Paloma Ferreira, assistente de gerente de plataforma da Ocyan (Ocyan/Divulgação)
Victor Sena
Publicado em 30 de agosto de 2021 às 15h45.
Última atualização em 31 de agosto de 2021 às 13h04.
De todo o petróleo e gás natural produzidos pelo Brasil, que somam 3,7 milhões de barris por dia, quase tudo vem do mar. São 97%, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A quilômetros da costa de estados como São Paulo, Rio, Espírito Santo e Bahia, trabalhadores costumam passar 15 dias nas plataformas e 15 dias em terra, de folga. Nesse setor, as carreiras mais comuns costumam ser masculinas.
Uma pesquisa feita pela petroleira Ocyan, antiga Odebrecht Óleo e Gás, mostra que as mulheres que trabalham embarcadas até destacam pontos positivos da área, como boa remuneração, mas apontam que há muito tratamento diferenciado e o ambiente é preconceituoso.
O principal ponto negativo apontado pelas profissionais mulheres foi a distância das famílias, mas em seguida vêm questões relacionadas ao machismo.
Outra pergunta questionou por quais situações desagradáveis as mulheres já passaram. Das respondentes, 30% já passaram por alguma situação de assédio físico nas plataformas de petróleo. Para 27%, o tratamento costuma ser diferenciado na delegação de tarefas e 23% já ouviram comentários abusivos ou machistas.
A pesquisa da Ocyan, em parceria com o Instituto Ipsos, ouviu uma amostra de 60 mulheres do setor. Entre as profissões, estavam técnicas de segurança, operadoras de rádio e engenheiras operacionais das plataformas que ficam em alto-mar.
Para Cristina Pinho, diretora executiva do Instituo Brasileiro do Petróleo e membro do conselho executivo da Ocyan, as empresas podem e devem fazer ajustes para mudar essas realidade.
"A primeira coisa que ela tem de fazer é proporcionar um ambiente acolhedor, onde há infraestrutura para a mulher a bordo e haja respeito pela mulher por parte de seus pares e haja a possibilidade dessa mulher ascender a cargos importantes. Outro ponto é o da ajuda familiar. Você tem de ter algumas flexibilidades. A mulher grávida, por exemplo, depois de determinado ponto não pode mais embarcar, mas não quer dizer com isso que ela precisa precisa perder aquele cargo. Então a empresa tem de ter a possibilidade de no retorno oferecer de novo aquele cargo e não impedir que ela não vai mais embarcar", defende.
A conselheira da Ocyan também afirma que há uma percepção ruim do trabalho offshore pelas mulheres, o que explica em parte por que há poucas mulheres trabalhando em plataformas em plataformas de petróleo e empresas de serviço. Cristina ressalta que essa percepção ruim sobre o ambiente de trabalho pode ser porque o ambiente é realmente ruim.
"Há poucas mulheres interessadas, mas há também um grupo de mulheres que potencialmente poderiam estar lá, mas não estão. Não estão porque elas têm uma percepção de que um trabalho com muito sacrifício, sem apoio, e que não vai dar visibilidade para ela. Não acredito que não têm mulheres com a formação para ocupar essas vagas".
A Ocyan presta serviço para petroleiras como a Petrobras, Karoon e PetroRio. O Brasil tem hoje 37 empresas explorando petróleo, segundo a ANP, o que só foi possível com o fim do monopólio da exploração na década de 1990. A estatal Petrobras, porém, ainda tem direito a preferência nos leilões dos campos feito pelo governo.
Quanto às atitudes machistas, as mulheres afirmam que as situações que mais acontecem é elas serem tratadas como se não pudessem pegar equipamentos pesados.
Entre as mulheres que já pensaram em trocar de profissão, 48% afirmam que a desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres foi o principal motivo.
Para 69% delas, homens têm mais chances de alcançar os cargos de lideranças no setor off-shore.
