Funcionários do GRU Airport com a professora de inglês (de lenço): duas horas e meia de aula por dia para melhorar a comunicação com os turistas (Omar Paixão)
Da Redação
Publicado em 28 de novembro de 2013 às 19h05.
São Paulo - Em uma de suas rondas rotineiras pelo aeroporto de Guarulhos, Fernando Sellos, diretor comercial do GRU Airport (consórcio que administra o aeroporto), identificou uma atitude comum (e bastante preocupante) entre os funcionários das lojas espalhadas pelos corredores: o despreparo ao lidar com os clientes num dia de forte movimento. “Nenhum dos lojistas parecia preparado para lidar com um movimento fora do usual”, diz Sellos.
“Faltaram desde o atendimento com sorriso no rosto até o estoque de produtos.” Se a situação parece caótica hoje, imagine em junho de 2014, quando 32 países estarão representados na Copa do Mundo no Brasil e o fluxo de pessoas no principal aeroporto do país promete ser maior.
Num dia de forte movimento, Guarulhos chega a receber 16 000 pessoas a mais que o usual. Para evitar assistir a um cenário mais dramático daqui a um ano, o GRU Airport não viu outra saída senão investir em um treinamento de padronização do atendimento entre os 600 lojistas (ainda que eles não sejam funcionários diretos do aeroporto).
Assim como o GRU Airport, redes hoteleiras e companhias aéreas também estão acelerando o desenvolvimento de suas equipes para que possam receber bem os turistas no ano que vem.
Com 19 novas unidades e mais sete previstas para inaugurar até junho do ano que vem, a rede de hotéis InterCity, por exemplo, iniciou em março um programa de liderança para os gerentes que vão assumir os novos endereços do hotel.
Recrutados entre o quadro de funcionários, 12 jovens estão passando por um treinamento composto de aulas presenciais e a distância e que terá duração de dez meses. “Para participar do programa, era necessário ter entre 25 e 35 anos, disponibilidade para mudar de cidade e fluência em, no mínimo, um idioma, além, claro, do português”, diz Juliana Laitano, coordenadora de RH da rede.
Ao fim do programa, os funcionários não só irão assumir a gerência dos hotéis recém-inaugurados como também deverão replicar para suas equipes todo o conhecimento adquirido. A empresa ainda investiu em palestras de conteúdo mais técnico ministradas pelos próprios executivos da rede.
“Conduzi um seminário de dois dias para o canal de vendas com base na realização da Copa em outros países e os tipos de preço praticados, esquema de reserva e outros detalhes específicos desse cenário”, diz Marcelo Marinho, diretor de marketing da InterCity.
E, para garantir que a comunicação não seja um problema no ano que vem, a rede fez uma parceria com a escola de idiomas Yázigi para oferecer um curso de inglês customizado a todos os seus 1 075 funcionários em todos os níveis – do básico ao avançado. Até agora, 40 já concluíram o curso.
Brasileiros bilíngues
O investimento em línguas estrangeiras tem sido uma das prioridades das empresas que devem lidar diretamente com o público em 2014. O GRU Airport ofereceu um espaço dentro do aeroporto para que seus funcionários tenham aulas de inglês e outros idiomas.
O programa começa pelos profissionais que atuam na linha de frente do atendimento – desde os que ficam nos balcões de atendimento até os que orientam as filas de check-in – e oferece diferentes níveis de aperfeiçoamento da língua estrangeira. Quem não domina o inglês participa de aulas práticas e com conhecimento voltado para seu dia a dia no trabalho.
Já os fluentes no idioma são encaminhados para as classes de espanhol. Antes de iniciar o programa, foi aplicado um teste para identificar o nível de fluência de cada um. Dessa forma, os 150 funcionários que participam do primeiro ciclo do curso foram divididos em 17 turmas: 14 de inglês e três de espanhol. O curso é 100% subsidiado pela empresa e tem carga de 40 horas, com encontros de duas horas e meia por dia.
A partir de agosto, a companhia aérea GOL também vai dar aulas de inglês a seus funcionários. O programa de idiomas da empresa terá duração de seis a sete meses e as aulas também serão trabalhadas com base na realidade de trabalho dos profissionais. “Queremos capacitar 5 000 colaboradores para atender melhor o volume de turistas estrangeiros”, diz Luiz André Mello Thomé de Souza, diretor de recursos humanos da Gol.
