Loubna Al Hraki, refugiada árabe e professora de inglês do Instituto Adus: “De onde eu vim tinha guerra e as mulheres não têm tantos direitos como aqui no Brasil. Então, eu e meu marido decidimos procurar um lugar que poderia dar um futuro melhor para as nossas filhas” (Instituto Adus /Divulgação)
Repórter
Publicado em 20 de junho de 2024 às 08h00.
Última atualização em 24 de junho de 2024 às 14h57.
O Dia Mundial do Refugiado é uma data internacional criada em 2001 pelas Nações Unidas para homenagear as pessoas refugiadas em todo o mundo. Ele ocorre todos os anos em 20 de junho e celebra a força e a coragem das pessoas que foram forçadas a deixar seu país de origem em razão de conflitos ou perseguições.
No Brasil, o governo reconheceu mais de 77 mil pessoas como refugiadas em 2023, o maior número ao longo de toda história do sistema de refúgio nacional, de acordo os dados da 9ª edição do Anuário Refúgio em Números do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra).
Para além da formalização, o ponto decisivo para adaptação em um novo país é o acesso a oportunidades dignas de emprego.
Para entrar no mercado de trabalho, um dos empecilhos dos refugiados é o idioma. Foi pensando na inclusão dessa população na sociedade brasileira, que o Instituto Adus foi criado por Marcelo Haydu, graduado em Relações Internacionais e mestre em Ciências Sociais, em 2010.
“A criação do Instituto foi inspirada pela chegada de refugiados haitianos após catástrofes naturais. Vimos a necessidade de apoio, como ensino do português, ajuda com documentação e de acolhimento e proteção”, afirma Cleita Fernandes, diretora executiva do Instituto Adus.
As aulas eram realizadas de forma voluntárias por professores de letras na sede do Instituto que fica no centro de São Paulo, que atendem desde refugiados quanto solicitantes de refúgio.
Com a Copa do Mundo de 2014 no Brasil uma nova ideia surgiu na direção do Instituto Adus. “Sabemos da limitação que existe hoje no ensino de idiomas no Brasil e vimos com a Copa a necessidade do brasileiro de se comunicar cada vez mais em outros idiomas. Foi aí que tivemos a ideia de além de ensinar o português, ensinar os refugiados a darem aula de idiomas”.
Foi assim que surgiu o programa “Nós, o mundo”, em 2015, uma escola de idiomas do Instituto que oferece aulas de inglês, francês e espanhol, de forma presencial e online.
“As aulas online começaram durante a pandemia e vimos que podemos chegar em alunos de todo o Brasil”, afirma Fernandes que reforça que além do idioma, os refugiados também ensinam a cultura deles. “Isso torna a aula ainda mais interessante, além de estimular o respeito pelas diferenças”.
A refugiada árabe Loubna Al Hraki foi uma das alunas do Instituto Adus. Ela chegou no Brasil em 2018 com o marido e três filhos. Para conquistar uma vida digna no Brasil, enquanto o marido trabalha como Uber, Hraki faz uma jornada tripla: além de mãe e dos deveres domésticos, faz faculdade de letras na USP e trabalha como professora de inglês no Instituto.
“Eu ouvi sobre o Adus assim que eu cheguei aqui, uma amiga minha amiga que me indicou. Ela falou para mim, se você quer aprender português, vai no instituto que ele irá te ajudar com isso.”
Hraki não sonhava em ser professora em sua terra natal. Devido à cultura, casou-se cedo e com a guerra na Síria sonhar em ter uma vida melhor e próspera estava muito distante dos planos.
“De onde eu vim as mulheres não têm tantos direitos como aqui no Brasil. Então, eu e meu marido decidimos procurar um lugar que poderia dar um futuro melhor para nossas filhas”, diz a estrangeira que por outro lado afirma que o ensino do inglês é forte no seu país de origem.
“Nasci nos Emirados Árabes e lá o ensino do inglês é muito forte, é o segundo idioma e todo mundo sabe falar. Só depois dos 16 anos que me mudei para a Síria. Hoje falo árabe, inglês e português”.
Neste ano, a diretora afirma que o foco do programa de idiomas está em aulas in company, em que empresas contratam por um período um professor refugiado para dar aula para os funcionários dentro da companhia.
“A primeira empresa que contratou esse serviço foi o Nubank. Hoje já contamos com outras parcerias como banco francês BNP, Líder Expressões, empresa de segmento industrial, e a Pieralisi, empresa italiana de maquinários”, diz a diretora.
O Instituto se mantém financeiramente por meio do programa de idiomas "Nosso Mundo" e de doações de pessoas jurídicas, afirma Fernandes.
As inscrições para a próxima turma de inglês, espanhol e francês já estão abertas com opções de dias e horários, com módulos que podem durar entre 5 e 10 meses. As aulas contam com professores de diferentes nacionalidades, como Síria, Camarões, Venezuela, Ghana, Cuba, entre outros. Com cerca de 180 professores capacitados, a ‘Nós, o mundo’ já formou cerca de 7 mil alunos desde a sua criação em 2015.
Considerando todos os serviços de ensino do português, de auxílio de documentação e ensino de idiomas, já passou pelo Instituto Adus mais de 65 nacionalidades e 27 mil pessoas já foram beneficiadas pela organização.
Ao investir em projetos como o “Nosso Mundo”, a diretora do Instituto reforça que é uma forma de promover a integração dos refugiados na sociedade brasileira.
“É um ensino de mão dupla, além do aprendizado dos alunos, temos também aqui o aprendizado dos professores, os quais têm a oportunidade de conhecer de perto a cultura local e de criar diferentes vínculos com inúmeras pessoas”.
Uma outra ação promete ajudar refugiados que precisam se estabilizar e começar uma nova vida no Brasil. Nesta quarta-feira, 20, a ONG “Estou Refugiado”, que desde 2015 cria conexões entre refugiados e imigrantes a oportunidades de emprego formal, lança a plataforma gratuita “Do Mundo”, com objetivo de conectar empresas a pessoas em situação de refúgio e imigrantes em busca de trabalho.
“Sempre foi uma vontade nossa ser um movimento social. Começamos trabalhando com a questão da empregabilidade formal, porque esse é o caminho mais rápido para devolver ao refugiado a profissão que exercia no país de origem ou a que gostaria de seguir em um novo lugar”, afirma Luciana Maltchik Capobianco, fundadora e diretora executiva da Do Mundo.
Em 2023, segundo levantamento da ACNUR, o mundo atingiu o número recorde de 114 milhões de pessoas deslocadas à força, das quais 710 mil vivem no Brasil.
No Brasil, foram acolhidas 710 mil pessoas deslocadas à força de países afetados por crises como Venezuela, Haiti, Afeganistão, Síria e Ucrânia. Segundo o representante da Agência da ONU para Refugiados no Brasil, Davide Torzilli, o retrato desta população é composto por cerca de 560 mil venezuelanos, 87 mil haitianos, 9 mil afegãos, além de pessoas de diversas outras nacionalidades.