Michael Kienle, da L’Oréal: Acreditamos e sabemos que equipes diversas apresentam melhor desempenho por terem ideias diferentes (Divulgação: L'Oréal)
Repórter
Publicado em 8 de novembro de 2023 às 07h07.
Última atualização em 23 de outubro de 2024 às 00h54.
“É muito difícil de descrever o que eu senti quando conheci a história por trás da Pequena África aqui no Brasil, isso é algo que levarei comigo de volta a Paris,” diz Michael Kienle, vice-presidente de Aquisição de Talentos Global da L’Oréal sobre o momento em que visitou a região “Pequena África”, zona portuária do Rio de Janeiro que mais recebeu escravizados no mundo. Neste local, foram encontrados ossos e objetos de uma época em que a venda de escravos fazia parte do comércio global.
Localizada ao redor da sede brasileira da L'Oréal, no centro do Rio, na região do Cais Valongo, a "Pequena África" reforça o compromisso da companhia com a agenda de diversidade, equidade e inclusão ao promover circuitos na região e oficinas para estudantes do ensino público. Por meio deste tour, não apenas alunos, mas executivos da empresa e qualquer cidadão pode conhecer a história afro-brasileira que esclarece os dilemas e segregações atuais da sociedade, as quais chegam inclusive ao mercado de trabalho.
Para quebrar estigmas, como os raciais e os de gênero, além da "Pequena África", a L'Oréal aposta em outros programas de educação e atração de talentos, a fim de poder contar com ideias de diferentes profissionais para atender diferentes públicos. É o caso de mudanças de áreas e de filiais que podem atrair profissionais da Geração Z, ou do "L'Oréal for Youth" que investem em estudantes menos favorecidos economicamente.
Em entrevista à EXAME e pela primeira vez no Brasil, Kienle comenta os desafios e expectativas para a área de recrutamento global da companhia que hoje é uma das líderes do mundo em produtos de beleza há mais de 100 anos. Entre as principais metas, o executivo reforça que diversificar o time e valorizar todos os tipos de beleza é um dos grandes objetivos da companhia.
Muito além de ser uma estratégia de negócios, muitas empresas estão criando medidas de diversidade, equidade e inclusão para alcançar todos os públicos e ajudar a descontruir preconceitos. E a L’Oréal, segundo o executivo global, é uma dessas companhias, porque aposta no movimento de diversidade há anos por meio de programas que criam oportunidades de emprego e incentivam a educação e formação de talentos que possam representar a diversidade de seus clientes.
“Apostamos na diversidade no nosso quadro de funcionários por três motivos. Em primeiro lugar, é muito, muito importante que os nossos funcionários reflitam a diversidade da sociedade e dos nossos consumidores. Em segundo lugar, acreditamos e sabemos que equipes diversas apresentam melhor desempenho, por terem ideias diferentes.”
Em terceiro lugar, Kienle cita a própria experiência. Quando ele foi recrutado há 24 anos pela companhia, a empresa disse que não queria "clones", ou seja, pessoas com características e conceitos iguais. "Como homossexual, pude ser eu mesmo desde o começo, isso significa que a empresa abraça a diversidade há muito tempo, que é algo que já faz parte do nosso DNA, mas o desafio ainda continua.”
A nível global, a empresa de beleza segue aumentando as metas de diversidade. O executivo afirma que em 2007, dos 300 principais líderes do grupo L'Oréal, 24% eram mulheres e 76% homens.
“Nesta época vimos que era preciso mudar esse número, porque acreditamos no equilíbrio. E assim foi feito, 16 anos depois, ainda em 2023, temos 52% de mulheres na liderança e 48% de homens,” afirma Kienle.
Ter mulheres em todos os lugares não faz parte da estratégia de diversidade da companhia, segundo o executivo, que reforça que a empresa busca globalmente não apenas a diversidade na liderança, mas também um equilíbrio.
“Precisamos também, por exemplo, de mais homens no marketing, onde hoje temos equipes com 80% de mulheres. Então, isso significa que também precisamos injetar um pouco mais de homens nas áreas de comunicação.”
“Por outro lado, os empregos tecnológicos são muito dominados pelos homens, e neste caso precisamos atrair e recrutar mais mulheres. Então, acreditamos fortemente na diversidade, mas também no equilíbrio para uma melhor performance,” diz Kienle.
