O novo modelo de organização do trabalho tem ganhado força em países como Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia (Westend61/Getty Images)
Repórter
Publicado em 12 de abril de 2025 às 07h52.
Última atualização em 12 de abril de 2025 às 10h05.
Uma jornada mais humana, sem perder produtividade. Esse é o desafio que muitas empresas buscam superar depois da onda do home office com a pandemia. Várias tendências de trabalho apareceram desde então, como o lazy job e a escala de 4 dias de trabalho, e uma nova já está sendo testada. Conhecida como nine-day fortnight, o novo modelo de organização do trabalho tem ganhado força em países como Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.
Nele, os funcionários trabalham por 9 dias dentro de um ciclo de duas semanas e ganham o décimo dia — geralmente uma sexta-feira — como folga fixa. Ou seja, pelo menos 2 folgas no mês estarão garantidas neste modelo.
A proposta tem chamado atenção como alternativa à semana de 4 dias, considerada mais radical por muitas empresas. Para Andrea Deis, especialista em carreira e neurociência há mais de 20 anos e professora de instituições como FGV, Mackenzie, FIA e Dom Cabral, o modelo ainda é pouco conhecido no Brasil — mas merece atenção.
“O nine-day fortnight surge como uma tentativa de flexibilizar o trabalho sem romper com a carga horária padrão. É uma alternativa interessante, mas que depende de uma maturidade organizacional que o Brasil ainda está construindo”, afirma.
Para Renata Rivetti, fundadora da Reconnect, empresa que trouxe o piloto da semana de 4 dias para o Brasil, o conceito do nine-day fortnight também pode surgir como um desdobramento da tentativa de reduzir jornadas, mas com flexibilidade.
“Esse conceito surge também no piloto da semana de 4 dias. Tivemos escritórios de contabilidade que falaram: quando é fechamento do mês, não dá para fazer a semana de quatro dias. Ou um escritório de advocacia que, de repente, tinha uma pauta importante naquela semana”, afirma Rivetti.
A partir dessas situações, o modelo de 9 dias úteis em 2 semanas começa a se mostrar uma solução intermediária.
“É uma forma da gente começar a discutir o futuro do trabalho de forma mais flexível, sem rigidez. Talvez trabalhar uma semana quatro dias, outra semana cinco, é um caminho para reduzir a sobrecarga, permitir um dia de descanso e ensinar as pessoas a trabalharem melhor”, diz Rivetti.
Apesar de parecer um bom caminho para garantir a qualidade de vida e o bem-estar dos funcionários, no Brasil, Rivetti afirma que não conhece nenhuma empresa que tenha adotado de forma estrutural esse regime de trabalho.
Mesmo com seus benefícios, o nine-day fortnight não deve ser visto, segundo Deis, como uma simples escala, mas como um modelo de jornada compactada: o funcionário trabalha mais horas em determinados dias para conquistar a folga extra. Na prática, isso pode representar jornadas mais longas e exigentes.
“Do ponto de vista neurocientífico, é preciso cautela. O cérebro humano tem limite de atenção e energia. Trabalhar mais horas para compensar uma folga pode levar à exaustão, saturação mental e até comprometer a qualidade do trabalho”, afirma a especialista em neurociência.
Por isso, segundo a especialista, o sucesso do modelo depende de uma estrutura que contemple pausas adequadas, momentos de descompressão, ergonomia e gestão cuidadosa das demandas.
Enquanto empresas de pequeno e médio porte em países de língua inglesa já adotam o modelo, no Brasil a realidade é outra. Deis conta que, mesmo entre seus alunos e parceiros corporativos, o nine-day fortnight ainda é uma novidade em fase de observação.
“Ainda estamos discutindo a semana de quatro dias. O nine-day fortnight aparece como uma pauta mais distante, porque nosso mercado de trabalho é muito hierarquizado, tradicional e baseado no controle da presença física”, diz.
A especialista aponta que a resistência empresarial, a rigidez da legislação trabalhista e a falta de políticas públicas voltadas ao bem-estar são entraves para o avanço desse tipo de proposta no país.
Nem todas as áreas conseguirão aplicar esse modelo com facilidade. Indústrias, serviços essenciais, hospitais e transportes enfrentariam desafios operacionais e legais significativos para garantir folgas escalonadas e manter a produtividade. “É preciso pensar em softwares inteligentes, gestão flexível e escalas rotativas para não comprometer o fluxo das operações”, afirma Deis.
Mesmo assim, ela vê espaço para pilotos em áreas administrativas, tecnológicas ou de escritórios, onde há mais flexibilidade e autonomia. “É um modelo que precisa ser testado, adaptado à realidade brasileira e tratado como piloto, com diálogo transparente e monitoramento contínuo”, diz.
Apesar dos desafios, Deis acredita que o nine-day fortnight representa uma tendência de transformação impulsionada pelas novas gerações. “Há um conflito de gerações: enquanto empresas tentam voltar ao presencial, jovens profissionais estão dizendo que não aceitam mais os antigos modelos. Eles querem qualidade de vida, equilíbrio e propósito”, afirma.
Aos poucos, esse embate pode abrir brechas para formatos mais flexíveis de trabalho, inclusive no Brasil. “Não se trata de copiar o que é feito lá fora, mas de entender o que pode ser adaptado à nossa cultura. O que está em jogo é o futuro do trabalho — e ele vai exigir novos acordos, mais empatia e escuta ativa dentro das organizações.”