Júlio Bellinassi: "é preciso estar perto dos técnicos de manutenção ou no chão de fábrica para conseguir entender o que de fato está acontecendo na operação" (Otis/Divulgação)
Camila Pati
Publicado em 27 de julho de 2017 às 15h00.
Última atualização em 27 de julho de 2017 às 15h00.
São Paulo – Como presidente para a América do Sul da Otis, cargo que está há quase um ano, o executivo Júlio Bellinassi comanda mais de 4 mil funcionários. Só no Brasil, a multinacional americana - maior fabricante e prestadora de serviços do mundo na área de elevadores, escadas rolantes e esteiras – tem 31 filiais e 2,2 mil empregados.
Ele, que recebeu a reportagem de EXAME.com em sua sala na matriz da Otis, em São Bernardo do Campo (SP), afirma que grande parte do seu tempo ele passa fora dela. “Tem que sair do ar-condicionado e gastar sola de sapato”, diz resumindo o que considera essencial para um presidente de empresa. Para ele, foco no cliente, proximidade com funcionários e conhecimento do negócio são as três qualidades mais importantes em um CEO.
Na conversa também contou que a empresa está passando por uma transformação digital, que tem a Apple, a Microsoft e a At&T e que liderar a implementação das mudanças tecnológicas é o que mais traz orgulho para sua carreira, atualmente. “O jeito como você usa o elevador vai mudar”, garante.
Confira os principais trechos da entrevista:
EXAME.com: Quando você entrou, você imaginaria que iria chegar ao posto de presidente da Otis, para América do Sul?
Júlio Bellinassi: Que eu ia seguir carreira na empresa, sim, imaginei. Quando eu entrei na empresa, já vi que era uma empresa muito grande, presente em mais de 200 países, e eu já vi logo de cara que tinha muitas oportunidades de carreira. É uma empresa que investe muito no funcionário e que dá muita oportunidade para quem tem boa performance. O programa de bolsas de estudos da empresa é super forte e desde que eu entrei já era assim. Minha pós-graduação na FGV foi 100% paga pela empresa. Consegui vislumbrar isso desde o começo, já via casos de técnico de manutenção mecânica que estavam fazendo graduação e a gente tem isso até hoje. Técnicos de manutenção fazendo engenharia e que vão ser futuros supervisões, e futuros gerentes.
Quando a possibilidade de ser presidente surgiu no seu horizonte?
Conforme minha carreira foi progredindo na empresa, virei gerente de filial, depois diretor de marketing e vendas e comecei a perceber que na empresa, as oportunidades são ilimitadas para quem tem boa performance e comecei a acreditar que se você é uma pessoa que se dedica, que estuda, dá resultado, a empresa ia te dar essa oportunidade.
Que cadeiras que você ocupou na Otis que foram determinantes para chegar à presidência?
Um passo muito grande foi quando eu virei gerente de filial da empresa, em Brasília. Eu tinha 27 anos. Foi no começo da carreira, mas foi um ponto muito importante porque aí de fato conheci muito bem o negócio, tive mais exposição aos clientes, aos técnicos de manutenção, às obras, onde os elevadores são instalados e onde a gente faz a manutenção dos elevadores. Essa posição de gerente de filial e a posição de diretor de marketing e vendas que ocupei depois foram determinantes para eu chegar aonde cheguei.
Na sua opinião, existe uma área que o todo executivo que queira chegar a ser presidente, tenha que passar?
Não existe uma regra, mas acho que é importante conhecer o negócio e não falo só da Otis, falo para qualquer negócio. Você precisa passar pela área que põe você frente a frente com a sua operação e com seus clientes.
Quais as principais qualidades que um presidente de empresa tem que ter
O presidente de uma empresa tem que ser um cara com muito foco no cliente, ele precisa ser uma pessoa que visite clientes. Mesmo como presidente, você precisa ter uma parte da sua agenda para visitar os clientes e entender como a empresa está entregando o produto, como está atendendo o cliente. Eu acho que é muito importante ir ao campo para estar perto também dos funcionários. No nosso caso é preciso estar perto dos técnicos de manutenção ou no chão de fábrica para conseguir entender o que de fato está acontecendo na operação. Essa proximidade com clientes e funcionários é fundamental, acho que aí estão os dois pontos fundamentais para estar na posição de CEO da empresa. E conhecer o negócio. O conhecimento do negócio que você lidera é muito importante.
Como faz isso na prática. Você é acessível aos funcionários, por exemplo?
Sou muito acessível, mas faço isso de uma forma sistêmica. Temos, com alguma frequência, a reunião com os funcionários, quando a gente junta todos para falar como está o resultado da empresa, quais são os principais desafios, as estratégias para colocar todo mundo na mesma página.
