Carreira

O desafio de substituir um líder admirado

Pior do que substituir um bom líder, é ter de ocupar o lugar de uma pessoa adorada na companhia

Daniel Salton, presidente da Salton: de uma hora para a outra, teve de suceder o primo, Ângelo Salton Neto, que transformou a pequena vinícola em uma referência nacional (Eduardo Benin / VOCÊ RH)

Daniel Salton, presidente da Salton: de uma hora para a outra, teve de suceder o primo, Ângelo Salton Neto, que transformou a pequena vinícola em uma referência nacional (Eduardo Benin / VOCÊ RH)

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Da Redação

Publicado em 5 de março de 2015 às 06h00.

São Paulo - Assunto tratado de forma sigilosa no Grupo Silvio Santos, a sucessão do apresentador do SBT foi um dos tópicos abordados por Renata Abravanel em uma entrevista à revista CONTIGO! no fim do ano passado. Sem dar muitos detalhes, a caçula de 29 anos comentou que seu pai é seu mentor e que tem observado o líder na forma de conduzir a empresa.

Ainda que haja outras cinco herdeiras no jogo de poder, Renata, que já é vice-presidente do grupo, é a indicada como provável sucessora do comando de todo o império construído ao longo de 56 anos. Sendo ela, ou sua irmã Patrícia, que comanda uma atração na emissora, ou ainda um terceiro desconhecido, o que o mercado quer saber é se o escolhido vai conseguir, de fato, substituir um ícone.

Diferentemente de um processo estritamente profissional, a sucessão familiar — e que envolve pessoas extremamente carismáticas — costuma ser muito mais delicada. “Além da capacitação técnica, o sucessor, nesse caso, precisa ser aceito. As pessoas o admiram? Ele tem o apoio da família? São perguntas a ser feitas”, diz Mary Nicoliello, diretora especialista em empresas familiares da PricewaterhouseCoopers (PwC).

E é aqui que o mundo das celebridades se iguala ao mundo corporativo. Presidentes ícones — à la Silvio Santos — estão sendo substituídos o tempo todo, seja por aposentadoria planejada, seja pela necessidade do negócio, seja até mesmo por uma fatalidade.

Nesses casos, a pressão sob o sucessor aumenta e, se ele não tiver jogo de cintura, o risco de escorregar é enorme e do negócio ir para o buraco, também. Tudo isso se torna ainda mais dramático e penoso quando não há um plano sucessório formalizado — realidade de quase 90% das empresas familiares brasileiras, segundo a Pesquisa Global sobre Empresas Familiares de 2014, da PwC.

O gaúcho Daniel Salton, de 60 anos, atual presidente da vinícola de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, que leva seu sobrenome, sentiu na pele os efeitos de não ter um programa de sucessão estruturado e precisar, de uma hora para a outra, suceder o primo, Ângelo Salton Neto, um líder carismático que, em 30 anos, transformou a pequena vinícola em uma referência brasileira no segmento.

Responsável pelo projeto de expansão da companhia, Ângelo conseguiu dobrar o faturamento em menos de dez anos — de 91 milhões de reais, em 2001, para 180 milhões de reais, em 2008. Em fevereiro de 2009, faleceu, vítima de um infarto. Após a notícia, o pânico na empresa foi geral. “Escutávamos comentários negativos de que, sem o Ângelo, a empresa iria acabar”, diz Daniel Salton.

Não acabou, mas sofreu para achar o caminho. Sem um programa de sucessão desenhado e sem nenhum familiar na lista de espera pelo “trono”, o grupo ficou quatro meses sob o comando provisório de Antônio Agostinho Salton, diretor-superintendente. Depois de muita discussão e reuniões com o conselho diretivo, chegou-se ao nome de Daniel, na época diretor comercial.

“Quando ele faleceu, foi um estresse. Não tínhamos um plano, uma estratégia ou alguém preparado para assumir”, diz o atual presidente. Focado em continuar o trabalho de expansão da marca iniciado por Ângelo, Daniel investiu na profissionalização dos processos internos e, em pouco tempo, conseguiu elevar o faturamento de 207,7 milhões de reais, em 2009, para 255 milhões, em 2011.

Ponto importantíssimo a seu favor. “O sucessor tem de mostrar resultado em pouco tempo para gerar confiança no time”, diz Neuza Maria Dias Chaves, sênior advisor da Falconi Consultores de Resultado.

Daniel Salton tinha feito o primeiro gol, mas faltava ainda convencer a torcida de que era capaz de substituir à altura o artilheiro. Estava iniciada a temporada de comparações — fase que todo sucessor de um ícone precisa ultrapassar. Reservado e tímido, Daniel estava longe de atingir a popularidade de seu primo, conhecido por ser extremamente comunicativo e muito extrovertido.

