Carreira

Adeus, trabalho chato. É a onda opt-out

Cada vez mais profissionais estão abandonando o emprego tradicional. Saiba como fazer esse movimento se você também busca mais realização

Homem pede demissão (Marcelo Spatafora/EXAME.com)

Homem pede demissão (Marcelo Spatafora/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 19 de março de 2013 às 14h07.

São Paulo - Um estudo feito pela consultoria Accenture com mais de 3 000 executivos de 31 países no início deste ano constatou que 59% dos homens e 57% das mulheres estão insatisfeitos com o trabalho.

Os principais motivos são conhecidos: falta de oportunidade de crescimento, falta de um plano de carreira e falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Ou seja, a maioria das pessoas não gosta das condições em que trabalha e se sente desmotivada.

Diferentemente do passado, nos últimos anos os insatisfeitos estão se rebelando contra a chatice do trabalho. Há um número crescente de pessoas fazendo uma manobra muito simples: largar o emprego e partir para uma atividade totalmente diferente.

“Há um grupo significativo de homens e mulheres se revoltando contra um ambiente de trabalho ruim, que impede que eles encontrem autenticidade, equilíbrio entre vida pessoal e profissional ou algo que supra suas demandas por desafios”, diz a professora Sherry Sullivan, doutora em administração de empresas da Universidade Bowling Green, no estado de Ohio, nos Estados Unidos, uma das primeiras a pesquisar esse movimento.

No início dos anos 2000, Sherry começou a estudar por que muitas mulheres americanas altamente qualificadas estavam rompendo com seus empregos e com a chance de uma promissora vida executiva para desempenhar atividades mais modestas ou que nada tinham a ver com o padrão de carreira vigente.

Elas saíam das empresas para abrir um negócio, fazer bicos ou arrumar um emprego menos desafiador, porém mais tranquilo. Nos Estados Unidos, essa revolução ficou conhecida como opt-out, algo como “optar por sair”, numa tradução livre. Com o tempo, percebeu-se que não eram poucas as mulheres que faziam movimentos de carreira desse tipo e, mais tarde, que muitos homens também estavam dando um basta em seu emprego.

Agora, isso começa a ficar claro no mercado de trabalho. “Não se pode ignorar esse movimento”, diz Lilian Guimarães, vice-presidente de gestão de pessoas do banco Santander, ela mesma um exemplo desse tipo de atitude — em 2006, interrompeu por dois anos a vida executiva para abrir uma pousada no sul de Minas Gerais. “Se as pessoas não encontrarem na empresa o que procuram, sairão em busca de outras possibilidades.”

Com certo atraso e graças à melhoria do cenário econômico, essa revolução chegou ao Brasil nos últimos anos. Hoje, o profissional brasileiro tem condições de escolher. A oferta de emprego é alta. Dados da Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a taxa de desemprego caiu quase pela metade em dez anos: de 12,4%, em 2003, para 6%, em 2011.

A renda média da família brasileira também aumentou no mesmo período: de 806 reais para 1 728 reais. De maneira inédita, o brasileiro tem hoje dois trunfos. Um deles é a possibilidade de escolher um emprego melhor.

O segundo é a remuneração mais alta — não muito maior, mas suficiente para garantir a muita gente a autonomia financeira necessária para uma mudança de carreira mais arriscada. Para o trabalhador qualificado, mais disputado e mais bem pago, a situação é ainda mais favorável. 


Com tudo isso, o profissional se dá ao direito de ser exigente. Se a organização não oferece o que ele pede, os riscos de insurgência são grandes. “Quem tem talento tem opção”, diz Antonio Salvador, vice-presidente de recursos humanos da HP Brasil, fabricante de computadores.

Empreendedores

As pessoas não estão apenas trocando um emprego por outro. Muitas estão saindo para empreender. Outras, apenas pedindo demissão para depois ver o que fazer da vida — essa aposta passa por se requalificar e investir numa carreira bem diferente, ligada a áreas como saúde, terceiro setor ou economia criativa. Há ainda aquelas que não saem da empresa, mas rejeitam a lógica da ascensão corporativa.

São os profissionais que passam a fugir de atividades que impliquem aumento da responsabilidade ou da carga de trabalho. Esse tipo de movimento tanto pode ser negociado com a organização quanto pode ser voluntário: o profissional simplesmente deixa de se colocar como alternativa para uma promoção, por exemplo.

