Renata Vichi, CEO do Grupo CRM (Kopenhagen, Brasil Cacau e Kop Koffe): “Para o setor, esse foi um ano muito desafiador, comparável à pandemia, mas marcas que investem no médio e longo prazo se destacam na crise.” (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter
Publicado em 14 de abril de 2025 às 07h59.
Última atualização em 14 de abril de 2025 às 08h49.
Neste ano, a Páscoa no Brasil veio acompanhada de um cenário desafiador. A alta no preço das commodities como cacau e café afetou diretamente o setor, e os ovos de chocolate chegaram mais caros às prateleiras. A crise tem relação com a produção de cacau na África Ocidental — responsável por mais de 60% da oferta global — que foi afetada por eventos climáticos e pragas como a vassoura-de-bruxa. O resultado foi uma disparada no preço do cacau, que subiu 180% em 2024, segundo a Associação Brasileira da Indústria da Alimentação. No mercado interno, a produção nacional de cacau ainda está longe de atender à demanda da indústria. Em 2024, a safra brasileira registrou uma queda de 18,5%, totalizando 179.431 toneladas de amêndoas recebidas, segundo dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).
Mesmo com esse cenário, para Renata Vichi, CEO do Grupo CRM (que reúne as marcas Kopenhagen, Brasil Cacau e Kop Koffee) essa não foi a primeira nem a pior crise do setor.
“Esse foi um ano bastante desafiador. Quando eu penso na minha trajetória, comparo até esse momento ao momento da pandemia. Claro que ali a crise era mais ampla, mas para quem opera com chocolate e café, agora foi um ano muito difícil em termos de commodity”, afirma a presidente que foi a segunda convidada do podcast “De frente com CEO”.
O cenário, mesmo não sendo tão positivo, não abala as expectativas da presidente do Grupo CRM, que tem receita anual acima dos R$ 2 bilhões e a Nestlé como sócia.
“Estamos com uma expectativa de crescimento de 30% nesta Páscoa. Só em Kopenhagen, serão mais de 2,5 milhões de ovos vendidos este ano.”
Essa não é a primeira vez que Renata enfrenta adversidades às vésperas da data mais importante para o Grupo CRM (a Páscoa é responsável por 30% do faturamento anual do grupo). Em 2020, ano em que assumiu a companhia como presidente, durante os dias que antecederam a Páscoa, teve que tomar a decisão de fechar as lojas por causa da pandemia.
“Estávamos 18 dias da Páscoa, com estoque cheio, preparados para crescer 20%. Eu disse para os meus franqueados: a crise passa, mas as relações ficam. E tomei a decisão de fechar as portas e investir no digital como catalisador de pedidos para o franqueado.”
A aposta ousada virou um divisor de águas. “O digital saiu de 2% para 17% da nossa receita, e chega a 25% na Páscoa. E 98% de tudo o que vendemos no digital é receita para o franqueado, com a mesma margem. Foi uma decisão disruptiva, que hoje mostra como o Grupo CRM trata seus parceiros”, diz a CEO.
Para este ano, o jeito para driblar a crise será apostar no novo. Segundo a CEO do Grupo CRM, 15% do faturamento anual da companhia vem de inovações. E isso exige olhar para além do próprio setor.
“Eu busco inspiração em moda, beleza, tecnologia. O olhar sistêmico é essencial para a liderança. Você não pode ser CEO olhando só para o que acontece dentro da sua empresa.”
Um exemplo claro de inovação é a transformação das lojas para o modelo 5.0 (as lojas vermelhas), que ampliam a experiência de marca e reforçam o posicionamento premium da Kopenhagen.
“Já estamos com 50% do nosso parque no modelo 5.0, o das lojas vermelhas, com uma experiência de marca ampliada”, diz. “Branding para nós é estratégico. Nos momentos difíceis, as marcas que investem no médio e longo prazo se sobressaem.”
Para crescer no meio do caos do preço do cacau, a companhia também vai apostar na nostalgia. A Páscoa, para Renata, não é só uma data comercial — é uma oportunidade de reconexão emocional com o passado.
“Chocolate tem a ver com lembrança, com carinho, com vínculos. A gente quer que o consumidor sinta algo familiar e especial ao abrir um ovo da Kopenhagen ou da Brasil Cacau”, afirma a CEO que traz este ano como tema de ovos de Páscoa o desenho da Moranguinho e a série Friends.