Tenho uma agenda de visita às filiais e à operação dos países que eu cuido da América do Sul. É muita visita, tem que sair desta sala aqui, do ar-condicionado e gastar sola de sapato. Eu faço visita não só às filiais, mas faço visita às nossas obras: onde estamos instalando os elevadores e onde estamos fazendo a manutenção dos elevadores para poder ver como estão as coisas.
Qual seria na sua opinião, o pior defeito de um executivo?
O pior defeito de um executivo é ter medo de estar frente a frente com os clientes, se esconder dos funcionários. Não se atualizar também. Mas o principal é esse de não ir para a linha de frente, não dar a cara para os clientes e para os funcionários.
O que é mais difícil na hora de gerir mais de 4 mil funcionários?
Não diria que é o mais difícil, eu diria que é o mais importante é manter essa turma engajada. Eu acredito que isso se faz com e muita comunicação, reconhecimento e proximidade.
Você entrevista candidatos?
Um papel importante do líder é sempre estar procurando talentos no mercado. Para algumas posições eu faço parte do processo de entrevistas.
Exame. Tem alguma pergunta que você sempre faz?
Não tem uma pergunta específica, mas o que eu gosto de entender numa entrevista é se a pessoa tem talento. Se a pessoa é talentosa, isso é uma das coisas mais importantes na entrevista. Porque sobre o trabalho específico a gente consegue ensinar. Eu acho que a grande sacada do entrevistador é conseguir identificar quem é o mais talentoso, quem tem mais potencial porque para a tarefa específica a gente consegue treinar a pessoa, agora talento não.
Você leva trabalho para casa? Faz home office?
Não faço home office formalmente, mas na minha posição eu tenho que estar disponível. Equilibro vida pessoal e profissional mas estou 24 horas por dia disponível para a empresa. Então, eventualmente eu trabalho em casa, mas não é uma rotina. Minha posição pede isso, mas eu tento respeitar o horário familiar e privado dos meus funcionários. É lógico que quando precisa todo mundo sempre está disponível, mas eu tento respeitar demais o tempo das pessoas com as suas famílias, principalmente aos fins de semana para que voltem na segunda-feira com energia total.
Quais os principais acertos da sua carreira até agora?
Uma escolha muito acertada na minha carreira foi escolher a Otis como empresa para se trabalhar, esse foi o principal acerto. Um segundo ponto: eu acredito que o foco na carreira acadêmica foi muito importante, e se atualizar academicamente sempre foi um acerto muito importante. Fiz engenharia na Poli e MBA pela FGV. Uma boa formação foi uma decisão acertada e uma série de cursos de extensão que eu fiz para me manter atualizado em relação a negócios a gestão de pessoas, a tendências de mercado não só no Brasil como também no resto do mundo, essas atualizações e esses extensões que eu sempre me mantenho foram muito importantes para fazer com eu não parasse no tempo.
Na cadeira de presidente, de qual feito você mais se orgulha?
Orgulho-me muito de conseguir manter crescendo uma organização com tantas pessoas e implementar tantos projetos importantes que temos implementado, como lançamento de novos produtos e a transformação digital que a gente está implementando na empresa. Estamos fazendo uma revolução digital dentro da Otis.
O que vai mudar com essa revolução digital?
É fruto de parceria com a Apple, Microsoft e AT&T. Até o ano que vem todos os nossos técnicos de campo, de manutenção e instalação, vão ter um iPhone com aplicativos que estão sendo desenvolvidos para fazer com que o nosso atendimento seja muito mais ágil e mais eficaz. Esses aplicativos que estamos desenvolvendo vão mudar a relação entre o usuário e o elevador. O modo como você usa o elevador vai mudar. O elevador vai entender que você tem um aplicativo no seu celular, vai entender que você está chegando no prédio, e você vai conseguir fazer o chamado de fora do elevador, vai entender que você está chegando no seu prédio e que você precisa sair do térreo e ir para o 10º andar onde você mora, por exemplo.
Quando isso vai acontecer?
Muito em breve. Essa parte dos aplicativos que a gente está desenvolvendo. Vou dar um outro exemplo mais forte e que nós já estamos fazendo. Hoje alguns elevadores já estão ligados via telefonia à nossa matriz. Imagina que o elevador parou em Porto Alegre, se ele for um elevador desses nossos que estão interligados, meu engenheiro daqui consegue fazer o elevador voltar a funcionar. O elevador é um computador, o engenheiro consegue entrar na placa e pode fazer ele voltar a funcionar a distância. Toda essa transformação é um projeto mundial, mas a implementação em larga escala está acontecendo na minha gestão.