Trabalho na nuvem (UnitoneVector/Getty Images)
Luísa Granato
Publicado em 3 de junho de 2020 às 10h00.
Com a pandemia do novo coronavírus, além dos escritórios adaptarem suas operações para o home office, muitas empresas também precisaram digitalizar seus modelos de contratação e integração de funcionários.
Nessa realidade cada vez mais digital, o mundo empresarial deu um enorme pulo para o futuro do trabalho e descobriu a eficácia de uma maior flexibilidade. Rompeu-se a barreira do escritório e agora é possível imaginar uma operação -- e contratação -- de qualquer lugar.
Vendo o Nubank como exemplo, Leandro Herrera, CEO da Tera, escola de profissões da Economia Digital, acredita que as fronteiras de contratação vão se apagar.
Desde o início da quarentena, a startup já contratou mais de 150 pessoas -- sem se limitar a São Paulo, onde fica sua sede. Profissionais de seis nacionalidades diferentes entraram para a equipe no período. E mesmo os brasileiros contratados são de cinco estados diferentes.
“Quando você entra no escritório do Nubank em São Paulo, vê um mapa com os países de onde os colaboradores são e tem marcações quase no mundo inteiro. Isso deve fazer parte do futuro do trabalho a partir de agora, teremos um pool global de talentos”, comenta o CEO da Tera.
Antes da pandemia, 66% das organizações que buscavam habilidades especializadas já estavam atentas para recrutar profissionais além do país de origem
É o que constata a pesquisa da ADP e do The Economist Intelligence Unit sobre os principais desafios do RH na expansão internacional dos negócios, divulgada com exclusividade para a EXAME.
O levantamento foi feito com mil executivos C-level e de RH no mundo todo em 2019. Com o novo cenário da covid-19, os pesquisadores se debruçaram sobre os resultados para entender as possíveis alterações na relevância de certos pontos.
Segundo Mariane Guerra, vice-presidente de Recursos Humanos da ADP na América Latina, o home office quebrou o receio que as empresas tinham sobre gestão de times remotos. Com a queda da resistência pelo digital, ela acredita que as companhias terão menos receio em contratar fora de países onde se encontram fisicamente.
“Será uma grande oportunidade para as empresas buscarem talentos fora de seus países. E será uma oportunidade também para esses talentos. Uma vez identificados por competidores internacionais, parte da força de trabalho no Brasil será mais valorizada”, fiz a VP de RH.
A executiva também comenta que uma grande preocupação das empresas na expansão em outros países era o aumento de custos para reproduzir sua hierarquia em outro local. Antes, seria necessário criar uma estrutura hierárquica de gestores e executivos. Com uma gestão remota, isso pode mudar.
“São mitos que caíram com a experiência na pandemia. Primeiro, de que o chefe precisa estar no mesmo país. Depois, que a força de trabalho distribuída tornaria mais difícil manter o engajamento da equipe e com a empresa”, fala Guerra.
A executiva coloca sua própria vivência como exemplo: para ela, o trabalho mais flexível tornou seus dias mais produtivos e as reuniões com participantes internacionais mais eficazes. E ela vê uma chance maior de expandir seu contato com os colaboradores.
“Temos mais ou menos mil funcionários no nosso prédio em São Paulo. Fisicamente, eu conversava com 20 ou 30 pessoas no máximo em um dia. Agora, passei a fazer transmissões ao vivo com alcance de até 500 pessoas”, conta.
Enquanto a competição por talentos internacionais pode se intensificar, a crise também cria uma janela de oportunidade para empresas encontrarem talentos escassos no mercado.
Os pesquisadores da Harvard Business School Ranjay Gulati, Nitin Nohria e Franz Wohlgezogen fizeram uma análise de 4.700 empresas durante três recessões econômicas. Eles descobriram que uma pequena parcela -- 9% da amostra -- conseguiu crescer após as crises.
No estudo, eles perceberam que tanto empresas que fizeram cortes agressivos quanto que apostaram em grandes investimentos não tinham chances tão altas de recuperação. O segredo seria um equilíbrio entre investimentos estratégicos e redução seletiva de custos.
Segundo artigo no Harvard Business Review, isso significa que não é um momento apenas de cortes ou congelamento de vagas, mas uma oportunidade para investir em profissionais que ajudem a empresa a crescer no período pós-covid.
Outra pesquisa, agora da Tera em parceria com a Scoop&Co, analisou o impacto da tecnologia nas escolhas de carreira das pessoas. Segundo o estudo, 63% das pessoas já mudaram de carreira e 48% pretendem mudar de carreira nos próximos 12 meses.
Segundo o CEO da Tera, Leandro Herrera, a pandemia está forçando empresas de diversos setores a se modernizarem. Ele dá o exemplo da própria empresa: em uma semana adaptaram o modelo presencial para as aulas online.
“Em todos os níveis, a educação sempre foi resistente à tecnologia. Nessa fase, todos os agentes na área passaram por uma adaptação. Nos próximos 12 meses, veremos uma ressignificação da experiência de educação a distância”, diz ele.
Para Herrera, todos os setores passarão por essa reinvenção, observando as tecnologias disponíveis, como podem usá-las para criar novas soluções e, principalmente, quem serão os profissionais capazes de ajudar na nova estratégia.
Mesmo que a demanda por desenvolvedores continue alta, ele acredita que existem papéis para diversos perfis técnicos. E um bom guia para buscar por oportunidades é o relatório divulgado no Fórum Econômico Mundial em janeiro.
A previsão do relatório de criação de 1,7 milhões de novas oportunidades de trabalho este ano pode não se concretizar, mas sua lista de profissões do futuro na Economia Digital segue tendências que ainda são relevantes.
“Mesmo em empresas de tecnologia, só desenvolvedores não conseguem gerar soluções. É necessário criar times multidisciplinares para gerar inovações”, fala ele.