Marc Benioff, fundador e CEO da Salesforce: Quando ele viu dados reais de que as mulheres em sua organização eram mal pagas, alocou milhões de dólares para ajudar a aliviar o problema (Roy Rochlin/Getty Images)
Escola de Negócios
Publicado em 5 de outubro de 2024 às 08h05.
Quando dois executivos de Marc Benioff, o CEO da Salesforce, lhe informaram que a empresa pagava homens e mulheres de forma desigual, a resposta de Benioff foi típica de muitos diretores: isso não é possível.
"É impossível porque nossa cultura aqui é excelente", lembrou-se de ter dito quando lhe perguntaram sobre a conversa durante uma entrevista do 60 Minutes com Lesley Stahl. “Somos considerados o ‘melhor lugar para trabalhar’. E aqui não agimos dessa maneira. Aqui não há falcatruas quando se trata de pagar as pessoas — não há desigualdade salarial. Nunca ouvi isso. É muito louco”.
Mesmo que as iniciativas de diversidade, equidade e inclusão tenham crescido no setor, espera-se que até 2030, o mercado global desse tipo de programa mais do que duplique para US$ 24 bilhões; muitas vezes enfrentam obstáculos de gerentes que acreditam que, embora a desigualdade seja generalizada, simplesmente não é um problema que exista na própria instituição.
Pesquisas anteriores atribuem essa negação ao fato de que os gerentes geralmente pertencem a uma maioria demográfica (branca ou masculina) ou têm visões conservadoras que se opõem a tais iniciativas. No entanto, Maryam Kouchaki, professora de administração e organizações da Kellogg, acredita que essa explicação é incompleta.
Ao contrário do que geralmente se pensa, Kouchaki e seus colaboradores descobriram que os gerentes não veem esses problemas porque alinham sua própria autoestima com a forma como se sentem em relação à organização.
Manter uma visão positiva da empresa (e, portanto, de si mesmos) os impedem de reconhecer problemas em sua própria organização, mesmo que possam vê-los claramente em outras empresas.
"A desigualdade está em todos os lugares", diz Kouchaki, que conduziu a pesquisa com Christopher To, da Rutgers University, e Elad Sherf, da Universidade da Carolina do Norte.
“Mas as pessoas que estão em cargos de poder têm um senso de propriedade sobre a organização e não conseguem perceber essa desigualdade dentro de seu próprio contexto. Seu papel (além de suas identidades individuais) pode levá-las a pensar assim”.
Ainda assim, a equipe de pesquisa descobriu que há uma maneira de abrir os olhos dos gerentes para o problema e ajudá-los a manter seus preconceitos sob controle.
As organizações muitas vezes defendem o tratamento equitativo dos funcionários, definidos aqui como a existência de processos justos e imparciais na contratação, retenção, tratamento e avaliação que permitam a igualdade de acesso a oportunidades, reconhecendo as desigualdades estruturais.
Ainda assim, esses processos devem, em última análise, ser colocados em prática por pessoas de carne e osso, e as iniciativas de diversidade, equidade e inclusão muitas vezes enfrentam resistência dos gerentes.
Kouchaki e sua equipe queriam saber se a resistência se relacionava ao seu papel e à quantidade de poder ou controle sobre os funcionários que esses gerentes tendiam a ter em suas organizações. Pesquisas anteriores sugerem que ter mais poder leva as pessoas a sentirem um maior senso de responsabilidade pela organização e seus membros.
E, embora isso faça com que os gerentes queiram agir de maneira justa e equitativa, o poder também os leva a sentir um maior senso de identificação organizacional. Ou seja, sua autoestima está ligada ao valor da organização.
Kouchaki e sua equipe queriam saber se a identificação organizacional obstruía a visão dos gerentes de forma a impedi-los de perceber possíveis problemas negativos dentro de sua equipe, incluindo a desigualdade.
É possível que os gerentes queiram acreditar que sua organização é boa e equitativa e, portanto, não lhes é possível ver as desigualdades dentro de sua própria unidade.
Para estudar o problema e testar essa hipótese, a equipe de pesquisa primeiro analisou pesquisas com funcionários do governo federal dos EUA que coletam informações sobre uma série de atitudes no local de trabalho e práticas proibidas.
A equipe encontrou sete pesquisas (realizadas entre 1993 e 2016 com um total de mais de 60 mil participantes) que continham perguntas sobre poder estrutural e percepções de desigualdade.
Os participantes da pesquisa indicaram se eram ou não supervisores e também responderam a perguntas como: "Na minha experiência dentro da minha organização, homens e mulheres são respeitados igualmente", com uma classificação de 1 a 5.
