Soraya Bahde, gerente de gestão de pessoas da Multiplus: desafio de criar uma cultura num mercado ainda sem concorrentes (Omar Paixão)
Da Redação
Publicado em 2 de dezembro de 2013 às 09h36.
São Paulo - Quando o engenheiro Anderson Nielson chegou à Chaordic, startup catarinense especializada em sistemas de recomendação de produtos para quem faz compras em lojas virtuais, a empresa mal tinha completado seu primeiro ano de vida formal.
Era 2011 e seus fundadores, João Bernatt e João Bosco, ainda contavam com uma equipe de não mais que uma dezena de pessoas para colocar de pé a ideia que vinham desenvolvendo desde que participaram de um concurso promovido pela locadora virtual de filmes Netflix.
O desafio proposto pela americana era grande: dos 40 000 competidores inscritos, levaria um prêmio de 1 milhão de dólares a equipe que conseguisse desenvolver um sistema de recomendação 10% mais eficiente do que o já adotado pela empresa.
A bolada acabou ficando com outra turma, mas a base de algoritmos desenvolvida por Bernatt, Bosco e outros pesquisadores — que melhorava em 6% o desempenho do sistema da Netflix — lhes renderia a melhor colocação na América Latina e um plano de negócios que logo se transformaria em uma empresa de verdade.
“Eles tinham uma boa ideia, um produto de qualidade e a chance de ampliar as operações, mas para isso precisavam focar no negócio — e não na contratação de gente”, diz Nielson. Foi exatamente para isso que o engenheiro foi convocado. Seria dele a função de montar e dirigir uma área de gestão de pessoas na Chaordic.
A empresa catarinense é uma das cerca de 10 000 startups existentes no Brasil, segundo dados levantados pela Associação Brasileira de Startups (ABStartup). E é mais uma do crescente número delas que começou a pensar, praticamente desde seu nascimento, em estruturar uma área de recursos humanos — com direito a gestor específico e tudo.
“Até pouco tempo atrás, o mais comum era que empresas nascentes se preocupassem em encontrar rapidamente uma pessoa para cuidar do dinheiro e outra para tocar as operações, um CFO e um COO”, diz Paulo Mendes, sócio da consultoria 2GET, especializada no recrutamento de executivos para posições de liderança. “Mais recentemente, começou a demanda pelo profissional de RH. Sua presença já está sendo considerada desde o início.”
A razão é simples: diante da generalizada falta de mão de obra qualificada — o que é ainda mais notório em companhias com forte base tecnológica, como é o caso das startups —, empresa nenhuma pode se dar ao luxo de selecionar mal ou perder gente boa para o mercado. Ter alguém experiente e focado em gestão de pessoas, portanto, tornou-se nada menos do que uma necessidade para as novatas.
“Esse aumento da profissionalização das operações é especialmente verdade nas empresas que recebem investimentos”, avalia Mario Almeida, diretor-fundador da ABStartup.
E não são poucas as startups que estão ganhando injeções de caixa: no ano passado, os chamados investimentos de capital de risco totalizaram 8,3 bilhões de dólares no Brasil, quase o dobro de 2011, segundo um levantamento da Thomson Reuters.
“Investidores como fundos de private equity trazem governança para as empresas e querem ver seu dinheiro crescer. É por isso que startups que recebem aportes de milhões de reais costumam correr atrás de profissionais de gestão de pessoas, já que a equipe é um ativo importantíssimo para elas”, diz Almeida.
O perfil do RH
As startups não buscam, no entanto, um líder de RH genérico. Esse tipo de operação exige um profissional diferente do que se costuma encontrar nas empresas já estabelecidas. Espera-se que ele absorva o mesmo espírito empreendedor que move os fundadores. Que tenha a agilidade e a flexibilidade que diferenciam as empresas novatas.
Que aprenda sobre o negócio. Que “venda” a empresa a quem pretende atrair para seus quadros. E, principalmente, que consiga fazer muito com pouco. “Startups patinam por bastante tempo e têm uma restrição de recursos, tanto financeiros quanto humanos”, diz Almeida, da ABStartup.
Para conquistar gente boa, nem sempre os salários conseguem ser suficientemente atraentes. Muitas vezes, o líder de RH precisa ser também criativo e inventar outras formas de atração. A Chaordic, por exemplo, investiu num ambiente mais informal. Quem quiser pode trabalhar de chinelo, pantufa e até descalço. Lá não há locais totalmente fechados.
No mesmo lugar onde as pessoas trabalham há uma geladeira recheada de cerveja e uma mesa de sinuca. “É muito mais fácil dar feedback a um funcionário quando há intimidade entre as pessoas, e é a descontração que permite que essa intimidade aconteça”, diz Nielson. O feedback, aliás, está entre as mais importantes políticas de gestão de pessoas na Chaordic.
