Aposentados brasileiros do Harley Owner’s Group, na Rodovia Presidente Dutra, a caminho do litoral de Búzios, Rio de Janeiro: velhice com aventura (Claudio Rossi/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 5 de março de 2013 às 14h09.
São Paulo - Historicamente, planejar o futuro nunca foi o ponto forte do brasileiro. Ao contrário de americanos, japoneses e britânicos, para nós o lema “deixa a vida me levar” sempre conduziu quase tudo, inclusive a organização financeira para a aposentadoria.
Mas essa indisposição, que quando analisada a fundo tem razões mais econômicas do que culturais, tem mudado nos últimos anos. “Nunca tivemos o poder de programar o longo prazo”, afirma Renato Terzi, vice-presidente de seguros de pessoas e previdência da SulAmérica. “As pessoas não estavam acostumadas com isso.”
O Brasil, diferentemente de nações como Estados Unidos, Japão e Canadá, passou por grandes turbulências nas últimas décadas. O milagre econômico dos anos 1970 — quando a economia crescia perto de 10% ao ano — veio seguido de um período de hiperinflação, controlada com o plano de estabilização de 1994 (o Plano Real), que exigiu que as taxas de juro do país subissem muito.
Só agora, quase duas décadas depois, ficou possível pensar no futuro com uma dose maior de previsibilidade.
De acordo com estimativas da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), só no primeiro semestre deste ano o segmento arrecadou 33 bilhões de reais — dos quais 28,6 bilhões de reais vieram do bolso de poupadores individuais. Representa um crescimento de 36% em relação ao mesmo período de 2011 e sinaliza para uma projeção grandiosa.
Até 2017, a previdência privada brasileira pode atingir a marca de 1 trilhão de reais em recursos administrados por bancos ou seguradoras. “Estamos triplicando de tamanho a cada três anos”, afirma Osvaldo do Nascimento, vice-presidente da Fenaprevi.
Há pelo menos três boas razões para a mudança no comportamento do brasileiro. A primeira é que as pessoas já se deram conta de que a Previdência Social, do governo federal, não será capaz de sustentar a aposentadoria de quem está na ativa hoje — se o fizer, pagará um benefício irrisório.
Atualmente, o valor máximo para a aposentadoria paga pelo governo é de 6,4 salários mínimos. Na prática, pouca gente consegue receber esse montante. O segundo motivo é a constatação de que estamos vivendo mais, logo, é preciso ter dinheiro para uma velhice tranquila. Nos anos 1960, o brasileiro vivia pouco mais de 48 anos. Hoje vive 73, em média. Por último, a oferta de planos de previdência aumentou.
Mais cedo é melhor
“Quanto mais cedo a pessoa começar a poupar para a previdência, maior será a renda e menor o valor que ela terá de depositar todo mês para conseguir manter o mesmo padrão de vida lá na frente”, diz o professor de finanças André Massaro, de São Paulo.
Ele lembra que a cultura de poupança em outros países é mais arraigada e que isso tem a ver com a estabilidade macroeconômica e com a expectativa de vida maior, que disseminou a cultura da poupança para a velhice por mais de uma geração. O Brasil já caminha para isso.
Quando se olha como as populações de outros países se organizam financeiramente, o Brasil pode ter muito a aprender. O brasileiro já pensa no futuro dos filhos. Falta agora começar a pensar no próprio futuro. Além dos planos de previdência privados ou corporativos, há uma série de hábitos que podem ser adaptados à nossa realidade para que tenhamos um futuro mais previsível e planejado.
O que não é fácil. Estudo recente da consultoria RGarber, encomendado pela Associação Brasileira dos Profissionais de Recursos Humanos, mostrou que mais da metade dos entrevistados com até 40 anos nunca pensou como será seu futuro quando encerrar a carreira.
É uma realidade muito diferente da vivenciada lá fora. Nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Canadá mais de um terço das pessoas planeja a aposentadoria com antecedência. O mesmo ocorre na Dinamarca e no Chile, país que tem um sistema de previdência privada bastante desenvolvido e onde os recursos aplicados chegam a representar 51% do PIB.
