Sylvia Ann Hewlett: uma das maiores especialistas do mundo em mão de obra feminina (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
São Paulo - Nunca na história as mulheres viveram um conflito pessoal tão grande quanto agora. Muitas vivem o dilema de querer ter filhos, tempo para as funções da casa e da família, sem abandonar a ambição da realização profissional. O problema é que, na maioria das vezes, essas demandas não cabem em 24 horas. E, quando cabem, elas não ficam satisfeitas com o resultado.
Para complicar o cenário, as empresas não aprenderam ainda como gerenciar a carreira das mulheres, que, sim, tem nuances diferentes da dos homens. É sobre esses assuntos que a VOCÊ S/A conversou com a economista Sylvia Ann Hewlett, diretora do Programa de Gênero e Política da Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Colúmbia e 11a colocada na lista Thinkers 50, que reúne os maiores pensadores de negócios do mundo.
“Somente criando políticas e práticas que explorem o potencial de talento feminino no Brasil as empresas poderão obter vantagem competitiva duradoura. De todos os sonhos do “país do futuro”, esse é o que tem o maior poder de impulsionar e sustentar o crescimento da economia”, afirma Sylvia.
A economista acaba de publicar o livro Winning the War for Talent in Emerging Markets: Why Women Are the Solution (“Vencendo a guerra por talento em mercados emergentes: por que as mulheres são a solução”, ainda sem tradução no Brasil), em que apresenta uma pesquisa com 4 450 homens e mulheres dos países do BRIC (sigla para os países em desenvolvimento Brasil, Rússia, Índia e China). A seguir, o que Sylvia Ann Hewlett pensa sobre os resultados da pesquisa.
VOCÊ S/A - Nos países emergentes, as mulheres representam mais de 50% dos graduados em universidades e quase metade da força de trabalho. Como é esse cenário no Brasil?
Sylvia Ann Hewlett - O talento feminino no Brasil é impressionante. As mulheres representam 60% entre os milhões de universitários recém-graduados que entram para o mercado de trabalho a cada ano. Essa maioria é altamente ambiciosa: 80% aspiram chegar a posições no topo da cadeia, em comparação com 52% das americanas.
Seu nível de compromisso com a carreira também impressiona: 81% dizem amar o seu trabalho (ante 71% das norte-americanas ) e 95% são leais ao seu empregador (destas, 58% têm a intenção de permanecer em seu atual emprego por três anos ou mais).
VOCÊ S/A - Nos últimos anos, o Brasil passou a ser foco de investimentos do mundo todo por causa da sua economia em expansão. Como isso repercutiu na carreira das brasileiras?
Sylvia Ann Hewlett - O crescimento da economia brasileira abriu um leque sem precedentes de oportunidades de trabalho para mulheres instruídas. Muitas multinacionais já contam com esse quadro crescente de profissionais. No entanto, as empresas pouco fizeram para compreender a dinâmica de carreira das mulheres.
VOCÊ S/A - O que as mulheres esperam das empresas em que trabalham?
Sylvia Ann Hewlett - As brasileiras têm talento, ambição e compromisso que nenhum empregador deve ignorar. Ao mesmo tempo, há questões culturais e sociais profundamente enraizadas que podem impedi-las de explorar o potencial.
Nossas pesquisas mostram que mulheres instruídas e ambiciosas querem trabalhos estimulantes, oportunidades para se desenvolver, ambiente de trabalho favorável, segurança no trabalho e remuneração justa. Quando as empresas puderem oferecer isso, em troca terão níveis de comprometimento e lealdade muito acima da média.
VOCÊ S/A - O que as empresas devem fazer para estimular e reter as profissionais de qualidade?
Sylvia Ann Hewlett - Os empregadores devem criar processos e práticas que permitam o crescimento dessas mulheres altamente qualificadas. Para isso, é preciso estabelecer as bases para a realização do talento feminino, o que envolve três ações. Primeiro, é preciso tornar-se um ímã de talentos. Ser conhecido como um empregador de destaque permite atrair e reter talentos de forma contínua. Segundo, é preciso sustentar a ambição feminina.
Muitas mulheres talentosas vivem em eterno conflito [pessoal x profissional] e acabam por diminuir as suas expectativas em relação às suas carreiras. Esta é uma questão extremamente importante: garantir que as mulheres se sintam valorizadas por seus resultados e contribuições. Por último, é preciso aprender a lidar com a realidade das mulheres.
No Brasil, elas enfrentam questões únicas relacionadas à família e à sociedade que conspiram para sabotar suas ambições de carreira, levá-las a se contentar com um emprego sem futuro e até mesmo abandonar o trabalho. Responder a esses desafios com sensibilidade, imaginação e flexibilidade é essencial.
VOCÊ S/A - Há fatores externos que desaceleram suas carreiras?
Sylvia Ann Hewlett - De todas as nações do BRIC, a sociedade brasileira é a que mais oferece apoio à carreira feminina: 92% das mulheres e 86% dos homens consideram aceitável que mulheres com filhos pequenos possam seguir uma carreira. Ainda assim, tanto se espera delas em seus papéis como esposas, mães e filhas que esses fatores ligados à família acabam funcionando como um grande obstáculo, dificultando o desenvolvimento de carreiras promissoras.
Outro fator que atrapalha as mulheres no Brasil é a segurança. Mulheres brasileiras rotineiramente sofrem violência e perigo nas ruas. Seis em cada dez participantes de nossa pesquisa — a mais alta taxa entre todos os países do BRIC – afirmaram se sentir inseguras durante o trajeto até o trabalho.
VOCÊ S/A - Que obstáculos elas enfrentam para chegar a postos de liderança nas empresas?
Sylvia Ann Hewlett - No Brasil, o machismo não é um problema tão grande como no México ou em outros países sul-americanos. Mas preconceitos profundamente enraizados sobre a capacidade e o comprometimento das mulheres podem impactar as carreiras delas de diversas maneiras: funções inferiores, salários menores e penalidades por causa da licença-maternidade.
Mais de um quarto das mulheres brasileiras (26%) e 23% dos homens acreditam que elas são tratadas de maneira injusta por serem do sexo feminino. E, pasmem, 40% das brasileiras já reconsideraram suas ambições de carreira ou pensaram em abandoná-la por serem subvalorizadas.