Coreia do Sul: orgulho de dar duro ajudou a levar o país outrora rural para longe das agruras da guerra, transformando-o em uma potência econômica
Da Redação
Publicado em 6 de agosto de 2018 às 16h41.
Última atualização em 6 de agosto de 2018 às 18h36.
Seul, Coréia do Sul – Lee Han-bit ajudou a produzir uma série de televisão chamada “Drinking Solo”, sobre jovens adultos estudando para um concurso público que muitas vezes bebem para aliviar a ansiedade. Porém, trabalhando durante várias semanas sem descanso, e pedindo a seus próprios empregados que trabalhassem 20 horas por dia, Lee foi consumido pelas próprias pressões.
Ele se matou poucos dias antes de completar o projeto, deixando um bilhete em que criticava a cultura de trabalho sul-coreana, que o explorou e exigiu que explorasse sua equipe.
“Eu também não passava de um trabalhador, mas, para eles, eu não era nada mais nada menos que um gerente que tinha que exigir o máximo possível dos funcionários”, escreveu.
A mensagem reverberou por toda a Coreia do Sul, país que há muito tempo trabalha muito e muito tempo.
O Japão deu ao mundo o conceito de “morte por excesso de trabalho”, mas os sul-coreanos trabalham mais horas, de acordo com dados trabalhistas. A polícia sul-coreana diz que essa pressão influi em mais de 500 suicídios por ano, de um total nacional de cerca de 14 mil.
As autoridades estão tentando mudar isso. Uma nova lei que entrou em vigor em julho limita a semana a 52 horas de trabalho para muitos funcionários. O governo quer que as empresas liberem seus empregados à noite e nos fins de semana. Um telefonema para o Ministério do Trabalho é atendido com uma mensagem de voz gravada que diz: “Nossa sociedade está sofrendo com o excesso de trabalho”. O tempo livre extra é especialmente benéfico para os jovens, que muitas vezes não compartilham a filosofia do “trabalho-acima-de-tudo” dos pais.
Woo Su-Jin, designer gráfica de 26 anos, disse que a empresa de mídia onde trabalha agora permite que chegue mais tarde caso tenha trabalhado até tarde na noite anterior. As reuniões, com refeição e bebida, que costumavam durar das sete da noite a uma da amanhã, agora terminam mais cedo, depois de uma rodada de drinques em vez de três.
“Meus colegas e eu preferimos ir para casa mais cedo a trabalhar mais, mesmo que fôssemos pagos pelas horas extras”, disse Woo.
A relação da Coréia do Sul com o trabalho é complexa. O orgulho de dar duro ajudou a levar o país outrora rural para longe das agruras da guerra, transformando-o em uma potência econômica, produzindo marcas como Samsung e Hyundai, conhecidas em todo o mundo.
Trabalhar longas horas também costumava ser visto como um emblema de honra, especialmente para o homem que sustentava a família em uma sociedade patriarcal. Apesar disso, alguns chamaram a atenção para condições difíceis – como o operário que se imolou no começo do movimento trabalhista de 1970, e ainda é evocado hoje pelos ativistas.
Os sul-coreanos muitas vezes sofrem com uma cultura de trabalho que chamam de gapjil. Essa palavra descreve o sentido imperioso do direito de figuras de autoridade, que devem ser servidas e ter seus caprichos atendidos pelos funcionários.
O exemplo mais famoso é o incidente da “fúria das nozes”, no qual a filha do presidente do Korean Air teve um chilique porque não gostou do modo em que as mesmas lhe foram servidas em um voo. O incidente e diversas mortes – incluindo o suicídio de Lee, o produtor de televisão – criaram uma nova urgência para que o país mudasse a cultura no local de trabalho.
Quando uma funcionária do governo, que acabara de se tornar mãe, morreu em 2017 após desmaiar no escritório em uma manhã de domingo, o presidente Moon Jae-in, que ainda era candidato na época, escreveu no Facebook: “Não podemos mais ser uma sociedade onde o excesso de trabalho é encarado como algo normal”.
