Carreira

Os velhos e novos desafios dos professores para o futuro do trabalho

Você acredita que a carreira de professor é valorizada no Brasil? A diretora executiva do Instituto Península explica como mudar esse cenário

ENSINO SUPERIOR: MEC anuncia que número de vagas no Sistema de Seleção Unificada é recorde para o 2º semestre (PeopleImages/Getty Images)

ENSINO SUPERIOR: MEC anuncia que número de vagas no Sistema de Seleção Unificada é recorde para o 2º semestre (PeopleImages/Getty Images)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 15 de outubro de 2019 às 11h16.

Última atualização em 15 de outubro de 2019 às 16h17.

São Paulo - Diante da evolução tecnológica e as incertezas do futuro do trabalho, uma coisa é certa: todos terão que aprender novas habilidades.

Apenas nos próximos três anos, uma pesquisa da IBM indica que mais de 120 milhões de profissionais terão que reciclar seus conhecimentos por causa da inteligência artificial entrando no mercado.

Seja para competências técnicas ou comportamentais, uma profissão parece central para o futuro de todas as outras carreiras: o professor.

No entanto, 49% dos professores não recomendariam a profissão para um jovem, segundo a pesquisa Profissão Professor da organização Todos pela Educação. A desvalorização, má remuneração e rotina desgastante foram as principais razões negativas que influenciaram a resposta.

“O ciclo inteiro da profissão precisa ser revisto para que os melhores alunos tenham interesse em virar professores. A carreira precisa ficar no patamar das profissões mais valorizadas, como um médico ou um advogado. Afinal, ambos foram formados por um professor”, comenta a diretora executiva do Instituto Península, Heloisa Morel.

A missão da organização é a formação de professor na educação básica e colaborar com a mudança de qualidade da educação no Brasil. Para auxiliar na missão, eles realizaram um levantamento para descobrir os principais desafios dos professores brasileiros e soluções para a profissão do futuro, o Observatório do Professor.

De acordo com os relatores de professores, eles sentem que estão sozinhos, sem espaço para diálogo, impotentes, imersos em ambientes de conflito e sem preparo para lidar com a realidade dos alunos.

Uma melhora na formação dos educadores e maior envolvimento deles nas decisões de políticas públicas são soluções apontadas nos dados do Instituto Península e da Todos pela Educação.

Essa é uma tendência que aparece também em relatório do Google for Education com a revista The Economist sobre a educação no século 21. O texto aponta que não apenas a qualidade de didática do professor é essencial, mas a autonomia em sala de aula e o amparo do ambiente escolar.

“Profissões que vão ser substituídas são aquelas mais padronizadas, repetitivas e processuais. O trabalho do professor é o desenvolvimento humano e precisamos resgatar isso. Ao longo dos últimos anos, a profissão ficou mais mecânica, mas não basta dar ferramentas novas e conteúdo, temos que olhar o carácter humano”, fala a diretora.

Assim como em outras profissões, o professor também precisa ficar atento para novas tendências no uso de tecnologia para entender as demandas que elas trazem para dentro da sala de aula.

Com toda informação do mundo disponível em seus celulares, a percepção pode ser de que os alunos sabem mais que os professores agora, tanto sobre o conteúdo quanto sobre tecnologia. Para a diretora, o papel do professor agora deve ser de mediador dessas informações, usando a tecnologia a serviço da aprendizagem.

“O aluno precisa ser parte do processo, não apenas um ser passivo. A tecnologia pode ajudar o ensino a ser mais colaborativo. O professor precisará unir ciência e arte na sala de aula, fazer a integração do conhecimento e didática”, fala ela.

No Brasil, Heloisa Morel aponta que a valorização da profissão para o futuro vai além da simples integração de tecnologia na sala de aula. E as demandas de reestruturação da carreira são antigas.

A especialista aponta que falta aos educadores brasileiros um guia de diretrizes e práticas comuns para sua formação, o chamado marco referencial do docente. Assim como competências socioemocionais ganharam destaque no mundo corporativo, ela acha importante que os professores tenham um conjunto de competências que possam usar na sua formação.

Em uma sociedade mais complexa, as demandas e questões que os alunos trazem para a sala de aula se tornam mais complexos. Uma das maiores reclamações dos docentes é a falta de preparo e amparo para resolver problemas relacionais em sala.

“O documento, o marco referencial, ajuda a dar um fio condutor na formação de todos os professores, dando autonomia para guiar seu próprio aprendizado e descobrir onde ele precisa de reforço”, fala a diretora.

Segundo ela, um documento estabelecendo padrões de excelência para os educadores traria também soluções para o problema de remuneração, melhorando os critérios para a progressão de carreira e mérito no trabalho. Entre os participantes do levantamento da Todos pela Educação, com professores da rede privada e pública municipal e estadual, a remuneração média varia entre R$ 4.325,99 e R$ 4.916,81.

Quase um terço dos professores entrevistados afirmou que realizam alguma atividade para complementar sua renda, sendo que 71% responderam que são responsável pela renda domiciliar.

Outro ponto importante para a atratividade da carreira é a rotina do professor. Para a diretora, é importante deixar de pensar na profissão como apenas uma atividade intelectual, que apenas transmite conteúdo, para olhar o profissional integralmente, levando em conta sua saúde física e mental. Depressão, burnout e síndrome do pânico são motivos comuns para o afastamentos de profissionais na área.

A diretora comenta que cuidados mentais e físicos são brechas na formação dos profissionais. A falta de voz, por exemplo, é outra causa comum de absenteísmo, mas os docentes não são ensinados sobre as melhores práticas vocais, como acontece com atores profissionais.

“A falta de preparo nesses aspectos acaba isolando os professores. Eles se sentem mais confortáveis para tirar uma dúvida de conteúdo com seus pares do que para compartilhar um caso de violência em sala. Eles acreditam que vão ser julgados. Para isso, é importante resgatar a comunidade escolar, o vínculo entre os colegas de profissão na mesma escola”, diz ela.

Professores que trabalham em uma única escola têm mais chance de criar vínculo, conversar com os colegas e conseguir uma intervenção do diretor da escola em casos preocupantes

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