Carreira

O próximo "nem-nem" pode ser você

Saiba o que acontece com os milhões de brasileiros em idade ativa que não trabalham nem estudam e entenda por que essa situação pode ocorrer com você

Segundo o IBGE 69% dos “nem-nem” são mulheres e 57% delas têm pelo menos um filho — o que é, aliás, o principal motivo para a saída dessas profissionais do mercado.  (©AFP/Arquivo / Loic Venance)

Segundo o IBGE 69% dos “nem-nem” são mulheres e 57% delas têm pelo menos um filho — o que é, aliás, o principal motivo para a saída dessas profissionais do mercado. (©AFP/Arquivo / Loic Venance)

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Da Redação

Publicado em 9 de janeiro de 2015 às 05h00.

Juliana Thaís Paes, de 19 anos, está sem trabalhar oficialmente desde outubro, quando foi demitida do cargo de recepcionista de uma concessionária em sua cidade natal, São José dos Campos, no interior de São Paulo. De lá para cá, já enviou o currículo para mais de 100 lugares. “Ainda não apareceu nenhum trabalho que valha a pena”, diz Juliana.

Enquanto procura uma nova vaga, ela mora com os pais e sua rotina se resume a fazer fisioterapia em decorrência de uma tendinite, ir à igreja e ajudar a família nos afazeres domésticos. Juliana integra o grupo de 9,9 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos que nem trabalham nem estudam — por isso, são chamados de “nem-nem”.

A proporção é ainda maior na faixa dos 18 aos 24 anos, em que um em cada quatro jovens não está no mercado nem estuda (24%) — um aumento em relação ao censo de 2000, quando esse grupo representava 18,2% da população nessa idade. A explicação para esse crescimento estaria basicamente no aumento de renda da população brasileira, o que permitiu a esses jovens se dar ao luxo de adiar tanto a saída da casa dos pais quanto a entrada no mercado de trabalho. 

Observado de perto, entretanto, o grupo dos “nem-nem” é bem mais heterogêneo do que se imagina. Segundo o IBGE, 69% dos “nem-nem” são mulheres e 57% delas têm pelo menos um filho — o que é, aliás, o principal motivo para a saída dessas profissionais do mercado.

O alto custo das creches e pré-escolas e a falta de vagas em instituições públicas são as principais razões para haver tantas mulheres nesse grupo. Só na cidade de São Paulo, a lista de espera do sistema público de educação tem mais de 110 000 crianças cadastradas. 

Uma das possíveis razões para o aumento do número de pessoas fora da população ocupada é a situação atual do mercado, em que o número de postos de trabalho com carteira assinada, em outubro, diminuiu pela primeira vez desde 1999. Foram mais de 30 000 vagas fechadas. O valor real dos salários também vem caindo.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o ganho acima da inflação no ano passado foi de 1,5 ponto percentual, ante 2,5 pontos em 2013. “Como as empresas dizem que não estão contratando, as pessoas deixam de procurar emprego”, diz Adalberto Cardoso, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor do estudo Juventude, Trabalho e Desenvolvimento: Elementos para uma Agenda de Investigação. 

É essa situação que dá origem ao chamado “desemprego por desalento”, caracterizado por pessoas que estão sem trabalho e deixaram de procurar durante, pelo menos, um mês, por desestímulo do mercado. Há ainda os que não buscam colocação porque não querem ou têm outros planos.

Considerando todas as faixas etárias, há 61 milhões de pessoas no Brasil que não trabalham, não procuram emprego e, em sua maioria, não estudam. Ainda que a maior parte dos “nem-nem” seja formada por profissionais com pouca qualificação, existe uma parcela do grupo constituída por gente que, em tese, teria facilidade para encontrar um novo emprego.

Um dos que se viram nessa situação é o administrador de empresas Samuel Bonette, de 27 anos, que mora em Porto Alegre. Em maio de 2014, ele perdeu o cargo de gerente em uma empresa de marketing que foi transferida para São Paulo. Desde então, enviou currículos, acionou seu network e chegou a fazer algumas entrevistas, mas acabou decidindo que este seria o momento para uma transição de carreira. “Sempre quis ser empreendedor e percebi que esta é minha chance”, diz.

Ele mora com a mulher, que trabalha e estuda, e tem se mantido até agora com a ajuda dela, com a reserva que fazia para emergências e com o valor que recebeu da rescisão do contrato e do seguro-desemprego. Enquanto isso, Samuel investe seu tempo na formulação de um site, que espera colocar no ar ainda em 2015. “Metade dos meus amigos está mais ou menos na mesma fase de mudanças que eu”, diz Samuel.

Casos como esse revelam que o rótulo de “nem-nem” pode ser temporário. “Não diria que essas pessoas que não estão estudando nem trabalhando vão ficar assim para sempre”, diz Ana Lucia Saboia, pesquisadora social e ex-coordenadora da Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE. “Essa situação, de se tornar um ‘nem-nem’, pode acontecer com qualquer um em algum momento da vida.”