Seu objetivo é qualidade de vida. “Há muita gente que gosta do que faz e precisa apenas reduzir a carga horária para se sentir feliz”, afirma Antonio, RH da HP.

Com o objetivo de identificar essa revolução invisível no mercado de trabalho, uma dissertação de mestrado defendida em 2007 na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) pesquisou 250 ex-alunos da instituição, a maioria em cargos de gestão, e verificou que 60% deles já haviam feito algum tipo de mudança radical na carreira.

“Hoje em dia, homens e mulheres provavelmente farão, ao longo da trajetória profissional, algum tipo de interrupção”, diz Ana Carla Scalabrin, consultora de gestão de pessoas e professora da Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo, autora da dissertação.

Quanto mais qualificado for o profissional, maior a probabilidade de ele se rebelar. “Estamos falando de indivíduos altamente preparados, que estão saturados da pressão e do estresse do mundo corporativo”, afirma Ana Carla.

Dados da pesquisa Empresa dos Sonhos dos Executivos, realizada neste ano pela companhia de pesquisa NextView, de São Paulo, com mais de 5 000 executivos brasileiros, a maioria entre 26 e 35 anos e com diversas especializações, refletem esse cenário.

Segundo o levantamento, 46% dos entrevistados se sentem pouco realizados no trabalho, 50% desejam empreender e 64% já tiveram mudanças nos objetivos de vida e no planejamento de carreira. “Trata-se de uma revolta contra o trabalho, pois as pessoas não têm satisfação nem no trabalho nem no que decorre dele”, afirma Sherry.

Além da oferta de emprego e da renda maior, há por trás desse movimento de abandono do emprego outro fenômeno, mais contemporâneo e profundo. “As relações de trabalho estão mudando”, afirma Marco Tulio Zanini, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro e da Fundação Dom Cabral (FDC), de Minas Gerais. 


Conforme o mercado reflete melhor uma sociedade em que o conhecimento é o maior bem, as organizações passam a lidar com funcionários mais esclarecidos e preparados. Ao contrário do trabalhador antigo, que aceitava as ordens que vinham de cima, o profissional de hoje exige diálogo e transparência.

O contrato de trabalho baseado em autoridade está saindo de cena. No lugar, entra o acordo que tem o consenso como ponto de partida. “Em outras palavras, o jogo tem de ser bom para todo mundo”, diz Marco Tulio. Como as empresas nem sempre pensam assim, as pessoas estão pedindo as contas.

Como sair 

Obviamente, o processo de elaboração da ideia de mudar de carreira não ocorre do dia para a noite. Trata-se de um desejo que a pessoa alimenta por muito tempo. “Quando o profissional percebe que está insatisfeito, é mais fácil planejar a saída”, afirma Beth Fernandes, diretora executiva adjunta de desenvolvimento da FDC.

Quando tem tempo de programar o movimento, o profissional pode investir em novas qualificações, poupar um dinheiro para abrir um negócio ou procurar um emprego mais condizente com suas aspirações.

Se tem uma percepção mais fraca de seu descontentamento, o processo é mais doloroso. Vai conviver com situações de estresse até não aguentar mais. São casos assim que levam o profissional a deixar o emprego num rompante, sem ter nenhuma alternativa em vista.

“Você só consegue migrar para outra carreira se souber exatamente o que quer e se tiver uma rede de contatos que lhe dê oportunidades”, diz Tania Casado, professora do Programa de Gestão de Pessoas da Fundação Instituto de Administração (Progep-FIA), de São Paulo.

Para mudar, segundo ela, é preciso atentar para três pontos: os novos conhecimentos necessários para fazer a transição para outra atividade; os objetivos de vida e os valores pessoais; e quem são as pessoas com quem se deve falar para aprender e receber apoio nos primeiros passos da nova carreira.

Quando o profissional decide abandonar o trabalho tradicional para montar um negócio, em geral ele está em busca de uma atividade mais alinhada aos seus valores, de mais autonomia e da oportunidade de tocar um negócio com seu perfil de gestão. Atualmente, empreender é o sonho de 53% dos brasileiros com até 30 anos de idade.

O momento pelo qual passa o país é propício para quem deseja se arriscar num negócio próprio. “A fase atual da economia permite a volta para o mercado de trabalho se algo der errado”, diz Juliano Seabra, diretor de educação e pesquisa da Endeavor, organização que apoia o empreendedorismo.