Ainda sobre o setor da tecnologia, o executivo afirma que o outro objetivo da companhia é ter uma imagem forte para recrutamento de engenheiros de dados e demais setores de tecnologia, além da imagem consistente que já conquistaram na área de marketing.
“Quando as pessoas pensam na L'Oréal, em geral, pensam em marketing de produto, em comunicação, mas queremos que as pessoas associem a empresa também com tecnologia, com trabalhos de dados e engenharia. Assim, vamos conseguir atrair os melhores talentos também nessas áreas”.
L'Oréal for Youth - Educação para os menos favorecidos
A filosofia na L'Oréal é desenvolver talentos a partir de dentro. “Todos os nossos CEOs nasceram na L'Oréal”, afirma o vice-presidente de talentos do Grupo. E alinhado a esse propósito, um dos programas criados pela companhia busca oferecer educação e oportunidades de emprego para jovens de 18 até 30 anos.
Criado em 2021, durante a pandemia, o programa global conhecido por “L'Oréal for Youth” ou “L’Oréal para Jovens”, foi criado para ajudar os jovens a entrar no mercado de trabalho, oferecendo oportunidades de aprendizagem, mentoria, coaching, e-Learnings, master classes para mais de 100 mil pessoas com menos de 30 anos em todo o mundo.
“Não podemos recrutar todos, mas o que podemos fazer é proporcionar acesso à aprendizagem e à educação a milhares de pessoas em todo o mundo. Então, o que fizemos em 2022 foi criar e oferecer 25 mil oportunidades de trabalho para jovens com menos de 30 anos por meio do programa L'Oréal for Youth,” diz Kienle.
O cenário da pandemia estimulou a criação deste programa, segundo o executivo, que relembra que na época muitos jovens, de um dia para o outro, não tiveram mais oportunidades de fazer estágio ou de ter alguma oportunidade de aprendizagem em uma empresa.
“Muitas empresas interromperam os estágios, o que não foi o caso da L'Oréal. Desenvolvemos o e-estágios, e foi ótimo. Com o L'Oréal for You queremos trazer essas pessoas de volta à aprendizagem, para lhes dar acesso à educação.”
O foco do programa está nos jovens menos favorecidos e o executivo afirma que querem tornar esse programa ainda maior.
“Trata-se de um programa particularmente relevante aqui no Brasil, porque o Brasil é um dos países do mundo com maior número de jovens desempregados. Eles não têm os meios e não têm a oportunidade de aprender e crescer, e com esse programa queremos alcançá-los.”
No Brasil, segundo dados do IBGE do segundo trimestre de 2023, há 22.280 pessoas entre 18 e 24 anos desempregadas e 51.124 pessoas entre 25 e 39 anos sem emprego.
Brandstorm: uma competição empresarial
Outro programa da companhia é o Brandstorm, que começou como uma pequena competição de marketing há 31 anos e hoje é uma competição empresarial que tem uma experiência de aprendizagem certificada.
“Tivemos 92 mil participantes no ano passado que participaram da Brandstorm em todo o mundo. No Brasil tivemos 6.400 participantes,” diz Kienle.
O programa funciona da seguinte forma: durante alguns meses, estudantes e profissionais do mercado vão trabalhar num caso de negócio específico para a L'Oréal. Eles fazem isso localmente e depois há um processo de seleção local. Os dez primeiros vão a Londres, apresentam os seus casos e dali sai um vencedor global.
“É uma ótima oportunidade para aprender sobre a L'Oréal, para trabalhar em um caso de negócio concreto, para entrar em contato com os gerentes da L'Oréal e para trabalhar com agências. Por alguns meses, a pessoa trabalha como se você fosse um gerente de produto da L'Oréal. E é, claro, para nós, também se torna uma ferramenta de recrutamento que usamos a mais de 30 anos.”
Muitos profissionais falam da Geração Z, a geração mais jovem, como uma caçadora de empregos, afirma o executivo.
“Escuto é que uma geração que vai de um trabalho para outro, mas acho que a forma como desenvolvemos carreiras na L'Oréal é única. Damos responsabilidade desde o primeiro dia, ou seja, eles são responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso de seus projetos e é assim que eles aprendem,” diz Kienle.
Mudar de função também é uma das estratégias da companhia para manter e desenvolver seus profissionais, diz Kienle.
