Termos como “Lazy Job”, “Quiet Ambition” e agora “Rage Applying” circulam no TikTok, testemunhando uma geração que está rejeitando promoções e combatendo tradições do trabalho em nome do bem-estar (John M Lund Photography Inc/Getty Images)
Repórter
Publicado em 7 de junho de 2024 às 08h45.
Última atualização em 8 de junho de 2024 às 12h12.
As demissões voluntárias voltaram a crescer no Brasil. Segundo estudo da FGV-Ibre o pedido de demissões atingiu o maior nível em abril deste ano, em comparação com o mesmo período de 2020, somando 734.943 demissões a pedido do trabalhador brasileiro.
Por trás da insatisfação está uma porção de fatores: mercado de trabalho mais aquecido (a taxa de desemprego ao redor de 7% está no menor nível em uma década) e novas carreiras em inteligência artificial estão entre eles.
Há ainda quem veja um traço geracional: os trabalhadores mais jovens têm menos paciência para funções entediantes ou escritórios onde a convivência está longe de atender as suas expectativas.
Uma tendência que reflete essa insatisfação é o “Rage Applying”, ou seja, o comportamento de procurar outro emprego “só de raiva”. A expressão foi dita por um tiktoker canadense em 2023, chamado @redweez, que trabalhava com marketing digital e desde então, o termo tem ganhado força, especialmente entre a geração Z, afirma Lucas Fraga, professor e head de estratégia da BALT, hub de pesquisa, tendências e estratégia da ESPM.
“Termos como “Lazy Job”, “Quiet Ambition” e agora “Rage Applying” circulam no TikTok, testemunhando uma geração que está rejeitando promoções e combatendo tradições do trabalho em nome do bem-estar”, afirma o publicitário que também é mestre e doutorando em Comunicação e Práticas de Consumo na ESPM. “Ao contrário do "quiet quitting", que significa resignação silenciosa, o "Rage Applying" envolve um confronto mais direto com a insatisfação no trabalho.”
Seguir prospectando vagas enquanto está se empregado não começou com a Geração Z, afirma Fraga. “O fato é que agora isso não se daria por uma decisão mais fria de estar atento a eventuais oportunidades, mas sim à raiva, um sentimento que leva a ações e decisões rápidas”.
Segundo a agência Robert Walters, mais de 60% dos funcionários em Portugal fizeram “Rage Applying” em 2023. Destes, 16% afirmam que o principal motivo foi um desentendimento com um chefe e 15% que foi uma carga extra de trabalho.
Nos Estados Unidos, 90% dos trabalhadores afirmam praticar o “Rage Applying, segundo estudo da Bold deste ano. Quase metade (47%) considera deixar o emprego toda a semana. A principal razão (88%) apontada é o esgotamento.
No Brasil, o principal motivo dos pedidos de demissão, segundo a FGV-Ibre, estão admissões em outros postos de trabalho formais com melhores oportunidades e migração para trabalhos com jornadas mais flexíveis, como por exemplo, empreender seu próprio negócio ou trabalho home office.
Para Ana Catarina Holtz, head de pesquisa da BALT, além desses fatores, a Geração Z percebeu que a ideia de sucesso no trabalho como identidade é uma falácia, e ao mesmo tempo, enfrentam uma pressão crescente para trabalhar mais, gerando um ambiente de insatisfação e confronto.
“Enquanto os Millennials se inspiravam nos empreendedores do Vale do Silício, em ícones que exaltavam que o trabalho duro faria você ‘chegar lá’, a Geração Z percebeu que este discurso não era tão simples assim”, diz Holtz. “Os bilionários deixaram de ser figuras aspiracionais para se tornarem símbolos de uma promessa falsa, afinal a tecnologia trouxe muitas oportunidades e muita competitividade”.
O desafio para as áreas de recursos humanos é, antes de tudo, lidar com as emoções dos trabalhadores. As pessoas estão cada vez mais propensas a emoções e sensações extremas. Mas enquanto o caldeirão de emoções parece prestes a explodir ou levar a escapismos, o trabalho continua sendo um ambiente onde certas emoções não são bem-vindas, afirma Fraga.
“Mudar esse cenário é um dos maiores desafios para as marcas. Sem doses de empatia, será mais difícil atrair, reter e engajar os jovens funcionários”.
Nos Estados Unidos, segundo a Bold, 87% dos trabalhadores relataram ter “explosões” no trabalho nos últimos seis meses devido ao esgotamento, incluindo gritar com colegas (28%), sair mais cedo (28%), ameaçar deixar o emprego (27%) e chorar (18%).
No Brasil 77% dos trabalhadores brasileiros se afirmam não engajados (59% se consideram não engajados e 18% estão ativamente desengajados) com o trabalho e 51% procura um novo emprego, de acordo com estudo da Gallup de 2023.Enquanto há empresas que formam ambientes mais controladores, outras geram um ambiente de trabalho que faça sentido para os funcionários. A Patagônia, marca californiana de roupas para atividades ao ar livre, por exemplo, foi apontada como uma das empresas estadunidenses de mais baixo turnover do mundo.
Enquanto a taxa média de rotatividade nos Estados Unidos é de 57%, a da Patagônia é de 4%. O segredo para manter os funcionários animados parece ser a flexibilidade, sendo oferecidos quinze opções diferentes de expedientes para as equipes dos armazéns.
“O pessoal de escritório trabalha 9 horas por dia, com um fim de semana de três dias a cada duas semanas. Na Patagônia também é comum reter as mulheres, oferecendo creche no local de trabalho e políticas para pagamento de despesas da mãe, do bebê e de uma babá, sempre que uma funcionária precise ir a uma viagem ou ir a um evento de negócios”, diz Fraga.
No Brasil, a Nestlé criou o “#MenteEmFoco”, um projeto que busca trazer a saúde mental para a pauta de decisões, oferecendo suporte e acolhimento aos funcionários, diz Fraga. “Dentre as ações, o projeto incluiria a disponibilidade de profissionais de referência para orientação e manejo de crises e treinamentos de gestores”.
Quando o assunto é a atração da Geração Z, empresas como Bimbo e Benefit Brasil têm investido, ainda, em programas específicos. A Benefit, por exemplo, passou a anunciar processos seletivos via Tik Tok, o que por si só já demonstra um interesse em atrair os zoomers. Além disso, as vagas são anunciadas por jovens funcionários, que explicam como funcionam os processos seletivos e comentam como é trabalhar na empresa, gerando mais identificação e mais entusiasmo junto aos candidatos.
“O objetivo dos zoomers é trabalhar com propósito, mas com limites bem definidos de segunda a sexta. É menos sobre passar horas trabalhando e mais sobre encontrar um trabalho que o permite a buscar por sentido em outros campos da vida, como na religiosidade, na família e na saúde física e emocional”.