Além disso, expedientes muito longos não são uma coisa boa para a economia. A produtividade diminuiu consideravelmente, enquanto que o desemprego entre jovens alcançou 10 por cento, apesar de uma taxa nacional muito mais baixa.
Moon, eleito em 2017, e os especialistas culpam práticas de trabalho desatualizadas, incluindo as do governo, que permitem que os gerentes mantenham os funcionários de plantão para completar tarefas que vão surgindo. Embora esse sistema dê aos chefes maior flexibilidade para atribuir responsabilidades, não beneficia necessariamente a organização como um todo.
“Funcionava no passado, quando os coreanos tinham fome, mas os tempos mudaram”, disse Yu Gyu-chang, professor de Gestão de Recursos Humanos da Universidade Hanyang.
Moon quer que as empresas contratem mais pessoas. Ele cita a pesquisa que mostrou um aumento na produtividade com cada ponto percentual de horas de trabalho semanal reduzida. Durante sua campanha, comprometeu-se a criar 500 mil novos empregos tentando impor uma semana de trabalho de 52 horas.
“O trabalho habitual prolongado é o culpado pela baixa produtividade de Coreia”, disse ele em julho depois que o limite de horas entrou em vigor.
Essa mensagem encontrou um público simpático entre os jovens do país, que aprenderam a valorizar seu tempo de lazer conforme as velhas atitudes iam relaxando. Até que uma semana de cinco dias foi introduzida em 2004, muitos sul-coreanos não tinham sábados livres.
“Antes, as pessoas sacrificaram o presente para garantir o futuro. Agora, elas têm que ser e querem ser felizes”, disse Yu, o professor.
Muitas empresas estão deliberando novas políticas. Mais de 700 das 3.672 grandes companhias e organizações do setor público da Coréia do Sul contrataram novos funcionários ou têm planos para fazê-lo, segundo o ministério do Trabalho, embora não tenha ficado claro se esses novos contratados trabalhariam em tempo integral.
Outras organizações introduziram políticas para limitar a rotina das horas extras. Em maio, o governo da cidade de Seul começou a exigir luzes apagadas e computadores desligados às sete da noite das sextas-feiras.
Na companhia de seguros onde trabalha Park Jung-min, 46 anos, os computadores são automaticamente desligados às seis da tarde. Os funcionários também são incentivados a pedir permissão prévia para trabalhar horas extras.
“Se não sabemos com antecedência que teremos que trabalhar depois das seis, então temos que ligar o computador novamente e fornecer razões para fazê-lo”, disse Park, descrevendo o processo como um incômodo ocasional. “No geral, acho que essa nova semana de 52 horas é boa para o equilíbrio entre vida e trabalho, do qual os coreanos agora fazem questão.”
Ainda existem muitas lacunas, dizem os críticos. Não está claro se as viagens de negócios ou o entretenimento de clientes serão incluídos no limite de 52 horas. Algumas indústrias, como a de cuidados de saúde e transporte, receberam isenções. As empresas também podem encontrar outras maneiras de evitar a contratação de mais pessoas.
“Os funcionários levariam o trabalho para casa, o que seria um acordo tácito entre chefes e subordinados”, disse Kim Yu-kyong, advogado de trabalho da Organização para os Direitos Humanos dos Trabalhadores.
O Sindicato dos Trabalhadores de Transmissão, formado por funcionários freelancers da televisão depois que a nova lei entrou em vigor, disse que recebeu mais de 30 queixas nos primeiros dois dias. Um funcionário, segundo ele, trabalhou das sete da manhã às três da madrugada e teria que voltar às sete do dia seguinte.
“Dá tempo só de tomar uma ducha e tirar uma soneca de uma hora e pouco”, disse Kim Du-young, funcionário do sindicato.
Embora leve mais dois anos para que as horas máximas sejam aplicadas em empresas menores, muitos veem o limite como algo que já deveria ter ocorrido há tempos.
“Tem que funcionar. A prática existente até hoje era muito desumana”, disse Kim.
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