Carlos Netto, diretor de gestão de pessoas do Banco do Brasil: promoções mais rápidas ajudam a quebrar a imagem de carreira engessada que o setor público carrega há anos (Cristiano Mariz)
Da Redação
Publicado em 13 de dezembro de 2013 às 13h55.
Entre os anos 1970 e 1980, o sonho de dez em cada dez mães era ver o filho aprovado no concurso do Banco do Brasil. Trabalhar no Banco (assim, com maiúscula mesmo) era sinônimo de emprego estável e futuro garantido. Em cidades menores, os gerentes do Banco do Brasil chegavam a ter status equivalente ao do prefeito. Mas os tempos mudaram.
Hoje, as empresas públicas — incluindo o Banco do Brasil — vêm sofrendo o mesmo fenômeno pelo qual passam as companhias privadas: a alta rotatividade de seus profissionais, especialmente os mais jovens. A diferença é que, se no mundo privado as pessoas esperam propostas mais atraentes, no mundo público os concurseiros esperam os resultados das provas que vão colocá-los nas carreiras mais promissoras.
Embora não exista ainda um número global de turnover no setor público brasileiro, Joel Dutra, professor da Faculdade de Economia e Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), observa que hoje o candidato não presta um único concurso. Ele entra numa empresa e logo é chamado para outra que ser julga melhor.
Resultado: ele vai embora. “Pegue como exemplo o jovem formado em Direito que passa num concurso de advogado de empresa do setor elétrico, mas ao mesmo tempo havia feito provas para os postos de juiz e procurador. Se ele passa no concurso para juiz, não hesita em deixar a primeira empresa, pois julga a outra carreira mais atraente”, diz o professor.
Até a Petrobras, que ficou em primeiro lugar em 2012 no ranking da pesquisa Empresa dos Sonhos dos Jovens, da Cia de Talentos, sofre com a evasão dos profissionais com até quatro anos de companhia. Em 2009, a petroleira perdeu 315 pessoas e, no ano seguinte, 342.
“Sentimos o desafio de reter profissionais nos primeiros anos na empresa e percebemos que isso se dava porque nossos salários iniciais perdiam para outras empresas públicas e órgãos do governo”, diz Mariângela Mundim, gerente de planejamento de recursos humanos.
Por causa disso, há dois anos a Petrobras começou a promover um realinhamento salarial nas posições de ingresso, com aumento médio de 31% — e já colhe resultados dessa mexida. Em 2011, 233 funcionários deixaram a companhia. E, em 2012, quando foi realizado o concurso que admitiu 1 521 pessoas, apenas 195 funcionários do grupo com até quatro anos de casa pediram para sair.
Tornar a remuneração mais competitiva é um dos instrumentos que as companhias de gestão pública estão usando para diminuir o turnover entre os novatos. Mas, assim como nas empresas privadas, só isso não traz garantia de fidelidade
. A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), por exemplo, que também perde mais pessoas nos primeiros três anos de empresa (turnover entre 8% e 10% nesse período), já oferece um pacote de benefícios agressivo, com participação nos lucros e resultados de até cinco salários para os cargos mais baixos, plano de saúde de baixo custo e igual para todos, previdência privada e subsídio educação de 80% do valor do curso, entre outros. Mas ela vem investindo num outro tipo de atração para fisgar o público mais jovem.
Lançado em 2007, o programa de gestão sucessória permite que seus universitários se inscrevam para vagas de gerente com previsão de ocorrer num prazo de até três anos. Os selecionados são submetidos a um treinamento intensivo, de um ano e meio, com aulas na Fundação Dom Cabral subsidiadas pela empresa.
É uma forma inteligente de investimento que, além de criar um banco de profissionais, estimula a carreira dos mais jovens. “O programa está entrando em seu terceiro ciclo e já temos 37% dos cargos gerenciais preenchidos dessa forma”, afirma Ricardo Diniz, recém-empossado superintendente de suprimento de materiais, logística e serviços, mas que nos últimos oito anos esteve à frente do RH da companhia.
Mais oportunidades de carreira
Mexer em suas tradicionais e rígidas estruturas de carreira e sinalizar com rotas alternativas para o crescimento profissional tem sido uma forma de o setor público desconstruir o estigma que carrega há anos de deter um modelo que só permite a promoção por tempo de casa. A Eletrobras, por exemplo, conta com plano de carreira, plano de desenvolvimento individual negociado com o gestor, sistema de gestão de desempenho e ainda criou um programa que estimula a troca de área pelo empregado.
