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Eles querem briga

As razões que levam executivos vitoriosos, perto dos 60 anos, a comandar empresas problemáticas em vez de se aposentar

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h31.

Não é evidente por que os executivos retratados nesta página estão na mesma reportagem. O primeiro é Raul Rosenthal, sócio da consultoria Íntegra, que participa da administração da Parmalat. O segundo, Álvaro de Souza, preside o conselho de administração da portuguesa SAG, controladora da locadora de veículos Unidas. O terceiro é Paulo Castelo Branco, presidente da NEC do Brasil. O último é Neville Isdell, presidente mundial da Coca-Cola. Todos têm algo em comum, além da idade, nas cercanias dos 60 anos. Em sua vida profissional, quando, vitoriosos, estavam prestes a usufruir a aposentadoria, decidiram assumir a liderança de empresas em dificuldades e com grandes desafios.

Pergunte a cada um por que prefere administrar empresas problemáticas a pescar ou a viajar pelo mundo com sua família, e as respostas não serão muito objetivas. "O ser humano só evolui quando sai da zona de conforto", diz Castelo Branco, de 60 anos. Depois de 34 trabalhando na fabricante de equipamentos de telefonia Ericsson, ele estava prestes a se aposentar como vice-presidente quando, em 2001, foi convidado a ir para a NEC. Sua tarefa é concluir uma complicada reestruturação que transformou a empresa de fornecedora de equipamentos em prestadora de serviços de telecomunicações. "Não quero abrir mão dos meus sonhos", diz Rosenthal, de 56 anos, ex-presidente da American Express. Com seu sócio Nelson Bastos, ele está diante da missão de reerguer a Parmalat no Brasil depois do escândalo que devastou a empresa italiana. "Para alguns, é difícil se reconhecer como gente sem um cartão de presidente e o logotipo de uma empresa", diz Souza, de 56 anos. À frente
do conselho da Unidas, ele está empenhado em fazê-la passar para o primeiro lugar no ranking nacional das locadoras de veículos.

Souza é o caso clássico do executivo que diz preferir viver sem a adrenalina do poder. Depois de 32 anos no Citibank, coroados pela presidência do Banco no Brasil, ele se aposentou. "Após tantos anos para lá e para cá com uma muda de roupa no jatinho da empresa, estou gostando desta vida tranqüila", diz Souza. Tranqüilidade, para ele, é, além de se ocupar com a Unidas, administrar a AdS, uma empresa de gestão, consultoria e investimentos, e ainda ser voluntário na World Wildlife Foundation, uma das maiores organizações protetoras da vida animal do mundo. "Quem teve uma vida profissional rica e desafiadora não consegue mais parar de viver essas emoções", diz Aguinaldo Néri, consultor de recursos humanos e professor de psicologia da PUC de Campinas.

Executivos como Souza são exceção num mundo em que a maioria dos profissionais maduros parece desvalorizada. Pressionadas por tabus e pelos altos custos de saúde que as pessoas mais velhas representam, as empresas americanas estão fazendo os cinqüentões viver em angústia permanente. Um recente estudo mostra que, neste século, profissionais entre 55 e 64 anos são os primeiros demitidos em momentos de crise. Calcula-se que, até 2012, apenas nos Estados Unidos existirão 8,3 milhões de profissionais nessa faixa etária que poderão ser transformados em empreendedores ou consultores involuntários.

Quando têm reconhecimento do mercado e disposição para continuar brigando, os executivos que não largam o osso podem ser financeiramente muito bem recompensados. "Empresas com problemas sérios ou com grande necessidade de expansão estão dispostas a pagar pela experiência de um executivo bem-sucedido", diz o headhunter Francisco Britto, da Boyden. O irlandês Neville Isdell, de 61 anos, fez toda a carreira na Coca-Cola, onde se aposentou, em 2001. No ano passado, em meio a uma crise sucessória, foi chamado para presidir a empresa. Calcula-se que ele tenha ganhado 11 milhões de dólares em 2004 para descobrir como enfrentar a concorrência de sucos, chás e isotônicos. Claro que, para não parar nunca, esse pessoal precisa da compreensão das mulheres, que, geralmente, passam décadas ouvindo promessas de que a diversão vai começar assim que chegar o dia da aposentadoria. "Jamais me arrependi de ter apoiado meu marido nas suas decisões", diz Sônia, casada há 30 anos com Rosenthal. Ele já avisou à mulher o que deseja que seja inscrito no seu epitáfio: "Este foi embora contra a vontade, pois gostava muito disso aqui".

Raul Rosenthal
Idade: 56 anos
Cargo anterior: presidente do Banco Meridional, do grupo Bozano,
Simonsen
Cargo atual: sócio da consultoria Íntegra, que administra a Parmalat
Principal desafio: reerguer a Parmalat depois de um escândalo que devastou
a empresa

Álvaro Antonio Cardoso de Souza
Idade: 56 anos
Cargo anterior: presidente do Citibank
Cargo atual: presidente do conselho da SAG do Brasil, controladora
da Unidas
Principal desafio: fazer a Unidas passar de segunda colocada no
mercado de locadoras de automóveis para a liderança

Paulo Castelo Branco
Idade: 60 anos
Cargo anterior: vice-presidente da Ericsson
Cargo atual: presidente da NEC do Brasil
Principal desafio: concluir a reestruturação que transformou a
NEC de fornecedora em prestadora de serviços de telecomunicações
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