Para evitar a insegurança que costuma acometer os novos funcionários, a empresa passou a realizar reuniões constantes de avaliação e retorno — são seis só nos primeiros 90 dias de trabalho, e mais duas por ano daí para a frente. Não é pouco trabalho para quem, em um ano e meio de empresa, contratou mais de 50 pessoas. Até o fim de 2013 a Chaordic deve completar a primeira centena de funcionários.
Do básico ao estratégico
Outro desafio que se impõe aos profissionais de recursos humanos em startups é começar a organizar a estrutura da área normalmente a partir do zero. E isso significa passar um tempo razoável cuidando apenas de coisas operacionais.
Quando chegou à Baby.com.br, loja virtual voltada para pais, mães e gestantes, Nayara Kastelic praticamente teve de ensinar aos outros gestores qual era seu papel ali. “Para fazer as contratações, os coordenadores de equipe tinham uma lista de documentos para pedir aos candidatos e só.
Cada um oferecia o salário que considerava adequado e as transferências de pessoas entre as equipes não eram formalmente comunicadas”, diz. Seu trabalho na empresa, que ainda não completou nem o segundo ano de vida, começou por colocar “ordem na casa”. Só agora, depois de um ano na companhia — que tem a apresentadora Angélica como investidora —, Nayara está conseguindo se dedicar a atividades mais estratégicas, como realizar uma pesquisa de clima.
“Dar início a um departamento de gestão de pessoas em uma startup é como montar uma míni startup”, diz Andrezza Prestes, gerente de gestão de gente na Mobly, empresa de e-commerce focada no segmento de móveis, decoração e acessórios para casa.
Criada em 2011, a Mobly alcançou 400 funcionários e um faturamento de 180 milhões de reais em menos de um ano e meio. Até poder começar uma atuação mais estratégica, no entanto, Andrezza se preocupou em azeitar a base: tomou pé da situação da empresa e estruturou processos internos básicos, como o fluxo de pagamentos.
Só então foi possível definir sistemas de seleção, pacotes de metas e bonificações e até criar um programa de trainees. “Startups, pela sua própria natureza, costumam carecer de processos”, diz Andrezza. “E isso é justamente o que há de mais gratificante: cada nova iniciativa, cada detalhe que acrescentamos a nosso planejamento de ações fazem uma diferença enorme.”
O ineditismo das atividades de uma startup, que impede o uso de referências de outros modelos de gestão de pessoas já consolidados, costuma ser mais uma dificuldade para os profissionais de RH.
“Quando a empresa abriu as portas, não sabíamos nem que remuneração oferecer. Não tínhamos concorrentes”, diz Soraya Bahde, gerente de gestão de pessoas da Multiplus, rede de empresas e programas de fidelização desmembrada da companhia aérea TAM em 2010.
Uma de suas primeiras missões foi entender como a empresa funcionaria por conta própria, que áreas e cargos demandaria, quais habilidades e conhecimentos necessários os candidatos às vagas deveriam apresentar e onde encontrar gente com esse perfil. Só depois disso tudo foi possível mapear o mercado e construir uma estratégia salarial competitiva.
Durante seu primeiro ano na empresa, Soraya se voltou basicamente a buscar o alinhamento entre as expectativas da direção da empresa e as políticas que sua área pretendia adotar.
“Fizemos reflexões sobre cultura organizacional. Foi importante determinar os elementos que gostaríamos de importar da empresa-mãe da Multiplus, a TAM, e o que achávamos necessário mudar.” Logo concluíram que duas características fundamentais precisavam ser incutidas rapidamente no DNA da nova empresa: a informalidade e o reconhecimento constante por bons resultados. Estabelecer esses dois pontos como traços da personalidade da Multiplus foi uma forma de cativar os funcionários, dos quais 70% são jovens entre 20 e 30 anos.
Para assumir esse tipo de trabalho, portanto, é preciso estar disposto a fazer de tudo um pouco, de forma acelerada, e gostar de correr riscos. “Há um certo glamour permeando a atividade empreendedora, mas a verdade é que nas empresas nascentes o trabalho de gestão de pessoas depende das tentativas e dos erros”, diz Mendes, da 2GET.
Enfrentar o desafio, no entanto, pode valer a pena. Atualmente, segundo Mendes, já são oferecidos para executivos de RH pacotes de remuneração muito próximos dos recebidos por profissionais da área financeira, por exemplo. “Isso permite que os jovens passem a ver a atividade com outros olhos”, afirma.