Carreira

Os desafios do RH com mão de obra para a construção civil

O desafio de aumentar a produtividade tem tirado o sono dos líderes de RH da construção civil, que inovam para combater a falta de mão de obra qualificada e para atrair, treinar e segurar os melhores talentos

Jovens profissionais da Andrade Gutierrez, em obra da empresa no Rio de Janeiro: a construtora oferece três programas de seleção e formação para obter o melhor time  (André Valentim / VOCÊ RH)

Jovens profissionais da Andrade Gutierrez, em obra da empresa no Rio de Janeiro: a construtora oferece três programas de seleção e formação para obter o melhor time (André Valentim / VOCÊ RH)

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Da Redação

Publicado em 11 de junho de 2014 às 11h19.

São Paulo - Assumir o comando da área de gestão de pessoas numa empresa de construção hoje é um dos maiores desafios na vida do profissional de RH. Se o varejo sofre com a elevada rotatividade de seus profissionais, a indústria com a pressão por produtividade e o setor de serviços com o despreparo de sua mão de obra, a construção civil carrega todos esses problemas e mais um pouco.

Maior gerador de empregos do Brasil, ao lado de serviços e comércio, o setor da construção fechou o ano passado com um saldo de 107 024 novos postos de trabalho, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

São novos funcionários que precisam ser treinados, engajados e produtivos para que o setor responda à expectativa de crescimento que se mantém otimista, na casa dos 3%.

“O mercado de construção civil mantém uma taxa de crescimento que varia de ano para ano, mas que sempre cresce”, diz Rodrigo Fleming, gerente regional da Petra Executive Search, consultoria especializada no recrutamento de engenheiros. “Esse crescimento deverá continuar, pois o maior gargalo para o desenvolvimento do país ainda é a infraestrutura.”

Nas mãos do RH está a missão de fazer mais em menos tempo e, muitas vezes, com menos pessoas — ou com pessoas menos gabaritadas. Entre os profissionais da área, tornou-se consenso que, para sustentar o ciclo de crescimento esperado, o setor precisa elevar sua produtividade, ou seja, utilizar de maneira mais eficiente os recursos disponíveis.

Para isso, novas estratégias de atração, recrutamento e, principalmente, formação estão sendo adotadas entre as principais construtoras do país. Os modelos e os nomes variam de empresa para empresa, mas o objetivo é um só: melhorar o time para entregar os resultados mais satisfatórios.


Porta de entrada

Encontrar os profissionais preparados para dar suporte ao crescimento do setor é o primeiro desafio dos gestores de RH. A começar pela caça aos engenheiros. A oferta desse profissional ainda está aquém da demanda do mercado. Em 2013, por exemplo, a Petra assistiu a um aumento de 50% na procura por seus serviços.

“Se as empresas nos contratam para ajudá-las é porque estão com dificuldades em encontrar essa mão de obra por aí”, afirma Fleming. “Engenheiro que fala inglês fluente ainda é raridade, por exemplo.”

Para resolver o problema da falta de mão de obra e da baixa qualificação, as empresas têm investido em um recrutamento mais assertivo. A Cyrela deixou seu programa de estágio mais agressivo. O programa, que tem parceria com a Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo, prevê um desenvolvimento acelerado de carreira, como os programas de trainee do mercado.

Ao fim do estágio, de 24 meses, os profissionais já se tornam analistas plenos, sem passar pela fase do júnior. Outra estratégia da construtora tem sido recrutar brasileiros nos principais MBAs dos Estados Unidos, como o MIT, para estágios de verão de dois meses com a missão de encantá-los e trazê-los de volta ao Brasil ao fim do curso.

“Nosso objetivo é formar pessoas melhores para gerar mais resultados e não perdê-las depois de formadas”, diz Aline Ferreira, gerente de desenvolvimento organizacional da Cyrela, maior construtora do país, com obras em 16 estados, 2 500 funcionários em escritórios e 7 400 nos canteiros.

Foi também na fase de atração e seleção que a Andrade Gutierrez, segunda maior empresa de construção pesada do Brasil, com atuação em mais de 30 países e 55 000 funcionários, decidiu investir. Em 2010, a companhia criou um departamento dentro da área de gente só para estreitar seu relacionamento com as universidades e, assim, atrair os melhores engenheiros.

O primeiro passo foi levantar quais seriam as universidades relevantes para a empresa país afora. Na sequên­cia, mapeou quem entre seus executivos estudou nessas escolas. Ao final, transformou esses executivos em links de atração para os estudantes dessas instituições.


É deles hoje a responsabilidade de fazer palestras e liderar excursões de alunos para as obras com o mesmo objetivo da Cyrela ao abordar os brasileiros que estudam fora: seduzi-los a fazer parte do grupo.

Hoje, a Andrade Gutierrez conta com três portas de entrada para os jovens. O programa de estágio tem 90% de aproveitamento e permite que, durante as férias escolares, os estudantes passem um mês em uma obra diferente daquela em que atua no período regular. Se ele faz estágio numa hidrelétrica, por exemplo, deve passar o mês de férias em uma obra do metrô.

O job rotation é também obrigatório para os profissionais que passam pelo Programa Júnior, voltado para recém-formados já contratados. Por fim, o Programa de Trainee da Andrade Gutierrez — que teve 27 000 candidatos disputando 20 vagas em 2013 — seleciona profissionais do mundo todo para rodar por um ano nas obras da empresa espalhadas em 30 países.

