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Da Redação
Publicado em 30 de agosto de 2020 às 08h00.
“Tente encontrar um mentor”. É um conselho profissional tão comum que muitos de nós nunca analisamos a sua validade. Mas seria útil fazer uma análise mais profunda sobre isso? O que encontramos como prova das vantagens da mentoria?
Até recentemente, não havia nada conclusivo na literatura. Alguns estudiosos até sugeriram que a mentoria trazia consigo efeitos colaterais problemáticos, incluindo favoritismo e “clonagem”, a tendência dos mentores de empurrar os pupilos em direção a carreiras exatamente iguais às suas.
Entretanto, uma nova pesquisa de Brian Uzzi, professor titular de administração e organizações na Kellogg School, mostra que a mentoria é mesmo benéfica, especialmente quando os mentores transmitem formas de conhecimento intuitivas e de ordem prática.
O estudo, que analisa as carreiras de mais de 37 mil mentores e seus pupilos nas ciências, sugere que os mentores que transmitem conhecimento tácito adquirido por meio da experiência de trabalho, em vez de habilidades codificadas, produzem orientandos com probabilidade significativamente maior de se tornarem superestrelas em suas respectivas áreas.
Além do mais, “mini-clones” não necessariamente prosperam. Os pupilos têm mais sucesso quando trabalham em assuntos diferentes dos de seus mentores.
Para muitos de nós, essa é uma nova maneira de se pensar sobre mentoria. “As pessoas quase sempre pensam no mentor como um elemento realmente ativo. O orientando é o elemento passivo, absorvendo conhecimentos do mentor”, diz Uzzi. “Parte disso é verdade, mas o fato é que o relacionamento não é uma via de mão única. Cabe ao orientando diversificar, absorver o conhecimento tácito do mentor e usá-lo para trilhar novos caminhos. O orientando tem grande responsabilidade pelo seu próprio sucesso”.
No entanto, a mentoria forte no momento enfrenta uma séria ameaça: COVID-19. Uma vez que o conhecimento tácito que torna os mentores valiosos é melhor comunicado presencialmente, Uzzi teme que a perda da comunicação pessoal possa prejudicar as perspectivas profissionais dos orientandos.
Uzzi e seus colaboradores -Yifang Ma da Southern University of Science and Technology da China, e Satyam Mukherjee, do Indian Institute of Management Udaipur, ambos ex-bolsistas de pós-doutorado na Kellogg, puderam realizar o estudo graças a uma nova ferramenta digital. Na última década, os cientistas criaram enormes bancos de dados das “árvores genealógicas” intelectuais de suas áreas, rastreando quais acadêmicos orientarem quais alunos.
Uzzi, Ma e Mukherjee extraíram dados dessas árvores genealógicas e os vincularam a outras informações relevantes, como colocações no mercado de trabalho, bolsas e prêmios e publicações. Seu conjunto de dados inclui 37.157 cientistas e orientandos e os 1.167.518 artigos que tais pessoas produziram entre 1960 e 2017.
Mesmo assim, os pesquisadores tiveram que superar um grande obstáculo. Como os orientandos não são atribuídos aleatoriamente aos mentores, fica difícil saber se seus sucessos ou fracassos podem ser atribuídos à mentoria ou a outros fatores externos. “Logo de início, os mentores que geralmente apresentam os melhores históricos e a melhor reputação tendem a atrair alunos de maior talento para os seus programas”, diz Uzzi.
Esse fenômeno, chamado de assortatividade, havia frustrado estudos anteriores sobre mentoria. Felizmente, o enorme banco de dados permitiu que Uzzi e seus coautores realizassem análises que antes não eram possíveis se de se fazer.
Primeiro, identificaram seis grupos de mentores que se pareciam "exatamente uns com os outros" em termos objetivos, diz Uzzi: os pares ensinaram nas mesmas áreas em instituições igualmente prestigiosas, orientaram o mesmo número de alunos a cada ano, publicaram a mesma quantidade de artigos e foram citados com a mesma frequência. Como esperado, esses mentores estatisticamente idênticos atraíram alunos de talento semelhante, conforme medido por suas primeiras colocações no mercado de trabalho, tamanhos de laboratório e QIs (obtidos da Mensa International).
Já sanado o problema da assortatividade, Uzzi afirma, “ainda tínhamos outro problema, que era como veremos se os mentores repassam informações valiosas para os orientandos ou não?”
Os pesquisadores queriam entender o que os mentores estavam ou não repassando aos orientandos. Assim, tiveram uma ideia: já haviam identificado agrupamentos de mentores idênticos. E se, dentro de cada grupo, fosse possível identificar um mentor com uma característica especial oculta e ver se a transmitiram ou não para seus alunos?
