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Conheça a empresa que tem piso salarial de R$ 7 mil para os funcionários

Para os fundadores Tiago Santos e Mauricio Carvalho, aumentar o salário da equipe foi a realização de um sonho que começou junto com o negócio

Maurício Carvalho e Tiago Santos, fundadores da Husky: empresa adotou um piso salarial de R$ 7 mil e 40% da empresa teve reajuste automático (Husky/Divulgação)

Maurício Carvalho e Tiago Santos, fundadores da Husky: empresa adotou um piso salarial de R$ 7 mil e 40% da empresa teve reajuste automático (Husky/Divulgação)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 30 de março de 2022 às 06h00.

Última atualização em 1 de abril de 2022 às 11h01.

“Deu barulho, mas não foi uma decisão difícil de tomar pra gente”, reflete Tiago Santos, CEO da fintech Husky, sobre o anúncio de que a empresa vai adotar um piso salarial de 7.000 reais para toda a equipe.

O executivo e seu cofundador, o CTO Mauricio Carvalho, contam para a EXAME que o movimento era um desejo quase tão antigo quanto a fintech fundada há seis anos.

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Os dois resolveram abrir o negócio para facilitar a burocracia de receber pagamentos no exterior após ambos trabalharem remotamente para a empresa americana Must Have Menus, dedicada a tecnologias como QR Code capazes de facilitar a digitalização de cardápios de restaurantes. Vendo as complicações de receber o salário de fora e em outro câmbio, eles encontraram uma oportunidade de negócio.

Segundo os fundadores, o salário dos funcionários sempre foi pauta de suas reuniões. Santos conta que começar a trabalhar para a empresa estrangeira e ganhar em dólar foi o momento de virada em sua vida, em 2014.

“Foi o momento que mudou minha vida financeira. Até então eu trabalhava para pagar meus boletos. Nessa virada, o aumento da cotação do dólar me ajudou a pagar o apartamento, fazer uma reforma, trocar um piso. Nada de outro mundo, coisas básicas. Mas as pessoas sofrem bastante por coisas básicas”, afirma Santos.

E os dois viam que isso poderia ser a realidade para os seus funcionários também. Segundo pesquisa do Dieese, o salário-mínimo do Brasil em 2022 deveria ser de 5997,14 reais. Apenas 5% dos brasileiros recebem mais de 7.000 reais, de acordo com o levantamento da empresa que ajudou a chegar à quantia.

Para o CTO, não é possível que a fintech sozinha resolve o problema do Brasil, mas ele espera que consigam ser justos com a equipe.

A partir do mês de março, 40% dos funcionários teve um reajuste automático nos salários para a nova base. No total, eles calcularam que isso gera um impacto de apenas 6% no orçamento para folha de pagamento.

Para executar esse plano antigo, Carvalho conta que o maior obstáculo era, em suas palavras, “tirar a empresa do buraco”. Desde o início, a fintech funciona com o próprio caixa, sem a entrada de investidores.

“Quando percebemos que não íamos quebrar mais, foi há dois anos. Tivemos quatro anos de perrengue, tentando sobreviver. Há dois anos, com essa segurança, a gente já vinha aumentando a remuneração. A notícia agora é mais o fim dessa história”, diz o CTO.

Assim, a primeira equipe a ficar sabendo da novidade foi a financeira. Afinal, o ajuste de 6% ainda precisava ser aprovado - e passou sem problemas.

“Eles receberam com alegria que era isso que íamos fazer com o caixa. Quem ficou mais incrédulo foi o RH. Acho que ficaram preocupados com o financeiro...”, diz Carvalho.

Atualmente a empresa tem 30 funcionários e uma projeção de dobrar o tamanho da equipe em 2022. A ideia deles é criar um ambiente horizontal e de alta performance, mas que os funcionários trabalhem com segurança financeira.

Com mão de obra de tecnologia, uma das mais demandadas pelo mercado, ele aponta o contraste entre funcionários que ganham em torno de 30.000 e 40.000 reais e dos que ganham entre 3.000 e 5.000 reais.

“E a pessoa não trabalha menos, só escolheu uma profissão diferente. Queremos dar um reconhecimento mínimo para todos aqui”, afirma o CTO.

Na média salarial de mercado, um profissional da área de atendimento tem salário entre 2.500 e 4.000 reais. Porém, essas são as pessoas que ouvem os problemas dos clientes e levam novas ideias para que as áreas de tecnologia possam construir soluções.