Formação contínua

Trabalhar bem a fase de seleção é só o primeiro passo para uma bem-sucedida gestão de pessoas nesse setor. Uma vez que os candidatos já foram bem escolhidos, é preciso formar. Sim — por mais que eles venham das melhores universidades e tenham uma bagagem teórica sólida, faltam conhecimento prático e visão do negócio como um todo.

E essa tarefa vale não só para quem está chegando, mas também para os veteranos, incluindo aí a grande parte da mão de obra, que fica nos canteiros. “Temos um lado sombrio na construção civil que é a falta de qualificação dos profissionais operacionais, que vêm com baixo nível de escolaridade e, portanto, dificuldade de aprender. Isso complica o trabalho de qualificação dentro de casa”, diz Haruo Ishikawa, vice-presidente de relação capital e trabalho do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (SindusCon-SP).


Esse cenário foi traçado há anos, quando o caminho natural das pessoas que não estudavam era a construção civil. “Até uma década atrás o setor era um legado de pessoas mal qualificadas”, diz Lúcia Helena Meili, diretora de recursos humanos da MPD Engenharia. “Hoje, isso não cabe mais, porque buscamos certificações — e os clientes são mais exigentes. Portanto, as pessoas precisam ser mais produtivas.”

Com quase 7% de analfabetos em seu quadro de 720 funcionários, a área de RH da MPD montou escolas de alfabetização de adultos nos canteiros de obras. “Identificamos esse público e percebemos que não bastava dar incentivo para que estudassem — era preciso fazer mais”, diz Lúcia Helena.

Além de levar a sala de aula para o canteiro, a empresa dá lanche e material escolar. “Isso mostra que estamos preocupados em preparar o funcionário para que ele possa também participar de outros cursos de qualificação, tornando-se apto para promoções.”
Pensando na formação interna, a MPD Engenharia desenvolveu também um programa de mentoria para os mestres de obras, profissionais bastante disputados pelo mercado.

“Existem cursos técnicos de formação desse profissional no ­Senai, mas o que o qualifica para ocupar tal cargo são os anos de experiência e a habilidade de liderança”, diz Lúcia Helena. A empresa aproveitou o conhecimento dos mestres que há décadas trabalham lá (e ainda não quiseram se aposentar) para formar novos profissionais na carreira técnica.

Os mestres veteranos passaram por um treinamento informal de mentoring para aprender a orientar os encarregados que se destacam. Os talentos do canteiro de obras também passam por uma espécie de job rotation para que experimentem todas as funções dentro da obra. No total, oito novos mestres já foram formados por meio desse programa.

A OAS, empresa voltada para o segmento de construção pesada, também sabe que é preciso formar a base se quiser aumentar a produtividade. A Escola OAS oferece cursos de alfabetização e técnico para carpinteiros, eletricistas e pedreiros. Quase 4 000 funcionários já passaram pela escola. “Esse é um passo importante, pois permite que o profissional se qualifique para outros cargos”, diz Luiz Roberto Cardoso, superintendente de RH.


Quem ainda é pequeno, mas busca engrossar as estatísticas de crescimento do setor, também vem investindo nesse tipo de formação. A construtora de empreendimentos imobiliários residenciais Saraiva de Rezende, de Cascavel, no Paraná, que tem apenas 216 funcionários, oferece lanche, material e um incentivo de 150 reais no salário de quem estuda na escola de jovens adultos da empresa.

Cerca de 50 pessoas, 23% do quadro, frequentam a escola. “Quem participa costuma se comprometer mais com a construtora, sua autoestima aumenta e tem mais vontade de cursar uma faculdade e de participar dos treinamentos internos”, diz Alyne Nogueira Teixeira, psicóloga organizacional da Saraiva de Rezende. Por lá, até os mestres de obras passam por coaching. 

Para os que estão no topo e no meio da pirâmide, o estudo também é fundamental. Nos últimos dois anos, a Cyrela vem promovendo um MBA in company desenhado pela Dom Cabral especialmente para a empresa e que contempla um intercâmbio na Escola de Negócios Kellogg, nos Estados Unidos. Mais de 30 executivos já foram treinados. Para a média gerência, existe um MBA nos mesmos moldes, sem a experiência internacional, pelo qual passaram mais de 400 líderes.

Na OAS, que tem mais de 25 000 funcionários diretos, todo ano o RH promove um encontro dos superintendentes de diversas áreas e diversos países para que todos se alinhem estrategicamente. “Aproveitamos para fazer uma reciclagem com os 90 executivos. Já tivemos cursos com professores da FGV e Dom Cabral”, afirma Cardoso. Em 2013, o mesmo foi feito com todos os mestres de obras da companhia.

Os investimentos em pessoas têm surtido resultado. As companhias não só têm conquistado mercados como também o respeito e a admiração de seus funcionários. O faturamento da holding Andrade Gutierrez chegou a 16,8 bilhões de reais em 2012, 3,4% acima do ano anterior.

A OAS cresceu em faturamento 128% de 2008 a 2012, e o quadro de funcionários teve acréscimo de 79% no mesmo período. A MPD Engenharia também registrou crescimento de 15% no ano passado. Mais do que isso, a empresa — assim como a OAS e a Saraiva de Rezende — entrou em 2013 para o seleto time das 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar, prova de que as ações voltadas para a gestão de pessoas estão no caminho certo e têm recebido a chancela do time.

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