Carreira

"Universidades de elite não formam profissionais autônomos"

Nem teoria nem prática. Para o acadêmico americano William Deresiewicz, a universidade deveria formar pessoas com mais autonomia para escolher caminhos

William Deresiewicz, ensaísta americano: as universidades de elite não ajudam os estudantes a trilhar o próprio caminho  (Mary Ann Halpin)

William Deresiewicz, ensaísta americano: as universidades de elite não ajudam os estudantes a trilhar o próprio caminho (Mary Ann Halpin)

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Da Redação

Publicado em 9 de abril de 2015 às 12h04.

Nos Estados Unidos, uni­versidades como Harvard, Yale e Princeton com­põem a Ivy Lea­­gue, o clube das faculdades mais tradicionais, onde se formaram Barack Obama, Donald Trump e Jorge Paulo Lemann. Caras, associadas à elite americana e à excelência acadêmica, essas instituições influenciam o ensino no mundo todo.

Mas há algo errado com a formação que oferecem, segundo William Deresiewicz, ensaísta americano, em seu livro The Excellent Sheep (“A ovelha excelente”, numa tradução livre, sem edição no Brasil). Para ele, a preocupação em formar líderes voltados só para as necessidades do mercado prejudica a carreira das pessoas.

Ao privilegiar a ascensão profissional, as universidades deixam de lado a formação intelectual verdadeira, que proporciona autonomia e realização profissional por meio do trabalho com propósito. No Brasil em fevereiro, William concedeu esta entrevista à VOCÊ S/A

VOCÊ S/A - O conceito de liderança difundido pelas universidades e pelas empresas está equivocado?

Sim, e não apenas nas escolas da Ivy League. Essa ideia enviesada de liderança está sendo disseminada em diversas instituições ao redor do mundo.

O erro está no fato de que o conceito de liderança, tal qual vem sendo aplicado atualmente, é distante do que o ideal de liderança realmente representa. O termo vem sendo usado no sentido de estar no comando, mas não necessariamente das qualidades que se deve utilizar quando se está no comando.  

VOCÊ S/A - Os estudantes acreditam que escolas de elite vão ajudá-los a ter as competências necessárias para alcançar o sucesso. Estão certos?

Estão errados. Não é preciso ir para essas universidades para desenvolver essas competências e habilidades. A verdade é que eu não sei se os estudantes entendem isso, mas tenho certeza de que os pais compreendem, sim. O motivo pelo qual essas instituições ajudam alguém a se tornar um profissional de sucesso não tem a ver especificamente com o conteúdo ministrado aos alunos. Está mais ligado ao tipo de contato e relacionamento que essas instituições proporcionam. É o lugar onde a elite global se encontra. 

VOCÊ S/A - Quais parâmetros as pessoas devem estabelecer em termos de educação para ser bons profissionais?

Primeiro, é preciso entender que existem coisas mais importantes do que buscar um ideal de sucesso profissional. Muitas instituições querem saber por que seus estudantes não são bons empreendedores.

Uma resposta é a seguinte: o sistema de ensino que idealizamos promove a ascensão de bons alunos que se transformam em bons funcionários. Isso não tem nada a ver com a dinâmica inovadora inerente ao empreen­dedorismo.

É necessário ter criatividade e habilidades práticas e, também, habilidade para trabalhar com pessoas. O que as universidades fazem para mudar isso? Dão aulas de empreendedorismo, o que é a mesma coisa do que oferecer um curso de liderança: estúpido. O objetivo deve ser a formação de adultos com autonomia, esse é o papel da educação de qualidade.

Medir isso é impossível.  Mas nós teremos um bom sinal quando os estudantes alcançarem autonomia para nos responder o seguinte: “Não me importo com o que vocês querem que eu faça. Eu vou seguir esse caminho que escolhi”.

VOCÊ S/A - Que tipo de competência essas universidades deixam de desenvolver?

Essas instituições não querem preparar bons alunos, mas transformar estudantes em exemplos de sucesso. Os estudantes não têm chance de refletir sobre os tópicos que estudam, pois estão muito ocupados em cumprir o extenso currículo. Existe uma ironia, pois os alunos das melhores instituições poderiam, em tese, seguir qualquer caminho profissional que lhes in­­­teressasse. No entanto, graças à sua formação superior e às altas expectativas, quase nunca arriscam ou encaram desafios fora dos padrões. 

VOCÊ S/A - No Brasil, as empresas arcam com a educação de profissionais despreparados.  Como isso influencia no desenvolvimento da liderança?

Embora eu não conheça em profundidade o sistema educacional brasileiro, posso dizer que existe um paralelo com o que ocorre nos Estados Unidos.

A educação, assim como ocorreu em tantas outras áreas, está sendo privatizada — não é  o público que está pagando, mas as corporações. E me parece que esse tipo de formação deveria ser oferecido pela sociedade, e não pelas empresas, que direcionam o conhecimento para seus interesses, não são entidades independentes. Noto que não existem oportunidades suficientes na educação para quem está interessado e para quem precisa. 

VOCÊ S/A - O custo da educação demanda esforços financeiros. Então, muitos alunos pensam sobre o retorno do investimento. Isso é um problema?

Há legitimidade em pensar em retorno de investimento. Mas é necessário separar as coisas: retorno de investimento é diferente de salário inicial. No começo, a diferença entre um graduado em engenharia e um em humanas é grande e pesa a favor de quem estuda engenharia. Todavia, essa diferença pode desaparecer em dez anos — pelo menos nos Estados Unidos.

Isso se deve ao fato de que a formação humanística prepara o estudante para uma trajetória mais flexível se comparada à formação técnica. De mais a mais, todas essas instituições que falam sobre liderança precisam entender que isso significa mais do que retorno de investimento. Tem a ver com fazer a diferença, desenvolver com a comunidade o que foi aprendido, ter um propósito maior na vida.

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