Carreira

Pesquisadoras que são mães de família têm mais a perder com a pandemia

A pandemia tem sido brutal para mães trabalhadoras. A perda de produtividade por causa das responsabilidades com cuidados infantis pode influir na carreira

Fachada do campus da Northwestern University, nos Estados Unidos: mais tempo para acadêmicas apresentarem seus projetos de pesquisa em virtude do acúmulo de afazeres domésticos por causa da pandemia (Olivia Obineme/The New York Times)

Fachada do campus da Northwestern University, nos Estados Unidos: mais tempo para acadêmicas apresentarem seus projetos de pesquisa em virtude do acúmulo de afazeres domésticos por causa da pandemia (Olivia Obineme/The New York Times)

LB

Leo Branco

Publicado em 13 de outubro de 2020 às 09h26.

Última atualização em 13 de outubro de 2020 às 22h45.

Como milhões de pais, Kimberly Marion Suiseeya, professora de Ciência Política na Universidade Northwestern, viu sua vida profissional ser interrompida quando a escola de sua filha de oito anos fechou em março. Mais tarde, desanimou totalmente ao saber que as escolas locais não reabririam nos próximos meses.

Mas a dra. Marion Suiseeya enfrentava uma fonte adicional de estresse: sua iminente avaliação de efetivação, que pode determinar se ela terá uma posição vitalícia na Northwestern ou se precisará encontrar um novo emprego. "Este ano seria fundamental para finalizar meu trabalho de efetivação. Vou para o computador e tento ser produtiva, mas a cada cinco minutos minha filha entra e diz: 'Meu link no Zoom não está funcionando'", disse.

A pandemia tem sido brutal para muitas mães trabalhadoras, especialmente aquelas com poucas vantagens no trabalho. Especialistas dizem que pode ser especialmente implacável para as mães nos empregos em que os trabalhadores enfrentam uma única decisão de promoção do tipo tudo ou nada. A perda de meses de produtividade por causa das responsabilidades adicionais com os cuidados infantis, que recaem mais fortemente sobre as mulheres, pode influir indefinidamente na carreira.

carreira_mulheres_mercado_trabalho_nyt_2

Susan Pearson, professora de história na Northwestern University: força-tarefa de acadêmicas para pressionar a universidade sobre o cuidado com filhos durante a pandemia (Olivia Obineme/The New York Times)

"Será que isso vai afetar desproporcionalmente as advogadas, as contadoras, aquelas em vários cargos em finanças, gestão, universidade, todas essas posições de caráter tudo ou nada? Eu diria que sim", declarou Claudia Goldin, historiadora econômica de Harvard que estuda mulheres no mercado de trabalho.

A angústia tem sido especialmente evidente em alguns campi universitários, que tendem a ser um solo mais fértil para o ativismo do que outros locais de trabalho.

Na Northwestern, centenas de docentes do sexo feminino pressionaram a universidade para aliviar a crise da pandemia, mas com sucesso limitado. "O presente é insustentável", afirmou Susan Pearson, professora de História efetivada da Northwestern que ajudou a reunir colegas para conseguir um acordo.

Pearson, que é divorciada e a cuidadora primária de seus dois filhos, comentou que a paternidade era muitas vezes vista em ambientes acadêmicos como uma escolha pessoal, e não uma obrigação social – "como se você escolhesse viver a duas horas de distância do trabalho; a universidade não deveria ter de se importar com isso".

A Northwestern, como outras universidades, inicialmente respondeu à pandemia pausando os chamados relógios de efetivação de membros do corpo docente júnior, dando-lhes um ano extra para publicar trabalhos acadêmicos que os ajudassem a ganhar a promoção.

Mas pesquisas já mostraram que a pausa nesse processo é uma política imperfeita. De acordo com um estudo sobre essas decisões em departamentos de economia, publicado em 2018, os homens tinham muito mais chance de garantir o cargo em seu primeiro emprego depois que a universidade permitia uma extensão de prazo para novos pais de ambos os sexos, mas as mulheres eram menos propensas a garantir a efetivação do que antes da mudança de política.

A razão, segundo Jenna Stearns, economista da Universidade da Califórnia, em Davis, e coautora do artigo, é que os homens parecem dedicar uma parte maior do ano adicional à pesquisa acadêmica, enquanto as mulheres parecem gastar mais tempo gerenciando obrigações parentais.

Há provas de que a pandemia está tendo um efeito semelhante, com a divisão de gênero em novos trabalhos acadêmicos tendendo mais para os homens nos últimos meses.

Várias mulheres do corpo docente da Northwestern declararam duvidar que o tempo adicional oferecido para a consideração da efetivação no cargo compensaria o impacto da pandemia em seu trabalho.

A dra. Marion Suiseeya, que está concluindo um livro que considera fundamental para suas perspectivas de efetivação – sobre as injustiças enfrentadas pelas pessoas que vivem em florestas –, estima que estava a dois meses de terminar o manuscrito em março, mas que levará pelo menos mais quatro meses para terminá-lo agora.