“Há muitas realidades diferentes e alguns países conseguiram desenvolver uma indústria de previdência completar bastante consistente”, aponta o relatório O Futuro da Aposentadoria, produzido pelo HSBC.
Brasil: mais opções
Na análise dos especialistas, os modelos adotados por Japão e Estados Unidos são mais factíveis para a realidade nacional, assim como o chileno. “Nos Estados Unidos, o governo dá incentivos fiscais para que o cidadão tenha um plano de previdência complementar e no Japão privilegia-se a aposentadoria mais tardia e não se olha somente pelo lado financeiro”, explica Leonardo Lourenço, superintendente da Mongeral Aegon Seguros e Previdência, para quem a previdência pública — leia-se INSS — acaba desestimulando a adesão aos planos privados.
Ele diz que para boa parte da população a aposentadoria é praticamente garantida pelo governo, apesar de não permitir que se mantenha na velhice o mesmo padrão de vida dos tempos em que se estava na ativa. E é isso que desestimula um avanço maior das formas de poupança do Brasil quando comparado a outras nações.
Por aqui, as três tendências da poupança de longo prazo (fundo de previdência privada, previdência corporativa e investimento em ações) têm crescido, mas ainda de forma muito incipiente.
Foi a partir da última década que o nosso mercado acionário passou a ficar mais acessível para o cidadão comum, elevando a participação desse grupo entre os investidores pessoa física. Além disso, a procura por fundos de previdência se intensificou e os planos corporativos ganharam fôlego nos últimos cinco anos.
E isso tudo tem a ver com o amadurecimento do país. A preocupação com a liquidez e segurança dos bancos e seguradoras que comercializam os planos de previdência privada também influencia, e muito, a decisão do investidor na hora de aderir a um fundo. Apesar da fama de ter a memória curta, o brasileiro lembra muito bem dos bancos que quebraram nos anos 1990 e do Proer (o programa de socorro ao setor financeiro do governo federal).
E a onda recente de intervenções do Banco Central em diversas instituições de menor porte, como os bancos PanAmericano e Cruzeiro do Sul, faz soar o alerta novamente. “Eu aderi ao plano de previdência da empresa, mas ainda não tenho certeza se devo comprar um plano privado complementar em meio a essa nova leva de bancos quebrando ou sofrendo intervenção do Banco Central”, diz Leandro Almeida, de 35 anos, gerente de telecomunicações da Transpetro, que ainda prefere aplicar seu dinheiro em fundos de renda fixa ou em ações.
A ficha caiu?
“Para muita gente ainda não caiu a ficha de que as condições para o futuro mudaram”, diz Gilberto Poso, diretor executivo do HSBC Brasil. O estudo da RGarber mostrou ainda que a renda pesa na hora de optar pelo plano de previdência, pois trata-se de um valor fixo que deve ser depositado mensalmente.
E, mesmo sendo garantia de uma renda no futuro, significa uma redução no padrão de consumo no presente para muitas pessoas. “Esse pensamento tem mudado aos poucos com a melhora da renda do brasileiro nos últimos anos e com a convivência dos mais jovens com os pais que dependem somente da aposentadoria pública, a qual não supre as necessidades da velhice”, diz Renato, da SulAmérica.
E não pense que essa realidade está distante de outros países em desenvolvimento. A Índia, com uma das maiores populações do mundo — 1,2 milhão de habitantes —, e também uma das mais pobres, começou a estruturar a criação de um plano de previdência público somente em 2007.
Na China, a adoção de algo que se assemelhe ao nosso INSS ainda está em discussão pelo governo. Comparativamente, quando se analisa esses casos, o brasileiro está adiantado.
Ao pesquisarmos a história, descobrimos que a Previdência Social no Brasil nasceu em 1923, após a publicação de um decreto que criou as chamadas caixas de aposentadoria e pensão para os trabalhadores da rede ferroviária. De lá para cá, a oferta de planos de previdência se diversificou e as formas de investir para um futuro mais tranquilo aumentaram. E você, já atentou para isso, ou ainda está deixando a vida te levar?