocasião, a mineira Carla Sassi, decidiu praticar o que mais amava: o resgate de animais.
“Me formei em Direito, antes da medicina veterinária, mas cuidar de animais sempre foi minha paixão. Durante toda a graduação, até mesmo antes da veterinária, já fazia resgate de animais. E logo que eu formei, aconteceu o desastre da região serrana do Rio de Janeiro”, diz a médica que assim que ficou sabendo da catástrofe foi para o Rio. “Fui na intenção de ficar um final de semana e acabei ficando 29 dias coordenando os trabalhos de resgate em Nova Friburgo.”
Naquele dia, Sassi saiu da missão com a certeza de que resgatar animais era o trabalho da sua vida. “A partir desse episódio começou a nascer o GRAD. Fui atrás de mais profissionais, montamos protocolos e criamos técnicas de resgates e tratamento pós-evento, algo que não tínhamos no país até então”.
Em 2015, o rompimento de barragens em Mariana também contou com a ajuda do Grad e começou a atrair atenção do governo para os cuidados dos animais, afirma Sassi.
“Os órgãos do governo realmente enxergarem os animais nesse cenário de calamidade, porque em Mariana foi um grande desastre ambiental que pegou uma zona rural gigantesca, atingindo um grande número de animais”.
Com a ajuda do Ministério Público de Minas Gerais, Sassi afirma que conseguiu mostrar, por meio do Grad, a importância do resgate, da manutenção e da destinação correta desses animais. “Neste evento em Minas Gerais, o Grad já estava com uma equipe e protocolos mais consolidados”, diz a fundadora.
Hoje o GRAD já soma mais de 60 missões ao longo desses 13 anos, além de 80 membros capacitados, incluindo veterinários, biólogos, engenheiros e outros profissionais, distribuídos em diversos estados brasileiros.
Para realizar o trabalho voluntário no Grad é preciso seguir alguns procedimentos, afirma Sassi, presidente e fundadora da ONG. “Em primeiro lugar está a segurança da equipe. É preciso antes de tudo avaliar as doenças e os riscos que vamos enfrentar e se temos condições para isso, como voluntários vacinados e que sejam treinados para resgates”.
Quando o assunto é a parte técnica, os voluntários precisam, por exemplo, conhecer o melhor jeito para resgatar cada espécie. O Grad chegou a resgatar animais pequenos, como peixes, sapo, lagarto, galinhas e passarinhos; animais domésticos como cães e gatos; e animais grandes como porcos e cavalos.
“Costumamos usar a caixa de transporte para resgatar alguns animais, principalmente os gatos, que são mais assustados. Já as aves precisaram de manta térmica, porque a maioria delas já estavam em estado de hipotermia, além de um protocolo de desintoxicação, uma vez que ingeriram muita sujeira do ambiente. Os cães, por sua vez, precisam receber vacina, principalmente por causa de leptospirose e da cinomose”, diz a presidente do Grad que reforça que os animais mortos ficam sob responsabilidade da prefeitura.
Os animais que foram resgatados com vida são destinados a abrigos, que além de moradia e alimentação oferece tratamentos adequados em que os animais são castrados, vacinados e até microchipados.
“Precisamos melhorar muito a situação nos abrigos do RS, principalmente dos cães. O número foi muito alto e eles estão em pequenas baias”, diz a fundadora do Grad que reforça que o resgate e o cuidado pós-evento têm um impacto significativo na saúde pública, prevenindo não apenas a disseminação de zoonoses (doenças contagiosas entre humanos e animais), mas também o descontrole populacional de cães e gatos.
O trabalho com as famílias também é uma forma do Grad e outras instituições ajudarem a cuidar da saúde dos animais nesta fase pós-resgate. Nesta semana, por exemplo, a equipe do GRAD vai participar de uma ação no estádio do Grêmio para ajudar no atendimento dos animais atingidos pelas enchentes.
“Neste momento, os animais não podem ser uma preocupação a mais para as famílias que já perderam tudo, que estão voltando para casa sem nada. Por isso o objetivo dessa ação é amenizar a preocupação que essas pessoas têm com seus animais e tratá-los com dignidade”.
Assim que acabam a missão no local que está em situação de calamidade, os voluntários do Grad voltam para as suas rotinas, muitas vezes fora do estado. Sassi não tem data para sair do Rio Grande do Sul, mas o seu trabalho de professora na faculdade de Viçosa e a sua família a espera em Minas Gerais. Quanto as doações físicas ou via PIX, a fundadora do Grad afirma que foram destinadas inicialmente para custos com o resgate e agora estão ajudando no tratamento dos animais.
“As doações via PIX ajudam a financiar os custos de deslocamento da equipe, assim como cobre os custos com os cuidados dos animais, como compra de testes de cinomose, microchips, medicamentos e investimento na infraestrutura de abrigos”, diz. “Itens doados como ração, caminhas e outros suprimentos são armazenados em um galpão alugado pelo Grad e distribuídos conforme a necessidade para diferentes locais que precisam de ajuda.”
Para ajudar com o resgate e cuidado dos animais, as doações para o Grad podem ser realizadas por meio do site oficial.
A série de reportagens Negócios em Luta é uma iniciativa da EXAME para dar visibilidade ao empreendedorismo do Rio Grande do Sul num dos momentos mais desafiadores na história do estado. Cerca de 700 mil micro e pequenas empresas gaúchas foram impactadas pelas enchentes que assolaram o estado no mês de maio.
São negócios de todos os setores que, de um dia para o outro, viram a água das chuvas inundar projetos de uma vida inteira. As cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado, de acordo com estimativa da Fiergs, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.
Os textos do Negócios em Luta mostram como os negócios gaúchos foram impactados pela enchente histórica e, mais do que isso, de que forma eles serão uma força vital na reconstrução do Rio Grande do Sul daqui para frente. Tem uma história? Mande para negociosemluta@exame.com.