“Nem-nem” maduros

Uma faixa da população em que o número de “nem-nem” mais cresce é dos 50 aos 69 anos. De acordo com o levantamento O Que Estão Fazendo os Homens Maduros Que Não Trabalham, Não Procuram Trabalho e Não São Aposentados?, de Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 1992, 4,2% dos homens nessa faixa etária eram “nem-nem”.

Vinte anos mais tarde, esse número quase dobrou, chegando a 7,9%. No mesmo período, a proporção de mulheres nessa situação, apesar de bem maior, diminuiu de 23,4% para 18,8%. 

Para Ana Amélia, algumas hipóteses explicam essa mudança. A primeira é que, como a maioria desses homens tem baixa escolaridade, depende da força física para trabalhar. Com o envelhecimento da população, teria aumentado a quantidade de homens que saem do mercado por causa da idade.

Outra hipótese diz respeito à maior dificuldade de adaptação dessa população às novas tecnologias. “E ainda há um preconceito contra trabalhadores mais velhos, porque eles faltam mais vezes por problemas de saúde”, diz Ana Amélia. 

Entre os profissionais mais qualificados desse grupo, pode haver uma dificuldade em conseguir uma posição de igual prestígio e remuneração, o que pode mantê-los fora do mercado.

Segundo José Augusto Minarelli, da empresa de recolocação Lens e Minarelli, de São Paulo, os profissionais que ele atende, em sua maioria com idade entre 45 e 55 anos, demoram de seis meses a um ano para encontrar um novo emprego.

Muitas vezes, esses executivos preferem não aceitar qualquer proposta, o que pode ser a coisa certa a ser feita, desde que a pessoa tenha se preparado. “É importante ter fôlego emocional e financeiro para ficar nessa situação”, diz José Augusto. 

Foram essas as duas preocupações da administradora de empresas Débora Dado, de 46 anos, há um ano e três meses sem trabalhar. A executiva, de São Paulo, tinha um cargo de direção em uma empresa de cartões de benefícios.

Quando o presidente da empresa saiu, ela foi avisada de que haveria a possibilidade de desligamento, já que ocupava uma posição estratégica. “Fiz um planejamento para ter dinheiro suficiente para me manter entre 14 e 18 meses”, diz Débora, que aproveitou o período de afastamento do trabalho para ficar mais próxima do filho, do marido, fazer trabalhos voluntários, viajar e até participar das reuniões de seu condomínio. “Não tinha tempo para isso antes”, afirma. 

De volta à ativa

Se o número de “nem-nem” só tem crescido nos últimos anos, essa tendência pode estar prestes a se inverter em 2015. A previsão de crescimento tímido para a economia — o PIB não deverá aumentar mais do que 1%, segundo previsão do FMI — deverá afetar a geração de empregos e até provocar cortes em alguns setores.

E a inflação crescente vai reduzir o poder de compra dos salários, apertando o orçamento familiar. Com o apoio doméstico prejudicado, quem estiver parado deverá voltar a se mexer. “O cenário econômico deste ano deverá pressionar os ‘nem-nem’ a retornar ao mercado”, diz Adalberto Cardoso, da Uerj.

Isso significa que, em um ano de possível escassez na oferta de empregos, mais gente competirá pelas mesmas vagas. “Isso, provavelmente, vai forçar a taxa de desemprego para cima.”

Maria Carolina Ferreira-Sae, de 32 anos, de Campinas, no interior de São Paulo, é uma das que deverão retornar ao mercado em 2015. Professora concursada da Unicamp, ela deixou as salas de aula em 2011 para se dedicar ao filho, Mateus, hoje com 3 anos, porque ele começou a adoecer repetidas vezes. “Não foi fácil para mim tomar essa decisão, mas senti que ele precisava de mim”, diz Maria Carolina.

Nesse período de afastamento, o marido segurou as contas da casa. Há um ano e meio, entretanto, nasceu a segunda filha, Beatriz, que também começará a frequentar a escolinha neste ano. Com as mensalidades pesando no orçamento, Maria Carolina planeja voltar ao trabalho nos próximos meses, assim que a caçula completar 2 anos. “Nunca foi uma escolha permanente”, afirma.

Para quem não está trabalhando ou corre o risco de ficar sem emprego em 2015, José Augusto Minarelli alerta: “É preciso dedicar-se ao trabalho de procurar trabalho”. Para isso, ele sugere três providências básicas.

A primeira é assumir para sua rede de relacionamentos a busca por uma nova colocação e informar que tipo de posição deseja. A segunda é fazer uma reserva de dinheiro. “Com o mercado meio parado, muitos profissionais, de todos os níveis e empresas, aceitam um trabalho menos desafiador só para continuar recebendo”, diz José Augusto.

A terceira dica é voltar a estudar e buscar qualificação, como fará Juliana, a ex-recepcionista do começo desta reportagem. Ela planeja fazer um curso técnico de química, conseguir um estágio e, com o dinheiro, pagar uma faculdade de engenharia química. “Não vou ficar nesta situação para sempre, mas tenho consciência de que preciso me qualificar mais para conseguir um cargo melhor”, diz Juliana. Em 2015, os “nem-nem” vão à luta. 

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