Por fim, os autores do estudo encontraram a habilidade “oculta” perfeita para se analisar: a habilidade de produzir pesquisas agraciadas com prêmios científicos. Artigos premiados “tendem a tentar sanar problemas realmente particulares e importantes e a respondê-los de maneira não só competente, mas elegante”, explica Uzzi.
É claro que, depois de ganhar um prêmio científico importante, o acadêmico atrairá alunos mais qualificados. Portanto, os pesquisadores limitaram sua análise aos anos anteriores aos pesquisadores receberem seus prêmios.
Concentraram sua análise estatística em “grupos de mentores essencialmente indistinguíveis que atraem alunos da mesma qualidade, exceto por um fator: um mentor em cada um desses grupos tem a qualidade oculta de ser um futuro premiado”, diz Uzzi. Isso significava poder comparar como os alunos de mentores que eram futuros premiados e não premiados se saíram.
Quando os pesquisadores analisaram o desempenho dos pupilos dos futuros mentores premiados e não premiados, as diferenças foram marcantes: os alunos que estudaram com um futuro premiado tinham quase seis vezes mais probabilidade de se tornarem superestrelas em sua área do que os alunos igualmente talentosos dos não premiados. (Os pesquisadores definiram “superestrelas” como cientistas que ganham prêmios importantes, eram membros da National Academy of Sciences e estavam entre os 25% dos estudiosos mais citados em suas áreas). Claramente, os mentores premiados de fato repassaram o que Uzzi chama de “ingrediente especial” para seus alunos.
Porém, à medida que se aprofundaram em sua análise estatística, os pesquisadores encontraram outros padrões intrigantes. Surpreendemente, as diferenças entre os alunos de futuros mentores premiados e não premiados não apareceram de imediato. Nos primeiros dez anos de suas carreiras, os alunos dos mentores não premiados publicaram mais artigos, foram mais citados e tiveram mais coautores do que os alunos dos futuros mentores premiados. Mas, na segunda década de suas carreiras, os alunos dos futuros mentores premiados começam a superar o grupo anteriormente mais produtivo.
Uzzi desenvolveu uma teoria sobre esse motivo. “Na ciência, geralmente é mais fácil publicar um trabalho sólido que não seja nada controverso”, diz ele. “Leva tempo para que as melhores ideias amadureçam e os cientistas comecem a ver o valor real de temas mais controversos. Isso pode explicar por que os alunos dos futuros mentores premiados eventualmente superam os alunos dos mentores não premiados”.
Outra surpresa: os pupilos mais bem-sucedidos são aqueles que estudam com futuros mentores premiados, mas acabam trabalhando em diferentes áreas.
De certa forma, isso vai contra a sabedoria convencional: os alunos que têm sucesso e dão continuidade ao trabalho de seus mentores costumam ser vistos como estrelas em ascensão. Mas, a longo prazo, os cientistas mais bem-sucedidos são aqueles que traçam seus próprios caminhos.
“Quando um aluno aprende esse 'ingrediente secreto' e o aplica para ser um mini-clone de seu mentor, ainda se sai bem. Mas se aplicarem isso a um novo tema original, se saem ainda melhor”, diz Uzzi. “Você quer o ingrediente especial, mas se também aplicá-lo em algo novo, o ingrediente especial é ainda mais valioso para você”.
Assim, o que é o ingrediente especial? A pesquisa atual não fornece uma receita completa, mas sim algumas dicas. Em primeiro lugar, está claro que os melhores mentores transmitem algo que ultrapassa a simples experiência no assunto. (Se fosse esse o caso, os orientandos mini-clones teriam mais chances de sucesso).
Uzzi e seus coautores acreditam que o que se passa entre os futuros mentores premiados e os pupilos é conhecimento tácito. Os orientandos não estão apenas aprendendo as habilidades concretas de seus mentores. Também percebem como seus mentores fazem perguntas de pesquisa, como fazem brainstorming, como interagem com os colaboradores e assim por diante, em uma forma de conhecimento que é difícil de codificar e frequentemente aprendida na prática.
Isso é especialmente importante de se considerar na era do COVID-19, quando cada vez mais nossas interações acontecem por meio de telas, e algumas pessoas começaram a questionar se a mentoria remota pode substituir a presencial.
“Até onde sabemos, a mais completa transferência de conhecimento tácito é feita pessoalmente”, diz Uzzi. “O que esta pesquisa me diz é que realmente precisamos respeitar o valor da interação presencial”.