O período sabático parece ser um costume deste século, mas é uma prática milenar. Há três mil anos, já existiam indícios do “Shmita”, prática encontrada na Torá, livro judeu, que indicava que os trabalhadores rurais dessem um descanso de um ano para a terra, após 6 anos de produção (Poike/Getty Images)
Repórter
Publicado em 19 de setembro de 2023 às 14h14.
Última atualização em 19 de setembro de 2023 às 14h15.
O período sabático parece ser um costume deste século, mas é uma prática milenar. Há três mil anos, já existiam indícios do “Shmita”, prática encontrada na Torá, livro judeu, que indicava que os trabalhadores rurais dessem um descanso de um ano para a terra, após 6 anos de produção. “Assim como o sábado é um dia importante para descanso na tradição cristã e judaica, o Período Sabático parte da mesma premissa. Essa tradição judaica ainda existe e a pausa mais recente ocorreu entre 2021 e 2022,” afirma Iara Vilela, jornalista especializada em viagens.
Além da origem do período sabático, a jornalista Vilela, junto com seu marido Eberson Terra, autor e LinkedIn Top Voice, lançam nesta quarta-feira, 20 de setembro, o livro “Sabático: o poder da pausa”, em que o casal compartilha a experiência que tiveram com o “gap year”.
Em entrevista à EXAME, o casal compartilhou cinco dicas para quem tem dúvidas, mas ao mesmo tempo vontade, para viver esse período de pausa que exige renúncia, autoconhecimento e sobretudo planejamento.
Para o casal, não existe idade ou profissão para pensar no período sabático, e sim propósito. Há vários motivos que podem estimular uma pessoa a tirar um tempo do trabalho, seja por saúde mental, seja por questões de estudos ou até transição de carreira.
“É preciso conhecer o propósito para a pausa. Não necessariamente a pessoa vai parar a vida para viajar o mundo, esse pode ser um dos motivos, mas não necessariamente é o único,” afirma Vilela.
O que motivou o período sabático do casal foi além da vontade de viajar: a saúde mental estava sendo impactada devido aos trabalhos da época.
Eberson foi executivo por 12 anos de uma grande empresa de educação, saiu do trabalho em uma situação de quase burnout e encontrou na corrida e no período sabático o escape para recuperar a saúde e a qualidade de vida. Como jornalista, Iara passou por redações de afiliadas de uma grande emissora brasileira e hoje é dona do perfil Viajando Aprendi.
“Após ter quase burnout, eu me encontrei na corrida, que me ajudou que eu permanecesse na empresa por mais um tempo – tempo suficiente para que eu me planejasse para sair,” dizTerra.
O início da escrita do livro conciliou com o período da grande renúncia que começou nos EUA e chegou no Brasil também, afirmou Terra. “Percebemos naquela época, no qual passávamos também pela pandemia, que o tema saúde mental interessava a muitas pessoas, por isso dedicamos muitas páginas do livro a esse tema.”
Apesar da saúde mental ter sido o principal estímulo, Eberson e Iara se planejaram para fazer muitas viagens durante o período sabático. O casal conheceu 13 países em um tour de um ano pela Europa, entre março de 2018 a agosto de 2019.
“Planejamos o nosso período sabático dividido entre viagens na Europa e um período em casa. Hoje trabalhamos home office e o sucesso veio desse planejamento,” diz Terra.
Além da história do descanso da terra após 6 anos de cultivo, outra história interessante que exemplifica bem o período sabático, porém no mundo corporativo e de ensino, é a história do filósofo Charles Lenman que fez uma proposta ousada para os anos 80: ele aceitou um cargo na Universidade de Harvard desde que a cada seis anos trabalhados, ele pudesse ter um ano de licença remunerada.
“A ideia desse professor era que ele precisava de um tempo para se atualizar em sua área de atuação e de que esse período viraria prática nas universidades americanas. Em 1950, a IBM lançou um programa de pausa que está ativo até hoje,” diz a jornalista.
