Chefe Ana Roš: em 2000, os pais do marido decidiram se aposentar e deixaram seu restaurante para o casal (Facebook/Reprodução)
Da Redação
Publicado em 31 de agosto de 2017 às 17h55.
Londres - Ana Roš é a mais improvável das chefs.
Ela não sonhava em ser chef e nunca estudou culinária. Então, como ganhou o título da categoria feminina de Melhor Chef do Mundo neste ano? A história é incrível.
“Venho de uma sociedade que não tem tradição de gastronomia, onde cozinhar não é um trabalho de prestígio”, disse ela, em entrevista em seu isolado restaurante, Hiša Franko, em um vale no oeste da Eslovênia. Hoje em dia, os clientes chegam de lugares tão distantes como a Austrália e precisam reservar com meses de antecedência. Roš nunca imaginou que isso aconteceria.
Quando adolescente, ela era uma esportista talentosa: uma esquiadora habilidosa a nível nacional. “Mas eu não era uma vencedora”, disse ela.
“Não estava na minha natureza. Eu sempre ficava em segundo, então desisti quando tinha 17 anos.” Ela passou a estudar Ciência Internacional e Diplomacia em Trieste, embora seu italiano não fosse muito bom: “Meus pais me mandaram para estudar em Puglia, mas, em vez disso, passei o verão com meus amigos”.
Ainda assim, ela recebeu uma proposta de emprego da Comissão Europeia em Bruxelas, e foi só então que tomou a decisão de abandonar o sonho de uma carreira diplomática e tentar o negócio dos restaurantes.
Ela tinha se apaixonado, e os pais do marido — proprietários do Hiša Franko —decidiram se aposentar. Isso foi em 2000. Ela e o marido Valter, um sommelier, decidiram assumir o empreendimento. Ela nunca esteve particularmente interessada em comida quando criança e só ia a restaurantes em aniversários e outras ocasiões especiais. Mas Valter era um amante da culinária e, juntos, eles começaram a viajar pela Europa e a jantar em alguns dos melhores restaurantes do continente.
Havia apenas um problema: quando voltaram ao Hiša Franko, eles não gostaram da culinária eslovena à moda antiga.
“Um dia, eu e meu marido nos sentamos para conversar e decidimos que alguém precisaria assumir a cozinha”, disse Roš, agora com 44 anos. “Ele disse que não tinha tempo, então eu resolvi fazer isso. Não pensei duas vezes. Os primeiros cinco anos foram um processo de aprendizagem. Eu estava lutando: lendo livros, indo às conferências, experimentando coisas. Foi como ser jogada na água sem saber nadar.”
Grande parte do sucesso internacional recente se deve à Netflix, que lhe dedicou um capítulo de “Chef’s Table” em 2016. Roš não vê TV e nunca tinha ouvido falar do programa. Ela já havia aparecido na TV anteriormente e não esperava que o telefone começaria a tocar.
“Quando o programa da Netflix saiu, no dia 27 de maio do ano passado, o dia começou normalmente. Mas não percebemos que a diferença horária significava que ainda era de manhã nos EUA. À noite, nosso sistema de reservas tinha colapsado e as visitas a nosso site passaram de 200 a 10.000 por dia.”
O título de Melhor Chef na categoria feminina chegou pouco depois. O prêmio é polêmico, porque há quem diga que é ridículo ter uma categoria separada para as mulheres. O que Roš acha disso?
“Alguns de meus amigos chefs me disseram que eu deveria subir no palco e dizer que não aceitaria o prêmio”, conta ela, rindo. “Eu perguntei se eles já tinham recusado algum prêmio. Minha explicação é a seguinte: está muito claro que, para uma mulher em um mundo masculino, sempre vai ser difícil. Uma mulher tem tantos papéis — mãe, esposa, amante, dona de casa — e depois tenta encaixar 14 ou 16 horas de trabalho.
“Os melhores chefs do mundo — gente como Massimo Bottura, René Redzepi — têm esposas incríveis. Eles estão 100 por cento no trabalho porque tem alguém que toma conta dos filhos deles, que cuida de tudo em sua vida privada. Quando chegam em casa, provavelmente alguém cozinhou para eles e tem tempo para conversar com eles.
“Você acha que isso acontece com uma mulher? Você nunca pode comparar esses dois mundos diferentes.”