Diogo Arrais: Normalizar algo pressupõe anormalidade, e isso pode ferir o leitor (Getty Images/Divulgação)
Redação Exame
Publicado em 25 de julho de 2023 às 14h42.
Última atualização em 25 de julho de 2023 às 15h08.
Por Diogo Arrais, professor de português (@diogoarrais)
De uns tempos para cá, um verbo ganhou os ares de empatia nas mídias sociais: normalizar. Entre líderes religiosos, psicólogos, médicos, terapeutas e interessados pelo ser humano, a expressão de ordem viral – agora – é normalizar. Normaliza isto; normaliza aquilo, normaliza o ser...
Pois bem: de onde vem esse verbo; o que ele significa?
Com os embalos dos versos de Balada do Louco, parceria de muito sucesso entre Arnaldo Baptista e Rita Lee, vemos: "Mas louco é quem me diz/E não é feliz, não é feliz/Eu juro que é melhor/Não ser o normal/Se eu posso pensar que Deus sou eu".
No uso acima, o normal representa uma pessoa considerada assim, ou seja, conforme padrão social (motivo até da ampla reflexão trazida pela poesia de Lee e Baptista). Em outras épocas, normal já foi o nome de curso do ensino de nível médio para formação de professores primários. Na minha juventude, ouvi muito que alguém teria estudado tal ponto no Normal.
Com o apoio do sufixo –izar, vem o verbo normalizar e seus sentidos: "adquirir ou recuperar a normalidade (de); submeter a normas." Assim, vejo a chamada: "Precisamos normalizar tais pessoas e comportamentos!"
De súbito, penso no que busca o escritor com esse uso verbal (preconceituoso e modista). Leio o texto do profissional e percebo que o tema envolve inclusão, aceitação, mas não "normalização" de absolutamente nada. Com isso, o texto – que teria um propósito humano – acaba adjetivando pelos pressupostos como anormais aqueles que não têm nada disso.
Aliás, é pouco cuidadosa, para usar o eufemismo, a relação que os dicionários dão ao termo "anormal". Que é ser anormal? Simples: alguém que fugiu do considerado comum ou normativo. Por isso, em muitos casos, brilhante (como aquele que decide ser o "louco" da canção).
Normalizar algo pressupõe anormalidade, e isso pode ferir o leitor. Se pode ofender, a norma maior foi ferida. Por fim, o grande professor das palavras e atitudes, Cristo Jesus, procurava resumir suas mensagens a um outro verbo: amar.
E amar... basta.
Um abraço e até a próxima!