A equipe de pesquisa descobriu que as pessoas em posições de poder relataram menos desigualdade em suas organizações. Isso ocorreu em todos os anos e organizações, mesmo quando a equipe de pesquisa controlava com base na idade, raça, gênero, experiência e educação.
Para investigar se a cegueira resultava da identificação organizacional, a equipe recrutou quase mil participantes para uma pesquisa sobre o local de trabalho. Os participantes responderam se supervisionavam ou gerenciavam outras pessoas e, em seguida, avaliaram o quanto se identificavam com a organização ao responder a perguntas como: "Quanto você valoriza ser um membro do seu local de trabalho?"
Também classificaram o nível de desigualdade em suas organizações, respondendo a declarações como: "No meu local de trabalho, homens e mulheres são tratados igualmente".
Mais uma vez, as pessoas em cargos gerenciais relataram menos desigualdade de gênero e racial em suas organizações, com os gerentes relatando 13% menos desigualdades em sua organização do que os que ocupavam outros cargos. Fundamentalmente, os gerentes também relataram se identificar mais com sua organização do que os não gerentes.
É importante ressaltar que isso não significa que os gerentes sejam incapazes de perceber a desigualdade. Em um estudo distinto, alguns participantes avaliaram seu próprio local de trabalho, enquanto outros avaliaram outros locais de trabalho.
Gerentes e não gerentes classificaram de forma semelhante a desigualdade em outros locais de trabalho. Porém, ao classificar a desigualdade em sua própria organização, os gerentes a consideraram 17% mais baixa do que os não gerentes.
"Isso mostra que os gerentes não estão cegos para o problema", diz Kouchaki. “Simplesmente não conseguem enxergar isso dentro de sua própria organização”.
Essa visão de túnel perceptivo pode levar as empresas a desinvestir em áreas que, de outra forma, não fariam.
A equipe de pesquisa recrutou mais de 350 participantes para uma pesquisa online. Os entrevistados deviam alocar US$ 50 mil de seu orçamento corporativo no local de trabalho para uma das seis forças-tarefa: tecnologia e TI, finanças e operações, marketing e vendas, contabilidade, ética e jurídico, e diversidade.
Os participantes leram os objetivos de cada força-tarefa e como ela implementaria programas para atingir os objetivos. A força-tarefa de diversidade teve como objetivo rever e melhorar as práticas que visavam reduzir a discriminação e o preconceito com programas como seminários para treinamento sobre diversidade e programas de mentoria de minorias.
Os participantes também responderam aos mesmos tipos de perguntas das pesquisas anteriores, tais como sobre poder estrutural, desigualdade percebida e identificação organizacional.
A equipe descobriu que funcionários de alto escalão de uma organização eram menos propensos a apoiar a força-tarefa de diversidade e sua programação. Os gerentes foram 19% menos favoráveis do que os não gerentes com relação às iniciativas de diversidade.
“Queríamos ver como esse efeito se traduz em ação, em alocação de recursos”, diz Kouchaki. “E isso mostra que esse viés gera consequências”.
Entretanto, é possível fazer com que os gerentes percebam seus próprios preconceitos.
Em um estudo final, mais de 700 pessoas participaram de uma pesquisa na qual responderam às mesmas perguntas sobre desigualdade e poder estrutural. Também receberam o mesmo exercício de alocação de orçamento.
Só que, desta vez, antes de alocar recursos, alguns entrevistados deviam se lembrar de uma ocasião em que um funcionário(a) em seu local de trabalho passou por preconceito ou desigualdade.
O efeito foi impressionante. Os gerentes que deviam se lembrar dessas desigualdades alocaram 30% mais financiamento para iniciativas de diversidade do que os que não foram questionados sobre elas.
"A exposição à ideia de desigualdade em seu próprio local de trabalho reduziu imediatamente o preconceito", diz Kouchaki. "Depois desta percepção, os gerentes ficaram mais propensos a apoiar iniciativas de diversidade".
O mesmo aconteceu com o CEO da Salesforce, Marc Benioff. Quando ele viu dados reais de que as mulheres em sua organização eram mal pagas, alocou milhões de dólares para ajudar a aliviar o problema.
“Muitas vezes, podemos enxergar problemas sistêmicos, mas acreditamos ser diferentes das outras pessoas”, diz Kouchaki. "Não estamos sendo intencionalmente conscientes e reconhecemos que esses problemas podem acontecer em qualquer lugar".
Gerentes, prestem atenção: suas equipes podem ver desigualdade em sua organização, mesmo que você não tenha essa percepção.
Kouchaki aconselha a procurar ativamente a existência de processos que possam estar perpetuando desigualdades. O salário pode ser igual para homens e mulheres, por exemplo, mas talvez os bônus não.
“Certifique-se de estar comprometido com o que está fazendo e que está coletando informações sobre possíveis desigualdades", diz Kouchaki.