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Camila Pati
Publicado em 8 de novembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 20 de janeiro de 2020 às 11h51.
São Paulo - Duas décadas de condução de entrevistas investigativas com fraudadores e assediadores deram a Mario da Silva Junior extensa experiência em detectar dissimulações no discurso das pessoas.
Ao lado do sócio Renato Santos na consultoria de compliance S2, traz no currículo mais de 4 mil entrevistas com profissionais suspeitos de fraude e de assédio. Seu objetivo é sempre obter informações e determinar a veracidade dos fatos sob investigação.
“Entrevisto pessoas de todos os níveis hierárquicos, do auxiliar de serviços gerais ao CEO”, diz Junior. Para isso, ele e o sócio, criaram uma metodologia própria que usa a empatia para buscar a declaração de culpa. Eles explicam como funciona no recém lançado livro “Manual do Entrevistador Investigativo Moderno”, publicado pelo Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental.
No manual você não vai encontrar nada parecido com estímulo a gritos, coações, batidas na mesa ou qualquer manifestação truculenta na sala de entrevistas. “Nem nos filmes de Hollywood mais nós vemos o investigador sem empatia conseguir a confissão”, diz Júnior.
Demonizar, maltratar e coagir um fraudador são atitudes tão erradas quanto frequentes, de acordo com ele, e que só atrapalham a investigação. Blefar dizendo que já sabe tudo ou jogar uma prova ou evidência na mesa e, com ar de superioridade, pedir que a pessoa discorra sobre o fato só afastam o investigador da verdade.
“Quem confessa não é o fraudador, e, sim, a pessoa que ele era antes de cometer a fraude”, explica Júnior. A abordagem empática e sempre com respeito à dignidade humana e à legislação é o fio condutor de qualquer investigação. Junior diz que é comum ele se colocar no lugar do entrevistado. “Em vários momentos eu digo que na posição dele teria feito a mesma coisa, mas que nós sabemos que há uma consequência”, diz.
As táticas que os dois especialistas usam:
As técnicas descritas a seguir são úteis para entrevistas de investigação realizadas por profissionais que trabalham em compliance, auditoria e recursos humanos. Mas, também podem ser utilizadas para flagrar mentiras e inconsistências do discurso de candidatos em entrevistas de emprego. “Mostramos os melhores tipos de perguntas para entrevista exploratória”, diz.
Os autores explicam no livro que a entrevista deve ser elaborada com diferentes tipos de perguntas. Confira algumas das sugestões do livro:
Pergunta aberta: é usada para ter a versão pura do entrevistado. Exemplos: conte-me sobre sua trajetória profissional; o que você tem a dizer sobre desvio de mercadorias da empresa. É com esse tipo de questionamento que se faz o balizamento.
Esse procedimento realizado nos cinco primeiros minutos da conversa é crucial e sem ele a detecção de mentiras é inteiramente comprometida. No balizamento o entrevistador faz perguntas abertas sobre um tema qualquer em que falar a verdade não traga desconforto algum para o entrevistado.
Pode-se falar sobre a origem do sobrenome da pessoa, sobre suas impressões do clima, o importante é deixar ele falar tranquilamente, sem interferência. Enquanto o entrevistado fala, o entrevistador verifica qual é o padrão de linguagem verbal (palavras, tempo verbal, pronomes, abordagem direta ou indireta, sentimentos e emoções utilizadas) e não verbal (linguagem corporal e expressão faciais).
“Inicio os cinco primeiros minutos com o balizamento por perguntas abertas, até a pessoa mostrar a sua postura verbal e corporal em situações em que a verdade não traz problema algum para ela”, explica Junior. Assim, com base para comparação é possível verificar quando o entrevistado sai do seu padrão verbal e não-verbal.
Pergunta fechada: é o tipo de pergunta em que a resposta é sim ou não. Não serve para coletar informações mas ajuda a detectar dissimulação por meio da análise das reações verbais e corporais.
Técnica do silêncio: consiste em ficar em silêncio olhando para entrevistado por alguns segundos. “Eu faço uma pergunta aberta e quando a pessoa acaba eu fico em silêncio. Isso causa desconforto tanto no entrevistado quanto no entrevistador. Para quebrar o silêncio, o entrevistado acaba falando algo não planejado e pode entregar alguma informação”, diz Junior.
A técnica funciona porque tira o interlocutor da zona de conforto e o força a sair do discurso ensaiado. “As pessoas programam o que vão falar numa entrevista, seja ela de investigação ou de emprego”, diz Junior.
Além de estimular que o entrevistado o preencha com alguma informação, silêncio é mensagem, um marcador. Algo como: “fala sério”, segundo o especialista. “Pergunto para a pessoa se já ofereceram suborno para ela que fala nunca. Fico olhando para cara dela, em silêncio, como se eu dissesse: você trabalha há 14 anos na área de compras e está falando que nunca ninguém ofereceu suborno”, diz.
Pergunta regressiva. Nela a resposta do entrevistado é retomada. Exemplo: Algum chefe já lhe pediu para manipular número para melhorar os resultados? Resposta: Não, de forma alguma. Pergunta: Você está dizendo que em nenhum momento um superior seu pediu manipulação?
“A mensagem que passo é: pense de novo, estou dando mais uma chance a você”, diz. Tanto a técnica do silêncio quanto a pergunta regressiva são utilizadas por ele para checar a consistência do relato.
Outra maneira de verificar consistência do relato é repetir a pergunta exatamente da mesma forma, com as mesmas palavras.
Sinais clássicos de mentira devem ser checados
Há sinais verbais e de linguagem corporal que são tidos como clássicos indicativos de dissimulação. Mas, tenha cuidado, nada é definitivo e esses indícios devem ter consistência verificada de acordo com o padrão demonstrado no balizamento. “ Vejo se ele se repete três ou quatro vezes”, diz o especialista.
Gestos de automanipulação - colocar a mão no nariz, esconder a boca – e alterações fortes de postura são exemplos linguagem corporal que se repetem entre mentirosos.
A expressão facial deslocada do tema da conversa também é suspeita. Se a pessoa está falando de um tema como assédio deve ter uma expressão de raiva, ou tristeza. Um sorriso no rosto seria um indicativo de que o discurso pode não estar alinhado com o sentimento.
“Um sinal verbal forte de dissimulação é a pessoa não responder à pergunta, ainda que ela tenha sido feita de maneira clara concisa e objetiva. ”, diz Junior. Mudanças no tom e na altura da voz também merecem atenção.
Há ainda as muletas de sustentação de uma mentira, do clichê “nada a declarar” à negação reiterada e exagerada. Em vez de falar “não”, a pessoa diz: “nunca, jamais, de forma alguma ou ainda repete a negação: não, não e não”.