Como estudar demanda investimento de tempo também, muitas pessoas, seja no início, durante ou pós carreira podem ser motivadas a tirar um tempo para se dedicar a um estudo - e isso também se enquadra como período sabático.
Os estudantes costumam apostar mais nesse tema, principalmente da região europeia, afirma Vivela.
“Dizem que o gap year na juventude surgiu após a Segunda Guerra para que novos cidadãos conhecessem outras culturas visitando países vizinhos para evitar confrontos no futuro, mas não há uma comprovação de que esse acontecimento realmente virou um padrão cultural.”
Na década de 80 outra ideia de período sabático ganhou força nos EUA quando um professor chamado Cornelius Bull identificou a necessidade dos jovens de terem um tempo focado em seus crescimentos individuais antes de ingressarem na faculdade.
“Sabe aquele limbo entre terminar o Ensino Médio e entrar para a faculdade? Então, a ideia era que os jovens aproveitassem esse período para viajar ou desenvolvesse habilidade práticas,” diz Terra.
O casal também usou o primeiro mês do período sabático para estudar outra língua. A experiência foi na República Tcheca, onde estudaram inglês em Praga, após essa experiência, seguiram o roteiro de viagens turísticas.
Um período sabático pode ser estimulado por outros motivos além do estudo e viagens, como trabalho voluntário e peregrinação espiritual, afirma Vilela.
“A maioria das pessoas pensam que período sabático é só viagens, mas tem gente que vai achar sentido parar o trabalho atual para fazer um trabalho voluntário, peregrinações espirituais, um curso profissionalizante que vai permitir uma transição de carreira, entre outros fatores.”
O importante é que seja uma experiência em que você se dá a chance de fazer coisas que saem da sua realidade, seja porque sua realidade não te agrada mais ou porque você quer fazer algo diferente ou até precisa dar atenção à família, afirma Vilela.
O prefaciador do livro, Mauro Segura, ex-executivo da IBM, tirou um período sabático após perder a esposa devido a um câncer. Ele buscou de reencontrar com uma pausa do trabalho, só que veio a pandemia e ele teve que fazer o sabático dentro da casa dele. “Por meio dessa experiência que ele me contou algo que vale muito compartilhar – que o período sabático é na verdade uma viagem para dentro de você,” diz Terra.
O Brasil por ter uma desigualdade social, acaba não tendo muito essa cultura de período sabático, principalmente após os estudos.
“O quanto você tem disponível para tirar o período sabático? Você precisa abordar tudo, inclusive os luxos que você não abrirá mão, já que você não terá mais a mesma receita. Pode ser desde dormir no chão, mas não abre mão de um banho quente, mas é importante definir o que te faz satisfeito e feliz dentro das suas condições,” diz Vilela.
Fazer um rascunho real do que você quer fazer e pesquisar o custo de vida para onde você quer ir é fundamental para viver um período sabático de sucesso. Só com planejamento financeiro que você terá ideia do tempo que você poderá ficar fora no mercado, diz Terra.
“Há um grande perigo das pessoas se frustrarem durante o período sabático por não terem um controle financeiro. No livro, listamos três sites, por exemplo, que tem informações de custo de vida das 200 maiores cidades do mundo, até o preço do cafezinho.”
Traçar os destinos e o tempo que pretende fazer o período sabático é importante para definir os custos e as experiências, mas o casal reforça que o período sabático não precisa ser só de um ano. Depende muitos das condições e motivações de cada pessoa.
“Não existe idade ou áreas, mas sim um propósito. Veja quanto tempo o seu objetivo exige você ficar fora do mercado e se planeje financeiramente para isso,” diz Vilela.
Ter tempo livre pode ser bom, mas se não for bem aproveitado pode trazer experiências ruins.
“Assusta um pouco quando você sai nos primeiros dias do período sabático e você não sabe o que fazer com o seu tempo livre,” diz Terra.