Seu acerto, contudo, foi manter-se fiel a seu estilo e não tentar imitar o antecessor. “O sucessor tem de respeitar os valores do fundador e o legado da empresa, mas os caminhos serão outros porque o contexto é diferente e a pessoa no comando, por mais afinidade que tenha com o sucedido, tem um estilo próprio”, afirma Neuza.

Foi assim que, passados os anos e colhendo bons resultados, o burburinho em torno das mudanças promovidas pelo novo presidente foi se acalmando. Hoje, a companhia já considera a transição um capítulo do passado, o que não significa ter sepultado o assunto. Segundo Daniel, em 2014, a empresa já começou a desenhar um programa de sucessão para que a próxima geração não tenha de assumir tudo no susto.

A hora do adeus

A troca do “ícone” pode ser traumática não só para quem fica mas também para quem deixa a cadeira. “A questão da sucessão está diretamente ligada à morte, não necessariamente a física, mas a de um ciclo de vida. Por isso, é um processo delicado”, explica Mary Nicoliello, da PwC.

Ao evitar pensar no assunto, no entanto, as companhias estão arriscando a vida do próprio negócio. Segundo a pesquisa da PwC, com raros exemplos de sucessões bem conduzidas, apenas 24% das empresas familiares brasileiras chegam à terceira geração.

Para evitar o mesmo destino trágico, em 2002, Miguel Krigsner, fundador do Grupo Boticário, decidiu dar o exemplo para seus franqueados e iniciar formalmente o processo da passagem de bastão. “Como a franquia é um negócio com perfil familiar, os dilemas acabam sendo os mesmos que os nossos, guardadas as devidas proporções”, afirma o empresário.

A ideia era mostrar que trabalhar a transição de poder é fundamental e não implica um final dramático. “Sempre parece algo negativo, como se o sucedido estivesse sendo obrigado a sair e vestir um pijama para passar o resto dos dias em casa”, diz Artur Grynbaum, atual presidente do grupo e cunhado de Miguel.

Artur começou a ser preparado para substituir Miguel em fevereiro de 2002, quando assumiu a vice-presidência operacional do grupo. Naquela época, a empresa ainda não contava com um plano de sucessão formal nem com o suporte da área de gestão de pessoas — dois fatores que mudaram após essa experiência.

Para Artur, o desafio maior foi cumprir as expectativas e provar que, apesar de não ser um clone do fundador, tem capacidade de conduzir a organização por um bom caminho. Como era a primeira troca de presidência do Boticário, o profissional ainda teve de lidar com o peso de substituir aquele que, para todos, era o símbolo da companhia.

Afinal, tratava-se de ficar no lugar do líder que, com seu jeito simples de tratar as pessoas e fazer negócios, transformou uma pequena farmácia de manipulação em Curitiba, no Paraná, em uma das maiores redes de franquia do Brasil e uma das maiores empresas do setor de cosméticos da América Latina. Hoje, o grupo conta com mais de 7 000 funcionários diretos, 25 000 ligados indiretos, 900 franqueados e 3 800 lojas espalhadas por 1 750 municípios no país.

Por isso, quando foi iniciado o processo de sucessão, não só Artur mas também Miguel precisaram se preparar emocionalmente. “Posso dizer que não é um processo fácil, porque você precisa trabalhar questões de desapego, confiança e poder”, confessa Miguel.

O executivo de 64 anos ainda enfatiza que a sucessão deve ser trabalhada nos dois sentidos: por quem fica e por quem vai. “O sucedido tem de respeitar as decisões do sucessor e não intervir em cada ação. A pessoa precisa ter o suporte do antigo presidente para conseguir assumir a liderança”, diz.

Segundo Iêda Baraúna Pinheiro Carvalho, conselheira da rede internacional The Family Business Network Brasil (FBN Brasil), essa constatação é chave num processo de sucessão. “Não adianta pensar que o modelo do fundador vai continuar funcionando para sempre”, diz ela. “A empresa precisa abrir espaço para formas diferentes e para a inovação.”

Sete anos e muitas conversas e aconselhamentos depois, a troca foi feita. Em 2008, Artur recebeu o posto de presidente executivo e Miguel foi para a presidência do conselho de administração. Aos poucos, todas as lições aprendidas durante o processo sucessório da presidência do Boticário foram incorporadas no programa hoje estruturado — o grupo conta inclusive com um especialista em sucessão familiar.

Até agora, 34 sucessores das franquias já foram formados, 76 passam por esse processo e 45 aguardam a próxima turma. Quanto à preparação do futuro presidente, Artur garante que o assunto já está em pauta. “Como qualquer pessoa da organização, eu tenho o dever de preencher a árvore sucessória e indicar quem eu acho que possui qualidades para assumir meu cargo no futuro”, diz.

Independentemente de quem é o próximo na linha sucessória, Artur não espera — assim como Miguel não esperava — que seja uma cópia sua. Se, para Renata Abravanel, um ícone como Silvio Santos é insubstituível, para a liderança do Boticário o filho deve ser sempre melhor do que o pai e o sucessor sempre mais bem preparado do que o sucedido.

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