Ela disse que não passava mais de duas horas por dia no projeto, contra as três ou quatro que passaria em um momento normal, e que a qualidade dessas horas de trabalho havia diminuído significativamente: "Estou literalmente trabalhando em um armário. Minha filha tem percepções diferentes. Ela acha que tudo que faço é trabalhar. Mas trabalho muito menos."

A dra. Marion Suiseeya pretende concorrer na primeira metade do ano que vem, como planejado originalmente, porque o estresse de um livro inacabado é muito difícil para sua família e ela não quer prolongá-lo, mas não tem certeza de que estará pronta.

No lugar de uma extensão, ela acredita que seriam preferíveis subsídios adicionais para cuidados infantis e um processo de avaliação com mais nuances e menos peso sobre o fato de seu livro ter sido ou não publicado.

Magdalena Osburn, professora de Geobiologia na Northwestern, dividiu seus dias em turnos de duas horas com o marido, um colega cientista de pesquisa, quando a creche de seu filho fechou em março. "Com uma criança de quatro anos, há interrupções mesmo quando é sua hora de trabalhar. A mamãe sabe onde tudo está. Nada pode prosseguir sem a permissão da mamãe", explicou.

Osburn, que apresentou seu material de efetivação este mês, contou que havia baixado suas horas de trabalho diário para três ou quatro depois da chegada da pandemia, gastando grande parte do tempo em descobrir como ministrar um curso de laboratório on-line. Embora a creche de seu filho tenha reaberto em julho, sua produção tinha sido ainda mais prejudicada por meses de acesso não confiável ao laboratório para ela e seus alunos.

Ela disse que, no período do inverno boreal, terá de ministrar dois cursos on-line que exigirão novamente uma preparação considerável, e algum alívio em suas obrigações de ensino teria sido muito mais útil do que atrasar a decisão de efetivação: "Não preciso de uma extensão de tempo. Preciso do reconhecimento de que este ano está perdido."

Outras professoras da Northwestern que buscavam a efetivação ecoaram essas mesmas preocupações, como mostrou uma pesquisa com cerca de 200 docentes do sexo feminino feita por um grupo do campus. A pesquisa também destacou que outras obrigações no local de trabalho, como aconselhar estudantes que lutam contra o estresse emocional, tendem a recair desproporcionalmente sobre as mulheres.

carreira_mulheres_mercado_trabalho_nyt_3.jpg

Kimberly Marion Suiseeya, professora na Universidade Northwestern, nos Estados Unidos: vida profissional interrompida quando a escola de sua filha de oito anos fechou em março (Olivia Obineme/The New York Times)

"Além da pandemia, há os protestos e tudo que está acontecendo com o Black Lives Matter. Os alunos queriam ter tempo para falar sobre o que está acontecendo, como isso os está impactando como indivíduos, porque sabem que esse é meu campo de estudo, e por causa da minha identidade", considerou Sylvia Perry, professora assistente de Psicologia que ministra um curso sobre preconceito e estereótipos.

Perry, que é negra, observou que uma flexibilidade adicional em sua agenda de ensino seria "extremamente útil".

Até agora, no entanto, a Northwestern ofereceu aos membros do corpo docente poucas políticas além da extensão do prazo para a efetivação – basicamente, uma taxa subsidiada de até dez dias de cuidados com as crianças. Embora tenha anunciado apoio a arranjos alternativos de trabalho, como compartilhar responsabilidades de ensino, os membros do corpo docente devem consultar seus supervisores sobre essas opções – e muitos professores iniciantes são cautelosos em fazê-lo, por medo de ser rotulados de preguiçosos.

Em uma entrevista, Kathleen Hagerty, reitora da universidade, garantiu que sempre houve conflitos entre políticas temporárias, como a extensão do prazo, que ela admitiu que pode ter efeitos injustos, e opções mais personalizadas, que colocam o ônus da organização sobre os funcionários.

"Essa é a contradição", disse ela, acrescentando que geralmente favorecia a última abordagem. "A política da universidade é a máxima flexibilidade. É uma ordem que vem de cima: ser o mais flexível possível, o mais empático possível."

Os membros do corpo docente afirmam ter ficado decepcionados por não haver mais planejamento para a possibilidade de que escolas e creches não reabram nos próximos meses – ou mais sensibilidade aos desafios.

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

De 0 a 10 quanto você recomendaria Exame para um amigo ou parente?

 

Clicando em um dos números acima e finalizando sua avaliação você nos ajudará a melhorar ainda mais.

Acompanhe tudo sobre:Dicas de carreiraFaculdades e universidadesMulheresMulheres executivasPandemiaThe New York Times

Mais de Carreira

Como usar a técnica de Myers-Briggs Type Indicator (MBTI) para melhorar o desempenho profissional

Escala 6x1, 12x36, 4x3: quais são os 10 regimes de trabalho mais comuns no Brasil

Ele trabalha remoto e ganha acima da média nacional: conheça o profissional mais cobiçado do mercado

Não é apenas em TI: falta de talentos qualificados faz salários de até R$ 96 mil ficarem sem dono