“A gente veio de origem humilde, sabe como é diferente ter um pouco mais de dinheiro e poder evoluir na carreira”, diz o CEO.

Segurança financeira e saúde mental

Os dois fundadores se conheceram no ramo de tecnologia e foi pela tecnologia que conseguiram alavancar suas carreiras. Além de reconhecer no outro a mesma vontade de empreender, eles também perceberam semelhanças em suas histórias.

Tiago nasceu na periferia da Zona Sul de São Paulo, na Vila São José. “Na quebrada do Mano Brown. Tive sorte de ter pais que achavam que o estudo era importante. Minha história é como as outras do pobre brasileiro: fui borracheiro, tirei xerox e já vendi ovo com meu irmão”, diz.

Para se formar na faculdade de Ciência da Computação, seus pais insistiram em dar todo o apoio financeiro até o final do curso.

Mauricio conta que antes dos 17 anos também havia feito de tudo um pouco: entrega de panfleto, vigiar carros e empacotar mercadorias no supermercado. Originalmente de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, e filho de mãe solteira, ele passou parte da infância em Mauá e depois se mudou para Araraquara, também no interior paulista.

“Quando tinha 17 anos, fiz um curso do SENAI que mudou minha vida. Literalmente mudou tudo. Eu percebi ali que se estudasse poderia sair de trabalhos em que ganhava 600 reais e começar a ganhar 1.200 como técnico”, diz.

Ele logo viu que avançar sua educação com uma faculdade iria mantê-lo no caminho de crescimento e mais segurança financeira.

E foi esse fator, e sua relação com a saúde mental, que entrou na equação para decidir o aumento de salário dos funcionários.

O CEO conta que eles nunca tiveram uma missão antes de fundar a empresa. Quando tiveram que pensar nisso ao contratar os funcionários, chegaram à conclusão que queriam três coisas: viver bem, ganhar dinheiro e ter realização profissional.

“Queremos isso para nós, para o time e para os clientes. Quando a gente remove a burocracia do pagamento, estamos liberando tempo da pessoa para ser um programador melhor, um gamer melhor e viver melhor. E para ir passear, viajar e fazer qualquer outra coisa”, diz Santos.

De acordo com pesquisa da Creditas @ Work em 2021, 44% dos profissionais brasileiros disseram ter sua situação financeira prejudicada pela pandemia. Desses, 81% relataram efeitos físicos e mentais por causa dessa situação.

Estresse, ansiedade, insônia, dor de cabeça, estafa e burnout estavam na lista de problemas mais relatados.

Enquanto estudos de psicologia já comprovaram que mais dinheiro não significa exatamente mais felicidade no trabalho, a falta de dinheiro é um grande obstáculo para ser feliz. A psicóloga americana Elizabeth Dunn, por exemplo, descobriu em seus estudos que o dinheiro ajuda a reduzir a tristeza.

Além disso, em 2015, um estudo conjunto de pesquisadores da Universidade do Missouri, Universidade de Rochester e a Faculdade Knox mostrou que existe um fator em comum em momentos insatisfatórios da vida: a insegurança financeira.

“Pra gente, essa segurança se reflete de várias maneiras na saúde mental. Vai desde não ficar preocupado com a conta de luz quando ligar o ar-condicionado para trabalhar no lugar fresco a escolher uma escola melhor para o filho, fazer um curso para avançar na carreira ou poder socializar depois do trabalho”, afirma o CEO.

O CTO explica que é muito bom fazer o certo, porém a remuneração mínima é também uma condição para que todos possam trabalhar bem. Na empresa, eles reforçam entre os funcionários a importância da educação financeira e continuar investindo em si.

Entre os funcionários que receberam o aumento, eles contam que o momento foi de emoção. E mesmo para quem já ganhava acima de 7.000 reais, o aumento também significou uma satisfação maior.

“Para eles não mudou nada, mas eles já tinham essa percepção da diferença salarial”, afirma Carvalho.

A ideia de um pagamento justo funciona até para eles mesmos. Apesar de ser o CEO e, segundo ele, ter a palavra final, Tiago não acredita que exista uma diferença hierárquica entre ele e Maurício - e não aceita receber a mais que o sócio.

“Não ganho mais que ele, se aumentar o meu, aumenta o dele também. Posso ter a última palavra, mas acho que, em seis anos, não precisei usar esse poder. Aqui a gente acredita que as pessoas são inteligentes e adultas e elas são tratadas dessa forma”, diz Santos.

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