Quem não tem como bancar sozinho o custo de um programa de idiomas pode recorrer à ajuda do governo. O Pronatec Copa na Empresa – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego –, uma iniciativa do Ministério do Turismo em parceria com o Ministério da Educação e com o Senac, tem um leque de 44 cursos de qualificação presenciais e gratuitos e, na área de idiomas, oferece o ensino de inglês, espanhol, francês e libras.
“Vamos testar na unidade Novotel Center Norte, em São Paulo. Serão ministradas aulas de inglês com carga de 60 horas”, diz o diretor de recursos humanos da rede Accor, Fernando Viriato. Para participar do programa do governo, a empresa deve entrar em contato com a Secretaria Estadual de Turismo de sua cidade e preencher um formulário de inscrição.
As atividades acontecem dentro de um espaço da empresa e no horário também determinado por ela. Ao fim do programa, a companhia recebe uma identificação atestando que o estabelecimento fez parte da preparação do país para a Copa do Mundo de 2014.
Formação para o futuro
Além desse programa de capacitação, o Ministério do Turismo desenvolveu um mais abrangente, o Pronatec Copa. “Ao todo, o MEC investiu 390 milhões de reais nas atividades de formação para a Copa. O Ministério do Turismo deu uma ajuda inicial de 14 milhões de reais, voltada para os cursos de idiomas”, afirma Valdir Moysés Simão, secretário executivo do Ministério do Turismo.
De acordo com Simão, em 2012, o governo contabilizou 57 219 matriculados no Pronatec Copa, dos quais 31 983 já concluíram o curso. “Ainda não temos os dados de 2013, mas nossa meta é gerar 114 000 oportunidades de capacitação”, diz o secretário executivo.
O Pronatec Copa acontece nas cidades consideradas destino turístico para a Copa do Mundo e visa formar mão de obra para atuar nas diversas ocupações do turismo, como recepcionista e camareira. “Não existe um trabalho de colocação das pessoas formadas pelo Pronatec no mercado de trabalho, mas acreditamos que o aquecimento do setor dê conta de inseri-las rapidamente”, diz Simão.
Com um planejamento um pouco mais de longo prazo, a rede americana de hotéis Hyatt criou o programa Pronto para Prosperar, também com o objetivo de capacitar hoje uma mão de obra que poderá operar no futuro, quem sabe até na nova unidade do grupo, o Hotel Grand Hyatt Rio de Janeiro, previsto para ser inaugurado em 2015.
O programa recebeu investimento de 1 492 milhões de reais e conta com o apoio de duas organizações sem fins lucrativos, a AlfaSol e a Associação Projeto Roda Viva. A AlfaSol é responsável pela formação de 200 jovens de baixa renda de 16 a 23 anos em turismo e hospitalidade.
Já a Associação Projeto Roda Viva se encarrega de beneficiar 400 jovens por meio de diferentes cursos profissionalizantes, como o de padeiro e confeiteiro. “Nossa meta é desenvolver potenciais para o mercado de turismo e, com isso, suprir a demanda gerada pela Copa e pela Olimpíada”, diz Miguel Angel Bermejo, diretor regional de recursos humanos da Hyatt.
“Depois de dois anos de especialização, esses jovens poderão ser contratados também em uma dessas nossas unidades.” Para Bermejo, a Copa criou diversas demandas no setor turístico, e uma delas é a melhoria no atendimento ao cliente e no acolhimento do hóspede.
Exatamente por essa nova exigência, a rede Accor criou um programa denominado Bem Receber Copa, composto de mais de 40 cursos, todos eles dirigidos aos profissionais da linha de frente. “Até agora, 184 pessoas passaram pelo treinamento, aprimorando competências como hospitalidade e capacidade de fornecer informações turísticas sobre a cidade”, diz Viriato, diretor de RH da rede Accor.
Estrategicamente, a segunda etapa da capacitação do time vai ocorrer apenas agora, no segundo semestre. “Temos um turnover de 50% ao ano, então não adiantava formar todos os colaboradores com muita antecedência”, diz.
Também preocupada em elevar seu atendimento, a Gol deve oferecer um treinamento especial a 11 000 de seus 16 470 colaboradores. “Desta vez, convocamos não só os profissionais de linha de frente mas também o call center e a tripulação do avião”, diz Thomé de Souza.
A ideia é que, após passar pelo treinamento, os profissionais tenham uma melhor noção das diversas áreas da empresa e que possam até atuar em diferentes setores da Gol em caso de necessidade. O principal objetivo, no entanto, é causar uma boa impressão no turista gringo e garantir que, depois de dois anos, ele volte para os Jogos Olímpicos. Afinal de contas, a primeira impressão é a que deve ficar.