O Banco do Brasil tem feito algo parecido para mostrar aos novatos (também o grupo em que seu turnover é maior) que hoje é possível se movimentar por vários lados. Por meio do canal chamado Talentos e Oportunidades (TAO ), seus funcionários podem se candidatar a funções que desejam ocupar mais adiante e são pontuados conforme cursos, experiência e resultado de suas avaliações de desempenho.
Quando surge a vaga, o gestor só pode escolher entre aqueles 20 empregados que têm as maiores pontuações no TAO. Uma das carreiras mais cobiçadas está no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) — 788 pleiteam vagas no CCBB do Rio e 799 no de São Paulo.
“Antes, as promoções só se davam por antiguidade no posto; hoje, o TAO ajuda o profissional a construir seu projeto de carreira”, diz Carlos Netto, no comando da diretoria de gestão de pessoas desde fevereiro de 2011. Isso faz com que as carreiras no banco também sejam aceleradas.
“No passado, chegar à função de caixa executivo com cinco ou seis anos de banco era considerada uma ascensão rápida”, diz Netto. “Atualmente, há gerentes-gerais de agência que, em cinco anos, já passaram pelas funções de escriturário, caixa executivo, assistente de gerência, gerente de relacionamento e gerente de administração.”
Outro investimento do Banco do Brasil são os subsídios à educação. Só no primeiro semestre deste ano foram concedidas 1 473 bolsas de graduação e 906 bolsas de pós-graduação, pagas integralmente pela empresa, além de mais de 1 000 bolsas de idiomas, com auxílio de 80% do valor da mensalidade. Neste ano, o banco ainda lançou bolsas para mestrado e doutorado, que podem ser solicitadas por qualquer funcionário com no mínimo um ano de casa.
Quebrando hierarquias
Na tentativa de se mostrar atraentes para o público que ingressa nos concursos e conseguir reter os mais jovens, algumas empresas do setor público têm usado a técnica das companhias privadas de aproximar o presidente da base — o que era impensável até pouco tempo atrás.
O presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, o Dida, por exemplo, faz questão de dizer aos novatos que entrou na empresa na função de escriturário, como eles. Neste ano, foi feito um vídeo com Dida que é apresentado aos recém-chegados logo na posse. “Cheguei aqui em 1986 e lembro que a primeira vez que apertei a mão de um presidente do Banco do Brasil foi em 2001”, diz Netto.
“Hoje, todos que assumem uma gerência-geral de agência participam da cerimônia em Brasília, onde são recebidos pela diretoria e pela vice-presidência.” O presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), João Jornada, também vai pessoalmente recepcionar os recém-chegados.
“Faço palestras para os novatos e digo que o papel do Inmetro é dar condições reais para trabalhar, amadurecer e se desenvolver como profissional e ser humano”, diz ele. “Mas acredito que a felicidade no trabalho é responsabilidade de cada um. Não podemos tentar seduzir as pessoas para ficar na casa a todo custo, sob o risco de consolidar a responsabilidade da instituição pela motivação do funcionário e perpetuar uma tendência muito comum no serviço público, a de o empregado reclamar de tudo e não assumir responsabilidades.”
Mesmo tendo percebido o fenômeno dos concurseiros, muitas empresas do setor público não sabem direito o que podem fazer para reter esse pessoal.
O problema, de acordo com o coordenador do curso de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Coelho, é mais grave nos órgãos da administração direta (leia-se secretarias — federais, estaduais e municipais — e ministérios), cuja gestão é mais engessada e o RH ainda trabalha com a visão do famigerado departamento pessoal. “É preciso investir nos programas de recepção e analisar as competências da pessoa logo que ela chega”, diz Coelho.
Para o professor Joel Dutra, a solução não exige grandes investimentos. “É tratar melhor a pessoa que entra na empresa”, diz. “Antes de alocá-la em uma área, oferecer treinamento para que compreenda o papel da instituição na sociedade, de forma a inflar seu orgulho de pertencimento. Escolher um padrinho para acompanhá-la no primeiro mês de trabalho. Ou entrevistá-la na chegada, para avaliar suas expectativas e direcionar melhor suas tarefas.” Simples assim.