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Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
São Paulo - Com o mercado cada vez mais competitivo, as empresas privadas têm investido na renovação de uma conhecida ferramenta para atrair e treinar jovens profissionais para ocupar cargos de gerência e liderança no futuro: o programa de trainee. Há cerca de 20 anos no Brasil, esse tipo de iniciativa tem sido fundamental na estratégia de sucessão das grandes organizações e visto como um Santo Graal por muitos jovens recém-formados, ou em vias de se graduar, que enxergam na possibilidade de ser trainee uma chance única para dar a largada com vantagem na vida profissional.
E eles têm razão. Começar como trainee é como ter um currículo com pedigree. Isso sem falar nos atrativos salários iniciais, que oscilam entre 3 700 e 4 500 reais, e na garantia de assumir cargos de liderança ao final do treinamento (que pode levar até três anos), queimando etapas na escalada da carreira. Além disso, é comum haver um recheado pacote de benefícios, com direito a curso de MBA, seguro de vida, 14o salário e grandes chances de expatriação. Na Ambev, por exemplo, 25% dos funcionários em operações fora do Brasil ingressaram na companhia pelo programa de trainee.
Em contrapartida, as companhias querem os melhores e exigem, desde o momento da seleção, um desempenho exemplar de seus candidatos. De acordo com Priscila de Azevedo Costa, coordenadora do departamento de carreiras da Veris Faculdade, do Grupo Ibmec, de Minas Gerais, geralmente as companhias mais concorridas são também as mais agressivas e competitivas, exigindo esse ritmo do jovem. “Ele precisa estar alinhado com as demandas internas”, diz Priscila.
Quem pretende ser trainee deve ter ótima base intelectual e emocional para enfrentar uma batalha bem pior do que o vestibular. A briga é tão acirrada que menos de 1% dos inscritos consegue ser aprovado — no ranking dos processos seletivos mais disputados, a relação candidato–vaga é de quase 2 000 pessoas para uma vaga. Só para comparar: no concurso da Fuvest 2010, a carreira de medicina teve 41,78 aspirantes por vaga.
Os melhores programas
Segundo o consultor Marcio Vinycius Pereira, da Cia de Talentos, consultoria especializada em programas de trainee, atualmente os programas mais atraentes e completos são os de empresas de bens de consumo, varejo e de serviços financeiros. “As duas primeiras têm mais tradição e experiência e, por isso, oferecem um plano de carreira bem estruturado, contribuindo para a formação desses jovens”, diz. O setor financeiro, por sua vez, amadureceu bastante na última década e é a bola da vez, principalmente depois que o Brasil passou pela crise financeira de 2009 sem grandes percalços. “Independentemente do setor, o melhor programa é aquele que alinha o perfil de cada candidato com os valores e a cultura da empresa”, diz Marcio.
Um dos processos mais disputados dos 80 disponíveis no país é o da Ambev. Em 2010, na 20a edição, a companhia recebeu 60 000 inscrições para 35 postos, ou 1 714 candidatos por vaga. De acordo com Thiago Porto, gerente de desenvolvimento de gente da Ambev, foram quatro meses para selecionar os eleitos por meio de testes virtuais, dinâmicas de grupo e entrevistas. “O fator de desempate tem sido o ‘brilho nos olhos’ — gente que conhece a empresa e quer fazer a diferença aqui”, afirma Thiago.
Durante dez meses os selecionados passam por todas as áreas da Ambev. “Encaramos esse período como uma pós-graduação, durante a qual os jovens não sofrem grandes pressões. As cobranças, que são muitas, vêm depois.” Outro diferencial é o job rotation, pratica corporativa que permite ao trainee passar por mais de um setor da companhia e então definir sua área de vocação ao fim do programa.
A Unilever não fica atrás no páreo das mais disputadas. Veterana nesse tipo de ação — desde 1964 contrata trainees —, a multinacional recebeu 48 000 inscrições por meio do hotsite para a turma de 2011, com 30 vagas, numa relação de 1 600 candidatos por vaga. “Com três anos de duração, nosso programa é extremamente exigente e completo, visando à formação de líderes. Por isso, os desafios já começam na seleção”, diz Eliana Ponzio, gerente de desenvolvimento de talentos da Unilever. A empresa dá todo o suporte para esses jovens, mas os resultados em projetos e o desempenho contínuo são requeridos desde o primeiro momento, uma vez que o investimento no programa é enorme. “O objetivo final é transformá-los em gerentes”, conta Eliana.
Os novatos
Em muitas organizações o programa de trainee ainda é uma experiência recente, com menos de oito anos, como é o caso da Whirlpool Latin America, dona das marcas Brastemp e Consul, e do banco Itaú-Unibanco. Nessas empresas, a captação de talentos também é feita por meio de hotsites e o processo seletivo, embora menos disputado, é tão difícil quanto nas veteranas. Em comum, nota-se que a valorização dos recém-formados vem aumentando a cada ano.
A gerente-geral de RH da Whirlpool, Úrsula Angeli, afirma que, se no passado o papel do trainee era visto com certo receio pelos profissionais já estabelecidos na companhia, hoje todas as áreas desejam ter um na equipe. “São jovens com potencial enorme, que agregam valor, contribuem para oxigenar processos e ampliar os negócios”, afirma. Para a seleção deste ano, a Whirlpool recebeu 13 500 inscrições para 20 vagas.
No Itaú-Unibanco, o diferencial é o foco na captação de talentos para segmentos específicos, como mercado de capitais, crédito ao consumidor e tecnologia. Adriano Lima, diretor de gestão corporativa de pessoas do banco, acredita que um dos desafios é mostrar aos jovens as várias possibilidades de atuação que o setor financeiro oferece. Um dos diferenciais do programa é o fato de o trainee saber qual sua área final de alocação. “Isso faz com que a etapa generalista tenha uma função mais focada, já que o jovem é desafiado a conhecer o todo para ter uma performance diferenciada. Algo similar ao think global, act local [‘pense globalmente, aja localmente’], diz Adriano.
Na contramão das demais, a Caterpillar busca atrair jovens talentos de maneira discreta. A fabricante de máquinas industriais e agrícolas com sede em Piracicaba, em São Paulo, costuma captar seus trainees em sites de recrutamento, sem divulgar seu nome. Sueli Agostinho, diretora de RH, explica que assim capta apenas os interessados em agronegócios. “No ano passado tivemos 500 inscritos para dez vagas, um bom número para esse programa que oferecemos, com dois anos de duração”, conta Sueli.
Entre os diferenciais, o trainee já entra como black belt, profissional responsável pela execução de projetos de maior abrangência. Sueli seleciona jovens com características que a Caterpillar considera essenciais: alta capacidade analítica, capacidade de gerenciar pessoas e situações, credibilidade frente aos colegas e liderança, sendo um catalisador na equipe. Características, aliás, desejáveis em trainees de qualquer segmento de negócios.