Reforma nas bases (Ilustrações Pedro Handam)
Da Redação
Publicado em 13 de dezembro de 2013 às 14h01.
São Paulo - Quando Pedro Parente assumiu a presidência da Bunge no Brasil, em 2010, tinha o desafio de construir uma operação mais eficiente no país. Mas, da forma como a companhia estava organizada, nem eficiência nem crescimento seriam alcançados.
Suas duas operações mais antigas, a de fertilizantes e a de alimentos, trabalhavam separadas havia quase um século, e a novata, de açúcar e álcool, ia por caminho semelhante. Cada unidade tinha um presidente, um departamento de finanças, um jurídico, todo o corpo corporativo e as áreas técnicas exclusivas de cada negócio. Em um mercado com margens cada vez mais apertadas, só uma reestruturação organizacional permitiria mais eficiência operacional. Foi o que Bunge fez.
A gigante de commodities não está sozinha. O cenário complexo e de constantes mudanças tem forçado muitas companhias a rever a forma como estão estruturadas. “As organizações estão saindo de uma linha única de negócio e diversificando, seja comprando empresas menores, seja se fundindo com grandes corporações, seja profissionalizando negócios familiares ou ainda internacionalizando suas operações”, diz Ana Karina Dias, sócia da consultoria McKinsey. “Tudo isso exige mudança na linha de reporte.”
Significa que é hora de os executivos pensarem sobre qual é o papel do centro administrativo em uma operação que está se internacionalizando. Cada subsidiária terá poder decisório ou a matriz dará as regras? Cada unidade terá áreas administrativas? Ou um centro de serviços pode atender a todos?
Composições ineficientes, diz a consultora da McKinsey, duplicam as atividades e elevam o custo da operação. “A falta de clareza deixa as pessoas engessadas e perdidas em suas funções. Como não é nítido quem toma decisão do que, a companhia pode ficar paralisada”, diz Ana Karina. Contudo, na busca desse novo modelo de estrutura corporativa, muitas organizações têm fracassado.
Mudança de caixinhas?
Um dos problemas é que as empresas confundem conceitos e, em vez de discutir a “estrutura organizacional”, acabam fazendo apenas “mudanças de caixinhas”. “A estrutura organizacional é algo amplo, que define o que cada um faz, quem fica responsável pelo que e o que pode decidir”, explica Eduardo Vasconcellos, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e especialista no tema.
Já o organograma, aquele conjunto de caixinhas, mostra apenas quem é presidente, diretor e qual área está subordinada a outra — mas omite o que cada um faz, ou quantas pessoas abaixo de cada quadradinho existem. “O organograma é uma figura que representa, no máximo, 20% da estrutura organizacional”, diz Vasconcellos.
Se o RH coloca um representante nas áreas de negócios, por exemplo, isso muda o organograma. Porém, quando um funcionário ganha ou perde autoridade, isso afeta a estrutura, mas não o organograma. Ter um bom organograma não garante uma estrutura eficiente, ao passo que ter uma boa estrutura assegura um bom organograma.
Na visão de César Souza, presidente da consultoria Empreenda, de nada adianta as companhias mexerem na estrutura organizacional ou no organograma, pois elas estarão apenas “tentando aperfeiçoar uma coisa obsoleta”.
Para ele, o organograma é “uma representação gráfica que leva a comportamentos improdutivos, cria feudos dentro da organização e determina como a empresa promove, premia, paga, faz política e interage”. E hoje, ele alega, as corporações precisam menos de feudos e mais de interação e diálogos, de uma composição que dê liberdade para as pessoas pensarem diferente, procurarem outros e se integrarem. Cabe ao RH promover essa transformação.
Há mais de 30 anos, explica o professor Vasconcellos, existia nas companhias uma área chamada organização e métodos, responsável pela estrutura empresarial. “Com a tecnologia, esses processos foram informatizados e a área desapareceu.” Por esse motivo, nos últimos 15 anos tem aumentado o número de empresas que colocam essa responsabilidade à mercê do executivo de recursos humanos.
“O RH não está preparado para isso, mas é a área que mais faz sentido coordenar essa revolução, já que, ao mexer na estrutura, você também mexe com pessoas, salários e motivação”, afirma Eduardo Vasconcellos.
Dança do equilíbrio
A receita para uma boa estrutura? “Não existe”, diz Ana Karina, da McKinsey. Mas o segredo está em alinhá-la à estratégia e à cultura corporativa. Primeiro, os executivos devem discutir a estratégia. Por exemplo: querem ou não diversificar os negócios? Depois, discutem o arquétipo: o comando será por unidade, por processos ou por local de atuação? Por fim, deve-se levar em conta o grau de influência e independência que cada função terá.
Segundo o professor da USP, a IBM, na década de 1990, deu mais autoridade para as subsidiárias locais a fim de agilizar a tomada de decisão nas pontas. As operações ganharam tanto poder que a IBM acabou com diversas áreas duplicadas. “Eles tinham 63 agências de publicidade contratadas no mundo porque cada país contratava a sua”, diz Vasconcellos.