Quando a intenção é trocar de área ou de atividade, ou sair para estudar ou fazer um ano sabático (veja a reportagem Sabático Antecipado), é sinal de que o profissional está procurando um trabalho que tenha mais significado ou seja mais desafiador. “A pessoa decide mudar de área quando não sente mais identificação com o que faz”, diz Esteban Ferrari, coach especialista em transição de carreira, de São Paulo.

Quem busca negociar na companhia uma agenda mais flexível normalmente está insatisfeito com a carga de tarefas. Para esse pessoal, um emprego que ofereça trabalho remoto pode ser a solução.

Outro aspecto desse novo cenário é que as pessoas terão uma vida profissional mais longeva, que talvez dure até os 70 anos. “Ninguém mais se aposenta aos 50”, diz Ana Carla, da FIA. Isso significa que, em algum momento dessa longa trajetória, você será obrigado a mudar, goste ou não do que faça.

E provavelmente, em algum momento entre o início e o fim da carreira, você se sentirá insatisfeito. Por isso, uma habilidade importante é criar permanentemente condições para que uma mudança ocorra.

Além de minimizar riscos de estagnação, essa capacidade permite ao profissional fazer transições tranquilas, se for necessário. O segredo é saber conectar os pontos e ter uma boa rede de contatos. “Se você iniciou a carreira como engenheiro e decidiu depois fazer medicina, o segredo é levar os conhecimentos de uma profissão para a outra, combinando as competências”, afirma Ana Carla.

Preconceito social

Embora já ocorram em grande volume, esses movimentos de guinada na carreira ainda são uma novidade para a maioria das pessoas. Por isso, quando alguém anuncia que vai largar um trabalho chato, muita gente questiona se a pessoa perdeu o juízo. Nessa hora, é comum aparecerem os rótulos de vagabundo ou descomprometido.

O preconceito inibe quem sonha em abandonar o emprego e gera dúvidas em quem decidiu enfrentar a mudança. A tendência, porém, é que esse movimento seja visto com mais naturalidade, conforme as gerações mais novas, abaixo dos 40 anos, predominem no mercado de trabalho. “O momento é de migração para essa mentalidade”, diz Tania Casado, da FIA.

Conforme essa nova forma de pensar avança, as relações de trabalho tradicionais vão sendo colocadas em xeque. E, se as companhias não perceberem isso, vão perder seus melhores profissionais. “As organizações devem repensar o trabalho para que ele propicie autenticidade, balanço e desafios a quem trabalha”, diz Tania. Um caso de empresa que compreendeu a necessidade de se apresentar de uma forma mais contemporânea é a Philips. 


Nos últimos anos, a tradicional fabricante de TVs, barbeadores e outros eletrodomésticos tem procurado atrair profissionais por meio de suas unidades de negócios de lâmpadas e equipamentos de diagnósticos médicos. A diferença está no discurso, que procura engajar o profissional à causa da corporação

. “Não falamos ao candidato que ele vai vender um produto, mostramos que ele pode contribuir para a economia de energia no planeta e para a saúde das pessoas”, diz Alessandra Ginante, vice-presidente de RH da Philips.

Sacrifícios no caminho

É preciso ter em mente que uma mudança de carreira radical pode levar mais de dois anos e nem sempre estará ancorada no apoio da família e dos amigos. De acordo com o coach Esteban Ferrari, as pessoas mais próximas são as mais resistentes à mudança e, na maioria das vezes, atrapalham a transição, principalmente quando o profissional ocupa um cargo aparentemente bom.

“Os parentes não entendem o fato de uma carreira executiva bem-sucedida ser deixada para que se comece algo do zero. A questão da estabilidade e da segurança ainda pesa muito”, afirma Esteban.

Não se trata de algo fácil, nem feito de uma hora para outra, ainda mais quando se tem um bom salário e um pacote de benefícios atrativo. Entre os sacrifícios, podem ser incluídos viver com uma renda menor, fracassar e ser colocado no limbo na empresa, caso opte por negociar uma estagnação. “Não há garantias de que a mudança será bem-sucedida”, diz Esteban.

Provavelmente, você levará um tempo para conseguir o mesmo que ganhava. Mas, se tiver consciência de todos esses pontos, se seu trabalho já não faz mais sentido e a satisfação é algo distante em sua rotina, mude. Talvez, mesmo ganhando menos, você sentirá mais prazer fazendo o que gosta do que num trabalho chato. Há um monte de gente aí fora para comprovar que essa mudança é possível. 

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