Roselinde Torres, do BCG: para desenvolver líderes é preciso tirá-los de sua zona de conforto e explorar mais a experiência (André Valentim)
Da Redação
Publicado em 28 de novembro de 2013 às 18h01.
São Paulo - O problema foi observado em setembro do ano passado numa pesquisa do The Boston Consulting Group (BCG) sobre criação de vantagem competitiva por meio de pessoas. Das empresas participantes, 56% disseram não ter talentos para posições críticas de liderança. O diagnóstico da consultora americana Roselinde Torres, sócia do BCG responsável pela área de liderança, é claro: os departamentos de recursos humanos insistem em treinamentos e práticas focados num modelo mental do século 20.
“Há uma grande incompatibilidade entre a forma como os líderes são desenvolvidos, avaliados e recompensados e o que o mundo exige deles para irem adiante”, diz Roselinde. Para entender o tipo de liderança necessário hoje, a consultora conduziu um estudo com os principais executivos de RH de 35 empresas multinacionais, lançado no fim de 2010.
No estudo, foram observadas mudanças no ambiente de negócios, como maior imprevisibilidade, rápido fluxo de informações e mais stakeholders influenciando as empresas, o que exigiu a definição de novas competências para os líderes do século 21.
O modelo proposto é de uma liderança adaptável, que deve ser desenvolvida basicamente por meio de experiências. Durante uma visita ao Brasil, em maio, Roselinde Torres falou à VOCÊ RH sobre esse novo modelo, sobre o papel do RH no desenvolvimento da liderança e sobre as inconsistências dos treinamentos nas empresas.
Considerando o modelo mental do século 21, o que precisa ser modificado nas lideranças?
Roselinde Torres - Por um lado, há características perenes de liderança, que continuam valendo, como ter visão, inteligência, bom julgamento, impulso para o sucesso, integridade e ética. Mas, quando olhamos o que vai diferenciar os líderes do século 21, observamos que há quatro atitudes hoje essenciais, que são dimensões de uma liderança adaptável: navegar, liderar com empatia, aprender com autocorreção e criar soluções ganha-ganha.
O que são essas competências da liderança adaptável?
Roselinde Torres - A navegação é a capacidade da pessoa de ficar aberta a tendências e forças externas que podem influenciar a empresa, para entendê-las e traduzi-las em ações. Já a empatia é a habilidade de se colocar no lugar do outro e influenciá-lo por meio de reputação e autenticidade, e não pela autoridade do cargo.
Para o líder ter credibilidade dos múltiplos stakeholders que existem hoje, ele tem de fazer com que essas pessoas sintam que ele compreende o seu mundo e que a empresa oferece algo que satisfaz um propósito deles. A dimensão de aprender pela autocorreção é a possibilidade de a pessoa mudar práticas ou modelos de negócios em função de novas tendências, mesmo quando esses modelos já tiveram sucesso um dia.
E, por fim, a ideia de pensar sempre no ganha-ganha se torna necessária porque os stakeholders influenciam a capacidade da empresa de crescer. Então, o líder deve ter uma proposta de valor que traga ganhos para a organização, mas também para esses agentes.
Qual o papel do RH no desenvolvimento dessa nova liderança?
Roselinde Torres - Um bom RH tem de alinhar os vários motivadores que influenciam o comportamento e o pensamento de um líder de forma a desenvolver pessoas para o presente e para o futuro, e não para o passado. Isso significa que, primeiro, o RH deve ter um critério consistente de liderança do século 21 para identificar os líderes, e depois criar experiências de desenvolvimento, rotatividade de carreira, avaliação de desempenho, engajamento e mecanismos de retenção.
O papel do RH é atuar como um maestro, certificando-se de que todos os instrumentos estejam em harmonia, o que inclui garantir que o CEO e a equipe de liderança também entendam esses motivadores. Se o CEO estiver fora do tom, os profissionais de RH não podem simplesmente lavar suas mãos. Os melhores líderes de RH encontram formas de aconselhar o CEO.
E as áreas de RH estão desenvolvendo bem a liderança do século 21?
Roselinde Torres - Olhando a forma como eles avaliam, desenvolvem e recompensam seus líderes, a maioria ainda tem programas baseados no mundo do século 20. E o mundo agora é diferente. Alguns empregos desapareceram, a demanda por transparência é maior e o ambiente é cheio de incertezas.
Num outro estudo que fizemos, 56% das empresas disseram ter falta de talentos para posições críticas de liderança. Parte disso é consequência dos investimentos aplicados em atividades que não serviram para preparar pessoas.
Como resultado, essas empresas não têm líderes suficientes para crescer em países como China, Índia e Brasil. E também não tiveram tantos avanços em termos de diversidade, apesar dos esforços. Acredito que há uma grande incompatibilidade entre a forma como os líderes são desenvolvidos, avaliados e recompensados e o que o mundo exige deles para irem adiante. As empresas se concentraram em enviar pessoas para cursos e treinamentos em salas de aula. Hoje, a questão é ter experiências.