Depois de uma reestruturação, foi criada uma área de comunicação interna e todas as unidades ficaram proibidas de contratar publicidade sem pedir autorização àquela área. Mas o dilema da IBM, como o de todas as companhias, continuou: ao centralizar, a empresa pode perder agilidade nas pontas, porém, ficar com uma estrutura mais eficiente e barata; ao descentralizar, pode ganhar agilidade nas pontas, mas ter uma estrutura duplicada e cara demais. “A grande dificuldade dos executivos é buscar esse equilíbrio”, diz Vasconcellos.
Foi por isso que a Bunge decidiu integrar suas operações. No lugar de um presidente para cada negócio, Pedro Parente assumiu como o líder das atuais quatro unidades da Bunge Brasil: alimentos, agronegócios, açúcar e energia, e fertilizantes (esta última foi vendida em dezembro de 2012).
Também foi criada uma área corporativa (dividida em assuntos governamentais, finanças e gente e gestão) para prestar serviço às demais. Cada unidade, bem como as três áreas do centro de serviço, é comandada por um vice-presidente, seguido pelo diretor e gerente. “A área de gente e gestão tem um parceiro de negócios em cada uma das unidades, e qualquer mudança de cargo ou aumento da estrutura deve ser discutido com o corporativo”, explica Andrea Marquez Fontes, vice-presidente de gente e gestão da empresa.
Com isso, ela tenta manter a estrutura controlada e evita a criação de cargos como gerente 1, 2 e 3 — o que, segundo os consultores do Instituto Pieron, serve apenas para dar ao funcionário a falsa sensação de movimentação na carreira e acaba desgastando a estrutura empresarial com o tempo. Como a companhia é grande (tem 23 000 funcionários e está em 150 locais no Brasil), foi criado um comitê executivo, liderado por Parente, para fazer as deliberações. “A gente tem uma visão geral da empresa”, diz a executiva.
O mesmo aconteceu na EcoRodovias. Nascida em 1997, com a ambição de ser uma fornecedora completa de infraestrutura e logística, a empresa mantinha um diretor e áreas de suporte para cada uma das 22 unidades de negócio espalhadas pelo país. “As áreas eram duplicadas em todas as unidades do grupo”, diz Edson Camargo Vieira, diretor de RH da companhia.
Algumas chegaram a ter mais de 1 000 funcionários, quando poderiam ter a metade. Em 2004, a companhia redesenhou sua estrutura e cada uma de suas unidades trocou o diretor administrativo pela figura do diretor, que passou a se reportar ao vice-presidente e ao CEO do grupo. Foi criado também um centro de serviços compartilhados, pelo qual presta trabalhos financeiros, administrativos, de controladorias, RH e planejamento para as 22 unidades, de forma centralizada— o que trouxe vantagens para todas as áreas, inclusive para o RH.
Nessa área, além de o executivo ter uma visão total do negócio e conseguir planejar melhor o futuro em termos de mão de obra, também ganha na execução das práticas. “Agora, fazemos apenas uma pesquisa de clima e temos um sistema de folha de pagamento”, diz Vieira. Outra vantagem é na hora de dialogar com os fornecedores. “Uma coisa é uma unidade contratar o plano de saúde para 1 000 vidas, outra é o grupo EcoRodovias negociar para os seus 7 000 funcionários”, afirma o diretor de RH.
Para medir se a estrutura funciona, Vieira aproveita os indicadores da pesquisa do Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar.
Todo ano, ele quantifica o número de funcionários e líderes por empresa listada no Guia e compara com a média da EcoRodovias. “A média das organizações com até 6 000 funcionários entre as 150 do Guia em 2012 foi de 12,11%, e nossa realidade é de 7,32%”, diz Vieira.
O que significa que, no geral, as companhias têm mais líderes por empregado. Estar abaixo da média de mercado pode indicar dois cenários: uma estrutura enxuta e eficiente ou sobrecarga de trabalho. Por esse motivo, Vieira olha outros indicadores, como o da pesquisa de clima, saúde, absenteísmo e afastamentos, e observa se há comprometimento da função, como atraso no fluxo ou nas entregas para alguma área. Tudo para identificar os níveis de cansaço e estresse do pessoal. Até agora, ele diz, a estrutura tem suportado o crescimento da empresa.
Mudar de fato
Segundo os executivos da Bunge e da EcoRodovias, mudar a estrutura organizacional não é tão difícil. “Mudar é fácil”, diz Andrea Marquez, da Bunge. “Mudar de fato é o complicado.” O grande trabalho não está no redesenho de funções, mas na transformação das pessoas. E isso só vai acontecer se houver uma mudança cultural.
A gestão cultural, muitas vezes deixada pelas empresas para terceiro plano, faz com que a revisão da estrutura não ocorra. E cabe à liderança apoiar esse movimento, especialmente o presidente. “Para falar de estrutura corporativa, temos de falar de estratégia dos negócios — e de valores e crenças”, diz Andrea, da Bunge.