“É importante fazer os profissionais crescerem por meio da mobilidade funcional e geográfica. Comecei no marketing e fui para recursos humanos. Trabalhei na Alemanha, França, Bélgica e Holanda. E trabalhei em quatro divisões diferentes, como na divisão de luxo, na divisão dermatológica, na de consumo e na divisão profissional. Penso que toda vez que você muda de cargo, é quase uma mudança de empresa,” afirma o executivo da L’Oréal Global.
Para estar em um ambiente completamente diferente não precisa mudar necessariamente de empresa, diz o executivo, que reforça que esse tipo de alteração pode repercutir extremamente bem na Geração Z.
Para a L’Oréal Global, o Brasil está entre os cinco maiores países do mundo quando o assunto é talentos.
“Temos 72 expatriados brasileiros trabalhando em todo o mundo no grupo da L'Oreal. Portanto, este é um dos cinco principais países e acreditamos que para as Américas é realmente o centro de talentos número um,” afirma Kienle.
Além do alto nível de educação, o vice-presidente de talentos da L’Oréal Global afirma que o brasileiro se destaca no mercado global por ser resiliente, ágil, criativo e positivo.
“Os brasileiros em geral têm muita força, mas eu diria três qualidades que são muito compatíveis com a cultura da L'Oréal. Em primeiro lugar, está a resiliência. Vocês possuem muita facilidade de adaptação a diferentes ambientes e circunstâncias, além de serem muito ágeis também.”
“Em segundo lugar, para mim, está a mentalidade positiva. Se houver um problema, vocês encontram uma solução. Enquanto em outros países nem sempre é o caso. Analisamos os problemas antes de encontrar soluções. Portanto, é uma mentalidade muito positiva e energética.”
O executivo também afirma que no Brasil é possível encontrar muitos perfis criativos. “Temos em nossas equipes de marketing internacional, por exemplo, alguns talentos brasileiros realmente criativos. A criatividade e o senso estético do brasileiro estão muito bem desenvolvidos. E nós vemos isso.”
Incluir diversidade na área da beleza é um grande desafio, uma vez que há estereótipos formados na sociedade há décadas. Construir uma mentalidade que mostre a beleza de todos não é uma tarefa fácil, mas no Brasil o ambiente ajuda por ser uma população que possui diferentes raças e culturas.
“Temos 37 marcas globais e essas marcas fornecem produtos e serviços de beleza a consumidores em todo o mundo, aos jovens, aos idosos, às mulheres, aos homens, às pessoas com poder aquisitivo, mas também para pessoas que não têm renda alta. Isso significa que nossos consumidores representam a diversidade da sociedade e precisamos refletir internamente essa diversidade, inclusive no Brasil, que é rico culturalmente.”
A meta de diversidade no Brasil segue a mesma linha que a meta global e busca atingir principalmente três grupos: negros (as), mulheres e PCDs, segundo Anne Jacobson, diretora de Talent Acquisition & Management do Grupo L'Oréal no Brasil.
“Temos uma missão global de contratar jovens entre 18 e 30 anos menos favorecidos, e na realidade do Brasil sabemos que essas pessoas moram em favelas. São de lá que estão esses jovens que precisam de mais ajuda em termos de empregabilidade e de desenvolvimento educacional e consequentemente em sua grande maioria são jovens negros e pardos. Isso não é uma coincidência, é um fato.”
No Brasil, a companhia realizou pela primeira vez neste ano uma ação de mentorias para 152 jovens vindos de comunidade e favelas. “No próximo ano, queremos fazer duas edições e chegar em 500 jovens com acesso a essas mentorias”.
Com o programa “L’Oréal para Jovens”, a empresa conseguiu desde 2021 oferecer mais de mil oportunidades de empregos, por meio dos programas de entrada, como Jovem Aprendiz, estágios e trainees. “Foram 1.500 jovens entre 18 e 30 anos que contratamos em 2 anos e meio. É um grande avanço.”
No mês que é celebrado o Dia da Favela e o Dia da Consciência Negra, a L’Oréal reforça que pretende continuar no mesmo ritmo, focando no aumento do volume de novos funcionários e na atração de pessoas até então “invisíveis” na sociedade para um lugar de destaque na companhia - que segue crescendo no mercado em seus 130 países em que atua: só no ano de 2022 o Grupo gerou vendas no valor de mais de 38.26 bilhões de euros. No terceiro trimestre de 2023 o faturamento do Grupo L'Oréal foi de 30.6 bilhões de euros.