O aumento da igualdade de gênero é considerado um dos pontos essenciais para a agenda ESG das empresas.
No setor de óleo e gás, a discussão acaba focando mais na redução de emissões de carbono, mas a agenda da melhoria das relações de trabalho e aumento da participação feminina no segmento off-shore está entre as preocupações de instituições do setor como o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP).
Para o Instituto, a equidade de gênero e inclusão são pontos essenciais da agenda ESG para o setor de óleo e gás porque "atendem aos objetivos determinados pela ONU para o desenvolvimento econômico mundial sustentável e harmônico."
Cristina Pinho ressalta que equipes diversas tornam as empresas mais eficientes e que a letra S da sigla não é só responsabilidade social.
"O S do ESG é a parte social, uma parte que envolve uma série de coisas, que não envolve somente aquele trabalho que vinha já sendo feito por muitas empresas, que é de você procurar ter a sustentabilidade no entorno da sua empresa. Mas além disso surgiu o seguinte. Estudos feitos há dez anos já mostraram uma correlação muito forte e agora cada vez mais comprovada entre diversidade étnica, racial e de gênero e também regional e inovação, solução do problemas, análises de risco e tudo contribuindo para uma performance melhor da empresa", destaca.
Apesar de ter registrado na pesquisa esses episódios de machismo, o Ipsos verificou que as mulheres que trabalham embarcadas acreditam que a situação tem melhorado. Para 83% delas, há avanço no debate e ações sobre equidade nos últimos anos.
Elas reconhecem também que as empresas têm contratado mais mulheres para irem para alto-mar, mas afirmam que este é o principal motivo para que haja ainda tanta diferença entre os sexos no segmento: pouca oportunidade e incentivo profissional para elas.
Na Ocyan, que contratou o estudo, há uma gerente e comandante de sonda (espécie de plataforma focada em perfurar novos poços).
Para reforçar a cultura da diversidade e seus compromissos ESG, a Ocyan criou grupos de afinidade em 2020 e determinou que cada vice-presidente fosse mentor de um desses grupos. Eles são três: gênero, LGBTQI+ e raça.
É desse contexto, e no grupo de gênero, que surgiu a necessidade de ouvir as mulheres que trabalham embarcadas para entender o que acontece em alto. De acordo com o vice-presidente de Pessoas da Ocyan, Nir Lander, nem sempre as mulheres se sentiam confortáveis de abordar o tema abertamente em grupos de trabalho sobre igualdade que a própria empresa fazia. Por isso, surgiu a necessidade de se contratar o Instituto Ipsos.
"A ideia era realmente abrir para o setor como um todo. Com isso, a partir do momento que a gente lançou a pesquisa, a gente teve uma outra grata surpresa. Quando a gente lançou e publicou isso nas mídias sociais mulheres voluntariamente começaram a se engajar nos nossos posts e se sentiram acolhidas ali e seguras para trazer sua experiências", explica.
Outro ponto de destaque da pesquisa evidencia o assédio. A maioria das mulheres (83%) acredita que apresentar uma queixa contra assédio sexual e morar pode prejudicar sua carreira. Na visão de Cristina Pinho, isso é grave pois evidencia uma cultura do silenciamento.
"São preocupações que existam na minha época. Se isso continua sendo uma preocupação, é um mal sinal. Se a mulher não se sente protegida por um canal em que realmente vai se fazer alguma, ela não vai falar. Se não tiver o canal adequado, providências e, caso seja verdade, punição, a mulher não vai falar nunca mais", diz.
O vice-presidente de Pessoas da Ocyan, Nir Lander, destaca que os canais de denúncia devem ser independentes, isentos, e os comitês de investigações precisam de mulheres que possa fazer um contrapeso caso haja algum viés.
Para o futuro, o executivo da petroleiro aposta na criação de canais de denúncias do setor de óleo e gás, que possam dar mais uma camada de sensação de segurança caso alguma mulher não sinta confiança em suar os de suas empresas.