Carreira

Amigos de escritório

Os brasileiros adoram unir trabalho e amizade. Se bem dosada, a mistura pode aumentar a produtividade e a satisfação. Mas é preciso tomar cuidado para evitar os grupinhos ou se esquecer da meritocracia

Paula Herrera Serrano e Darcio Lemos, da Tecnisa: boas indicações rendem bônus para os funcionários (Camila Fontana / VOCÊ S/A)

Paula Herrera Serrano e Darcio Lemos, da Tecnisa: boas indicações rendem bônus para os funcionários (Camila Fontana / VOCÊ S/A)

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Da Redação

Publicado em 16 de outubro de 2014 às 10h00.

São Paulo - Amigos, amigos, negócios à parte? Não é assim que as coisas funcionam no mundo corporativo hoje. Uma pesquisa mundial feita pela rede social LinkedIn com 11 500 pessoas revelou que 46% dos profissionais se sentem mais felizes quando são amigos dos colegas de trabalho.

No Brasil, amizade também quer dizer motivação: 36% dos entrevistados dizem que dividir o escritório com amigos aumenta o ânimo para trabalhar.

Como a sociedade brasileira é mais cordial e propensa a misturar público e privado, é fácil entender por que a amizade é fator fundamental para que um ambiente de trabalho seja considerado agradável — isso, inclusive, é um dos aspectos mais importantes para os profissionais que fazem parte das 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar e que costumam dizer que a empresa é uma boa empresa porque, “acima de tudo, todo mundo é amigo”.

Socialmente, os brasileiros preferem estar em um ambiente que desperte sentimentos de amizade. “A relação pode ser hierárquica e haver pressão, mas as pessoas vão tentar ser amigáveis, é cultural”, diz a antropóloga Claudia Rezende, do Rio de Janeiro.

A amizade também é vista pelas empresas como forma de aumentar o engajamento e a produtividade dos profissionais. Um estudo do instituto de pesquisa Gallup mostra que pessoas que trabalham com amigos são 50% mais satisfeitas do que as que estão em ambientes sem intimidade. “Há mais confiança e um clima melhor em equipes formadas por pessoas que se dão bem”, diz Ana Pilopas, do Hudson Institute of Coaching, de São Paulo.

As companhias começaram a levar tão a sério esse bom relacionamento entre os colegas que a política de indicações está virando prática comum e sendo gabaritada pelo RH. A construtora Tecnisa estimula que os funcionários façam indicações. O programa começou em 2012 e já contratou 220 pessoas.

A ideia surgiu como forma de aumentar a rapidez da seleção e economizar no gasto com firmas de recrutamento. “A redução de custos é de 90%”, diz Thais Vieira de Camargo, gerente de recursos humanos da Tecnisa. “Levávamos 25 dias úteis com o modo tradicional e agora são, em média, nove dias.” Os indicados seguem o processo seletivo comum, com entrevistas com o RH e com os futuros chefes.

A velocidade ocorre porque os funcionários costumam indicar gente alinhada com o perfil da empresa. Foi o que fez Darcio Lemos, de 31 anos, analista de mídia digital da Tecnisa, que indicou sua amiga Paula Herrera Serrano, de 27 anos, para uma vaga. Darcio conhecia Paula porque ela trabalhava em uma empresa parceira da Tecnisa.

“Perguntei se ela gostaria de vir, contei quais seriam as atribuições e como é o clima”, diz Darcio. “O que ele nem imaginava é que há tempos eu queria ser funcionária da Tecnisa”, diz Paula. Há seis meses na empresa, ela trabalha como analista digital e é colega de Darcio, que a ajudou a se integrar. Depois dos 90 dias de experiência da amiga, Darcio ganhou um bônus de 250 reais da construtora.

Outra empresa que estimula as indicações é a Enel Green Power, especializada em energia renovável, do Rio de Janeiro. Por lá, os funcionários recebem 1 000 reais se forem certeiros na indicação. Vitor Souza, de 31 anos, é engenheiro mecânico na companhia e conseguiu a vaga por meio da indicação de um amigo de faculdade: Pedro Paulo Morais, coordenador de engenharia, de 31 anos.

“Falei para o Pedro que queria sair de meu trabalho e para ele me avisar se soubesse de algo”, diz Vitor. Quando a oportunidade surgiu, Pedro refletiu antes de fazer a indicação e pensou sobre as habilidades de Vitor. “Minha credibilidade estava em jogo”, diz Pedro.

Isso é importante. Mesmo que a empresa não tenha um programa, é comum que chefes peçam sugestões para preencher vagas. “É preciso lembrar que afinidades unem as pessoas, mas que no trabalho o critério é a meritocracia”, diz Adriana Prates, da Dasein Executive Search, de Belo Horizonte.

Razão e coração

Como passamos mais tempo no escritório do que em qualquer outro lugar, é natural que as conexões surjam e que, com elas, amigos sejam feitos. Até aí, nenhum problema. “As parcerias sinceras ajudam na reflexão e na solução de problemas”, diz Anderson Sant’Anna, professor da Fundação Dom Cabral, escola de negócios de Minas Gerais.

Só é preciso ficar atento a como essas relações vão afetar a rotina de trabalho e as decisões a ser tomadas, que podem pender para um lado apenas porque um amigo está envolvido com um projeto, por exemplo. O perigo é que o pes­soal se sobreponha ao profissional e haja proteção e premiação não por meritocracia, mas por camaradagem.

Isso é mais comum em casos de chefes e subordinados que são amigos, mas também pode ocorrer entre colegas — um protege o erro do outro para manter a relação pessoal. “Em algum momento, o problema aparece e alguém terá de assumir a responsabilidade”, diz Adriana.

O melhor é ter equilíbrio. No mundo ideal, a amizade no escritório penderia mais para uma relação de respeito mútuo do que para a intimidade profunda. Quando se ultrapassa essa fronteira, é preciso tomar muito cuidado: as empresas são imprevisíveis e, a qualquer hora, seu melhor amigo pode se tornar seu chefe ou concorrer com você para uma vaga ou promoção.

“Se ele sabe suas fraquezas e seus problemas pessoais, pode usar isso de alguma forma para enfraquecê-lo”, diz Adriana. “Amizade sincera é aquela em que a outra pessoa não só o conforta pelos seus fracassos mas também fica feliz pelas suas conquistas.” Algo que não é tão fácil de encontrar — nem fora nem dentro do escritório.

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