Marianne Bertrand, da Universidade de Chicago: “Mais mulheres em posições de liderança ajudam a mudar normas e crenças sobre onde as mulheres podem e devem estar” (Marianne Bertrand/Divulgação)
Repórter
Publicado em 24 de setembro de 2024 às 16h29.
Última atualização em 25 de setembro de 2024 às 10h27.
“Há evidências crescentes, pelo menos nos países mais ricos, de que as mulheres estão se esforçando para ter tudo, ou seja, uma carreira de sucesso e uma família”, afirma Marianne Bertrand, professora de economia da Universidade de Chicago.
Com doutorado em econômica pela Universidade de Harvard, Bertrand é conhecida por suas pesquisas com temas sobre discriminação e inclusão no mercado de trabalho. Em 2021, a pesquisadora belga fez o estudo "Carreira, família e o bem-estar de mulheres com educação superior", que será debatida em São Paulo, nesta semana, durante o evento "Evidências sobre Políticas de Mercado de Trabalho e Implicações para o Brasil" realizado pela JOI Brasil, instituição que promove políticas públicas para inclusão produtiva no país.
O estudo mostra, por exemplo, que entre os graduados de MBAs de prestígio nos EUA, mulheres chegam a ganhar cerca de 50% menos do que seus colegas homens. “A pesquisa mostra que a diferença está fortemente associada à maternidade e à necessidade de equilíbrio entre carreira e família”, diz Bertrand.
Ao examinar as correlações de bem-estar das mulheres que buscam “ter tudo” das que não buscam um salto profissional, a pesquisa mostra que as mulheres dedicam entre 2 e 3 vezes mais horas semanais do que os homens em atividades domésticas e de cuidado familiar, o que pode contribuir para o aumento do estresse e impacto no bem-estar.
A pesquisa também mostra que essas mulheres sentem que, ao tentar "ter tudo", estão sempre sacrificando algo, porque não conseguem focar 100% no trabalho ou 100% na família, afirma Bertrand.
“A incapacidade de focar na família impacta, sobretudo, na saúde mental dessas mulheres. É um alto preço”.
A pesquisadora da universidade americana está no Brasil esta semana para palestrar no evento "Evidências sobre Políticas de Mercado de Trabalho e Implicações para o Brasil" que será realizado em São Paulo. Em entrevista exclusiva à Exame, Marianne Bertrand, professora da Universidade de Chicago, fala sobre as expectativas e os desafios das mulheres no mercado, principalmente em cargos de liderança - nas empresas e da própria vida.
As normas de gênero estão mudando, mas é um processo lento, muitas vezes multigeracional. Em comparação com o passado, certamente vimos mudanças positivas na maneira como as mulheres são percebidas em termos de sua inteligência e até mesmo de sua capacidade de liderança.
Um estereótipo de gênero que tem sido mais lento para mudar está relacionado à ideia de que as mulheres são melhores cuidadoras, mais devotadas aos outros do que os homens e mais sensíveis do que os homens. Ainda há uma forte expectativa na sociedade de que as mulheres sejam as responsáveis pelo "cuidado" (com os filhos, cônjuges, pais idosos, etc.).
Precisamos de duas coisas: reestruturar o ambiente de trabalho e mudar as normas e estereótipos de gênero para que os homens também possam contribuir mais na produção doméstica e no cuidado dos filhos. Alguns países, especialmente na Escandinávia, estão tentando usar políticas públicas para acelerar o processo de mudança das normas de gênero. Uma política específica que tenho em mente são as "quotas de paternidade", onde o governo incentiva financeiramente os novos pais a tirarem licença para cuidar dos recém-nascidos.
Há outros papéis importantes que o governo pode desempenhar. Por exemplo, sabemos que a oferta de opções de creches de qualidade está associada a níveis mais elevados de participação feminina na força de trabalho, bem como a maior fertilidade.
Algumas profissões são particularmente exigentes, tornando especialmente difícil para as mães terem sucesso, porque elas têm mais dificuldade do que os homens em dedicar as longas horas de trabalho que são exigidas. Em um estudo com formados de um importante programa de MBA nos EUA, descobrimos que as mulheres ganhavam cerca de 50% a menos do que os homens, e que quase toda essa diferença se devia aos filhos.
Trabalhos em finanças, medicina, direito e consultoria exigem longas horas e aplicam grandes penalidades às pessoas que tiram até alguns meses de licença. Mulheres sem filhos e homens (com ou sem filhos) podem se dedicar totalmente a essas carreiras; é muito mais difícil para mulheres com filhos fazerem o mesmo.
Sim, não há dúvida de que algumas partes do mundo são culturalmente muito mais progressistas do que outras quando se trata de normas de gênero. A Escandinávia certamente se destaca por sua progressividade.
No outro extremo, estão lugares como a Índia, onde as mulheres não são esperadas no ambiente de trabalho, especialmente após se casarem e terem filhos.
Minha percepção é que a América Latina está em algum lugar no meio, mais semelhante ao sul da Europa.
Mais mulheres em posições de liderança ajudam a mudar normas e crenças sobre onde as mulheres devem estar. Essas líderes também atuam como modelos para as gerações mais jovens e elevam suas aspirações.
Uma tensão potencial que posso prever no futuro é uma possível reação contra as mulheres, especialmente em economias que não estão criando empregos suficientes, os homens podem se sentir ameaçados pelos avanços das mulheres. Será importante, no futuro, observar a possível emergência desse tipo de mentalidade em escala mais global.