O “estar livre” remete muito ao tema do ócio criativo, trazido pelo sociólogo italiano Domenico De Mais, e que também foi abordado no livro, segundo Terra.
“De Mais já previa em seu livro lançado em 2002 que o homem não precisaria mais trabalhar sob as condições do tradicionais, como 8 horas por dias no escritório ou fábrica,” diz Terra.
Trazendo para o dia de hoje, a tecnologia e o home office forçado pela pandemia, trouxeram um apoio fundamental para que a produção continue acontecendo, enquanto a maioria dos profissionais tenham mais tempo para usufruir (se desejarem) do ócio criativo, ou seja, tenham mais espaço para pensar e serem criativos, afirma Terra.
Toda escolha tem uma renúncia, e no caso do período sabático não é diferente. A partir do momento que você faz uma pausa na carreira, alguns riscos podem acontecer, como não retomar para o estágio em que você estava, afirma Terra.
“Se você não se planeja, você não consegue retomar a carreira no mesmo estágio que você estava. Sem planejamento, muitas vezes vai ter que voltar e entrar em um emprego pior para pagar as contas que chegam todo o mês. Por isso é muito importante planejamento financeiro na volta.”
Além do status da carreira, o padrão de vida poderá ser comprometido e isso precisa ser considerado para não gerar frustação, afirma Vivela, que também reforça que é preciso aproveitar o período sabático para se autoconhecer e traçar novos objetivos para seguir a vida sem frustações:
“Durante o período sabático tivemos também dias ruins, principalmente quando voltamos. Eu não sabia como recomeçar, não sabia o que eu estava fazendo com a minha vida. Definir meus objetivos, meu novo padrão de vida e saber o que eu não queria mais foi importante para eu seguir sem frustrações.”
Como se adaptar ao novo mundo? Essa é a grande pergunta que muitos costumam fazer após um período sabático, segundo Terra.
“A gente se sente diferente, mas as pessoas ao nosso redor continuam sendo as mesmas. Então, como se adaptar ao mundo que não cabe mais você? Essa talvez seja a justificativa que eu não voltei para o mundo corporativo. Eu era diretor e cheguei a liderar 2500 pessoas no Brasil. Porém, após esse período de reflexão, não me encaixei mais nesse mundo.”
O executivo afirma que o período sabático não pode ser uma fuga, porque quando você retorna, os problemas continuam no mesmo lugar. “Esse período precisa ser usado para uma reflexão, em que você tenta entender o mundo e como você quer enfrentá-lo após esse período.”
A certeza que se tem com um período off é a mudança. A jornalista Vilela apesar de querer e buscar por essa mudança, se assustou quando retornou à realidade. Eles alugaram a casa onde moravam, venderam muitas coisas, e os itens pessoas encaixotaram e colocam no depósito.
“Ao voltar para o Brasil, alugamos uma nova casa e fomos buscar as malas e todos os pertences que estocamos para viajar. Ao abrir as minhas malas, as roupas não faziam mais sentido para mim. Doei 80% do que eu tinha, não porque virei minimalista, mas sim porque elas não me comunicavam mais.”
O planejamento novamente retorna neste ponto como a principal dica do casal.
“É muito importante se planejar financeiramente para a voltar, afinal, haverá um tempo para você se recolocar no mercado. Além disso, é importante continuar fazendo networking e o LinkedIn pode ser uma das ferramentas,” afirma Terra.
Como casal, Vilela comentar que reprogramaram a vida para viver com menos, mais com menos estresse.
“Percebemos que para onde a gente estávamos indo como casal antes do sabático, era um destino que não queríamos mais, não nos fazia mais felizes. Houve uma mudança conjunta, assim como renúncias. E hoje mais do que gostamos do que fazer, sobretudo, sabemos o que não queremos para a nossa vida pessoal e profissional.”
Hoje Eberson Terra é consultor de empresas, faz o horário dele, e está investindo na carreira de escritor de ficção.
Iara Vilela, continua como jornalista, agora freelancer, e escreve sobre turismo.