Falta incluir experimentação nos programas de desenvolvimento?
Roselinde Torres - Sim, o desenvolvimento de líderes tem de explorar mais as experiências, a exposição das pessoas a múltiplos feedback, tirá-las da zonas de conforto e também fazê-las aplicar o que aprendem. Uma das companhias que participaram do nosso estudo tem uma prática interessante, a de colocar os líderes de alto potencial em imersão numa aldeia rural da Índia.
A empresa pede que eles desenvolvam um projeto para a aldeia de forma que precisem morar com os aldeãos para entender o mundo da perspectiva deles. Assim, desenvolvem empatia, já que muitos jovens cresceram em áreas mais privilegiadas e com alto nível de educação.
Muitas companhias investem alto em cursos formais de liderança. Quanto vale o investimento?
Roselinde Torres - Há sempre espaço para aulas, mas é fundamental ter uma experiência que permita praticar a liderança em temas do cotidiano, em vez de ir a cursos em que nem todo mundo consegue apreender os conceitos. Se a área de RH tem um orçamento limitado para desenvolvimento, sugiro investir o dinheiro em programas que deem às pessoas tarefas no lugar do treinamento clássico.
O coaching hoje é uma febre. Como a senhora avalia essa ferramenta de desenvolvimento?
Roselinde Torres - Há um tipo de coaching no qual vejo mais fracasso que é aquele voltado para o contexto de negócios, quando se busca entender os assuntos em que a pessoa trabalha para definir sua atuação.
Há muitos coaches que simplesmente não entendem o que está ocorrendo no universo do executivo. Tenho um exemplo de um cliente que teve um coach para ajudá-lo com um tema específico. O coach lhe disse para fazer A, B e C, mas, quando esse profissional tentou fazer o que foi sugerido, não deu certo.
Isso porque A, B e C não tinham nada a ver com as expectativas dos subordinados do executivo. Se o coach tivesse procurado antes as pessoas para entender o que elas esperavam do líder, a conversa seria diferente, e não uma orientação genérica. Acredito em coaching, mas acho que tem de ser feito no contexto da pessoa orientada. Outra ferramenta de desenvolvimento que é limitada por não levar em conta o contexto do líder é o feedback de 360 graus.
Por que o feedback de 360 graus é limitado?
Roselinde Torres - Em nenhum lugar da avaliação está esclarecido o contexto em que a pessoa atuou, o que ela fez e com quem. Um líder que teve de fazer uma reviravolta num negócio e demitiu pessoas vai ter pontos negativos. Já um líder que sempre teve a mesma equipe, numa área em que todo mundo está confortável, sempre terá avaliações positivas. Mas esse não é, necessariamente, um bom líder.
Quais são os principais erros dos líderes?
Roselinde Torres - Há cinco possíveis explicações para o fracasso de CEOs. Uma é o estabelecimento de uma estratégia grandiosa que não é possível executar. Outra pode ser a má escolha de líderes ou a demora para achar as pessoas certas. Uma terceira é a implementação de mais mudanças do que a organização pode digerir. A quarta é o ponto cego do CEO, quando ele ou ela tem uma limitação que desconhece e deixa de complementar sua função com alguém na equipe.
E a quinta seria a ocorrência de um evento não previsto no mercado, mas que, se a empresa fizesse a “navegação”, consideraria provável. De forma mais prática, o que os líderes fazem de errado é não gastar tempo nas coisas importantes. Sempre pergunto a líderes quais são suas prioridades e depois peço que mostrem suas agendas. O que vejo é que, geralmente, as tarefas primordiais e o tempo disponível para elas não batem.
Por que líderes insistem no erro de não destinar mais tempo para tarefas prioritárias?
Roselinde Torres - Eles gastam muito tempo com burocracias ou encontros de rotina. Tenho um cliente que começou o ano com 150 dias tomados por algum evento rotineiro. Uma pergunta a se fazer é: vale fazer revisões corriqueiras das finanças quando uma unidade vai bem ou seria melhor usar esse tempo para pensar junto com os líderes do negócio por que ela vai bem e ver que ideias eles têm para continuar prosperando? Outro exemplo é quando você passa a semana toda em reuniões internas.
Não seria bom incluir algum encontro com stakeholders de fora? Vejo que CEOs novos tendem a entrar na rotina de encontros de seus antecessores, sem considerar se ela é boa. Temos muito cuidado sobre como alocar ativos, especialmente os financeiros. Mas, quando o tema é o nosso tempo, que é um ativo precioso, não gastamos de forma eficaz.
Líderes deveriam reavaliar sua agenda todo trimestre e pensar em deixar uma parte dela reservada para algo fora de sua zona de conforto. Isso garante que eles se exponham a outras ideias e pessoas, mantendo-os humildes e em aprendizado constante.