Ana Paula Bertuzzi, advogada: ela precisou de coragem para pedir aumento e promoção (Ênio Cesar/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
São Paulo - Em 2007, a empresa de tecnologia onde a advogada Ana Paula Bertuzzi, 32 anos, trabalhava como gerente jurídica passou por uma reestruturação e parte da diretoria foi substituída.
A vaga do diretor a quem Ana Paula se reportava ficou em aberto, até que um candidato adequado fosse contratado. Enquanto o posto não era preenchido, o CEO da empresa e o gestor global da área solicitaram que Ana Paula assumisse interinamente as funções.
Nesse papel, ela reorganizou o departamento, implantou os novos procedimentos globais demandados e montou a equipe que até hoje toca as atividades da área. “Enquanto eu via outras vagas da diretoria sendo preenchidas por pares do sexo masculino, o cargo de diretora não me foi oferecido”, lembra a advogada.
Apesar do acúmulo de funções, o salário não havia sido reajustado. “Até aquele momento, eu não tinha sequer conversado sobre aumento salarial com nenhum gestor — quanto mais pleitear uma promoção e uma nomeação para a diretoria”, diz Ana Paula.
A advogada sabia que sua capacidade e suas habilidades estavam adequadas ao cargo que ela já vinha exercendo de fato, mas temia parecer pretensiosa ao falar sobre a promoção. O medo era agravado pelo fato de que não havia nenhuma mulher na diretoria da empresa à época.
“Foi realmente difícil tomar coragem. Mas, só de pensar na frustração que seria ver um outro profissional ser nomeado para o cargo, decidi que precisava tomar uma atitude”, conta.
Depois de noites em claro, Ana Paula preparou sua abordagem de forma minuciosa, embasando com dados, fatos e estatísticas sua defesa de por que estava preparada para a promoção. Para sua surpresa, o retorno foi muito mais positivo do que esperava. “O cargo me foi imediatamente concedido.
Percebi que esse assunto parecia muito mais delicado para mim do que para eles”, diz. “Esse fato me ensinou que não basta ‘provar’ que merecemos valor, muitas vezes temos que saber expor nossas qualidades e pleitear aquilo que merecemos.”
A advogada, hoje, ocupa o cargo de diretora de legal & commercial da CGI.
Ana Paula certamente não é a única profissional que teve dificuldades para lutar por um aumento salarial ou promoção. As estatísticas mostram que os homens costumam negociar quatro vezes mais do que as mulheres. Como se não bastasse, quando elas negociam, costumam pedir — e obter — 30% menos do que eles.
Um estudo que observou formandos do MBA da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos, verificou que oito vezes mais homens negociavam seus salários iniciais após o curso. Com isso, eles conseguiram ganhar, em média, 4 000 dólares anuais a mais do que elas.
Para a economista Linda Babcock, da Carnegie Mellon University, e a pesquisadora social Sara Laschever, autoras do livro Women Don’t Ask (“Mulheres não pedem”, sem edição no Brasil), fatores culturais estão por trás da dificuldade feminina de pedir aumentos, promoções e até ajuda na divisão das tarefas domésticas.
“Como sociedade, nós ensinamos às mulheres que não é adequado ou feminino focar no que querem, se mostrar ambiciosas ou perseguir seus próprios interesses — e não gostamos quando elas o fazem”, afirma Babcock em seu livro. Como consequência, as profissionais acabam recebendo menos reconhecimento e promoções e avançando mais devagar na carreira do que os homens igualmente qualificados.
“Eles costumam pedir com maior frequência atividades que dão prestígio, se oferecer para oportunidades que darão visibilidade e brigar por aumentos e promoções que eles acham que merecem. As mulheres, ao contrário, costumam esperar que seu trabalho duro e competente seja reconhecido e recompensado, sem que elas tenham de pedir essa recompensa. Só que isso frequentemente não acontece”, acrescenta a economista.
Evasão feminina
Não são só as mulheres que perdem com essa situação. Ao ver seus colegas do sexo masculino conseguindo maior reconhecimento e crescendo mais rápido na carreira, muitas mulheres deixam seu trabalho, levando com elas o investimento feito pela empresa em treinamentos e desenvolvimento. Nos Estados Unidos, estima-se que essa rotatividade possa custar 11 bilhões de dólares anuais às companhias americanas.
Pensando nisso, algumas empresas vêm encontrando formas de driblar esses fatores culturais para reconhecer os talentos femininos. Na Ernst & Young, por exemplo, foi criado o programa Carreer Watch, que designa mentores para as profissionais nas quais a empresa aposta.
“Eles têm a missão de aumentar a visibilidade delas, colocando-as em projetos importantes ou incentivando sua carreira internacional”, diz Andrea Weichert, sócia da Ernst & Young.
Para Ana Paula Chagas, sócia da Heidrick & Struggles no Brasil, a dificuldade para negociar aumentos e promoções pode residir no fato de que ainda faltam referências femininas sobre como se portar para crescer na organização, já que a proporção de homens nos conselhos de administração ainda é muito maior.
Por isso, ela destaca a importância de se ter um mentor. “Trata-se de um modelo para se inspirar e até copiar. Alguém que pode dar toques preciosos sobre postura, olhar, como se colocar numa reunião e até o quanto falar”, diz ela.
A contabilista Dayane Amaro, 26 anos, hoje coordenadora da divisão de business process outsourcing da Crowe Horwath Brasil, é uma das que se esmeraram para se desenvolver na arte da negociação. “O primeiro grande conselho é saber quanto vale o seu trabalho”, diz ela. Dayane conta que só aprendeu a avaliar seu trabalho no mercado quando, após uma demissão, abriu sua própria empresa de auditoria e teve de cotar seus serviços.
“Tive de aprender na marra porque, se não valorizasse meu trabalho, não sobreviveria.” Para se manter firme nas negociações por preços, fez cursos e leu livros sobre linguagem corporal e análise de microexpressões faciais.
“Isso me ajudou a perceber quando um cliente estava blefando ou falando a verdade e até que ponto eu poderia ir na queda de braço por um valor”, diz. A habilidade adquirida foi decisiva quando a contabilista resolveu voltar a trabalhar como funcionária, numa empresa anterior à atual.
“Eles jogaram com o fato de que eu estava fora do mercado para baixar o salário e propuseram me pagar o que eu queria só após alguns meses. Ao fim da negociação, saí com o salário e os benefícios que queria e com uma possibilidade de reajuste dali a três meses”, conta.
Para o especialista em carreira Luiz Claudio Binato, do Instituto de Administração (Instiad), uma escola de gestão e negócios de São Paulo, a autoconfiança para a negociação está extremamente relacionada à autoestima.
“Durante décadas, as mulheres se preocuparam muito em atender às expectativas sobre seu papel — de esposa, de mãe e, depois, como profissionais. Na hora de negociar, as mulheres têm de parar de achar que precisam corresponder às expectativas sobre como devem se comportar e agir com independência emocional, considerando que só vale a pena continuar em um trabalho se as condições, o ambiente e o pagamento forem interessantes para elas”, diz Luiz Claudio.