Aos 16 anos, Renata Vichi deu os primeiros passos no mercado de trabalho e começou a colocar em prática o DNA empreendedor herdado da família. Filha de Celso Ricardo de Moraes - empresário que adquiriu a Kopenhagen em 1996, após atuar no setor farmacêutico com o laboratório Virtus -, Renata iniciou sua trajetória ao lado do pai, ajudando a impulsionar a expansão da marca. Desde então, vem construindo uma história que se entrelaça com a da companhia, que em 2028 celebrará seu centenário.
“Meu pai era chamado de ‘comprador de marcas’ e eu ganhei o apelido de ‘CEO sola de sapato’. E me orgulho disso, porque sigo visitando cerca de 250 lojas por ano. Eu acredito que um CEO de varejo precisa estar no campo,” diz.
Quando Renata ingressou na empresa, a Kopenhagen contava com apenas 90 lojas. Neste ano, a companhia está prestes a alcançar 1.500 unidades no grupo, segundo a CEO. “Fundamos a Brasil Cacau, a Kop Koffee e concretizamos o grande acordo com a Nestlé. Me sinto muito lisonjeada por ter liderado essas transformações”, afirma.
Mãe de Bruno Vichi, de 18 anos, Renata conta que o filho chegou na mesma época em que ela estruturava o plano da Brasil Cacau.
“Tive uma gravidez de risco, fiquei seis meses internada. Anos depois, recebi o diagnóstico de um câncer já avançado, em meio à maior transação do setor, com a Nestlé", afirma a CEO que após duas cirurgias, está 100% recuperada.
"Tudo isso me ensinou a priorizar o autocuidado e ter mais flexibilidade”, afirma Renata que também recorda que a perda da mãe foi outro grande desafio nos últimos anos, enquanto estava no topo da companhia.
A palavra que a ajuda a CEO a ter uma boa performance sem deixar o autocuidado de lado, é a disciplina. Por isso, ela acorda às 4h40 da manhã e pratica atividade física todos os dias.
“Tenho um sonho de viver até os 100 anos, como minha avó, que chegou aos 103 com saúde”, diz. “O trabalho me nutre, mas aprendi que não dá para terceirizar autocuidado. A gente precisa se respeitar e entender se ainda é a melhor pessoa para a empresa. Quando isso deixar de ser verdade, é hora de partir para o próximo desafio.”
Renata é a primeira mulher a liderar o Grupo CRM, que em 2028 completará 100 anos no mercado brasileiro, - e sua presença no topo se reflete em toda a estrutura de liderança. Hoje, 64% do quadro é composto por mulheres, sendo 57% delas em cargos de liderança.
“Esse número é sem cotas e sem metas forçadas. É um ambiente meritocrático, onde as mulheres se inspiram nas líderes que já estão dentro do grupo”, afirma.
Pela primeira vez em um podcast, Renata afirma que o processo de sucessão no Grupo CRM não foi movido por imposições familiares — muito pelo contrário. “Meu pai nunca teve essa aspiração. Ele dizia: ‘Se não tivesse partido de você, não teria dado certo’”, conta.
Essa liberdade permitiu que Renata traçasse seu próprio caminho, construindo, junto com o pai, a história de expansão do grupo. Agora, como mãe, ela adota a mesma postura com o filho, Bruno, de 18 anos. “Não nutro essa expectativa de que ele siga minha carreira”, afirma. “Meu filho está estudando engenharia química e é livre para escolher seu rumo", afirma.
Como conselho a quem pretende assumir uma empresa familiar, ela afirma. “Respeite o legado e construa a sua marca. Não tente repetir o que já foi feito. Trabalhe para ser a melhor pessoa para a companhia — e, se um dia não for, tenha autocrítica suficiente para reconhecer.”
Hoje, o Grupo CRM é um dos maiores operadores de franquias do Brasil. Em 2024, foram 250 novas lojas. Em 2025, estão previstas mais 220. “Ainda temos espaço para mais 600 a 700 lojas Kopenhagen no Brasil. Estamos chegando em cidades menores, de 70 a 100 mil habitantes, com projeto de loja light e CAPEX reduzido”, afirma a CEO que busca deixar um legado.
“Quero que as marcas do Grupo sigam sendo tradicionais sem ser tradicionalistas. Quero continuar liderando pelo afeto, pela qualidade e pela inovação. E que, no futuro, alguém olhe para trás e diga: ela fez a diferença.”