A "cultura do excesso corporativo" pode estar na sua empresa e você não sabe. Caracterizada por padrões e crenças prejudiciais, essa cultura se manifesta por meio das seguintes dimensões: workaholic, consumismo exagerado, comunicação excessiva, competitividade exacerbada e processos burocráticos complexos.
É importante compreender que essa cultura prejudicial não surge do nada, afirma Joaquim Santini, pesquisador internacional de comportamento organizacional, que passou por faculdades como Harvard, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Unicamp e INSEAD (The Business School for the World – Europe).
“Ela está muitas vezes enraizada em práticas gerenciais e organizacionais ultrapassados, que priorizam a produtividade a qualquer custo em detrimento do bem-estar dos funcionários e da sustentabilidade do planeta. Além disso, a pressão dos acionistas, a competição acirrada do mercado e a falta de liderança eficaz podem contribuir para o estabelecimento dessa cultura tóxica”.
O que esse tipo de cultura pode gerar nos funcionários?
A cultura do excesso apresenta diversos aspectos negativos, como o desequilíbrio entre vida pessoal e profissional, que pode levar a problemas de saúde mental, relacionamentos prejudicados e exaustão.
“Essa cultura pode aumentar o estresse, a ansiedade e a pressão constante para atender a expectativas irrealistas, criando um ambiente de trabalho tóxico, com competitividade exacerbada, falta de colaboração e relações interpessoais prejudicadas”, diz Santini que estuda o tema há cinco anos. “A sobrecarga de trabalho e a falta de tempo para reflexão e planejamento podem diminuir a criatividade, a inovação e a eficiência, resultando em alta rotatividade de funcionários e perda de talentos e conhecimento organizacional.”
A dificuldade em estabelecer limites saudáveis entre o trabalho e a vida pessoal pode levar a um esgotamento físico e emocional, enquanto a tomada de decisões baseada em valores distorcidos prioriza o excesso em detrimento da sustentabilidade e do bem-estar a longo prazo.
“O desafio para as empresas é encontrar esse ponto de equilíbrio, onde a busca por resultados e crescimento é perseguida de forma saudável e sustentável, levando em consideração as necessidades e o bem-estar de todas as partes interessadas, como funcionários, clientes, acionistas e a sociedade como um todo. Isso requer uma liderança consciente, valores empresariais sólidos e uma visão de longo prazo”, diz o pesquisador.
Essa cultura sempre existiu?
A cultura do excesso nas empresas tem suas raízes em diversos acontecimentos históricos, mudanças socioeconômicas, influências culturais e avanços tecnológicos. Alguns dos principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento e intensificação dessa cultura incluem:
- A Revolução Industrial e a ênfase na eficiência e maximização dos lucros;
- O crescimento do capitalismo e da globalização, aumentando a competitividade entre as empresas.
- Os avanços tecnológicos, que permitiram um ritmo de trabalho mais acelerado e uma maior pressão para estar sempre disponível;
- A pressão por resultados de curto prazo, muitas vezes impulsionada por acionistas e investidores;
- A glorificação de líderes empresariais de sucesso, contribuindo para a idolatria do excesso de trabalho;
- A influência da cultura social, que muitas vezes associa valor pessoal e status ao sucesso profissional e financeiro. A pressão social para ter um alto padrão de vida, possuir bens materiais de luxo e estar constantemente ocupado pode levar os indivíduos a se dedicarem excessivamente ao trabalho.
As 5 dimensões que exemplificam essa cultura
- Workaholic: é uma das faces mais evidentes da cultura do excesso. Nessa dimensão, há uma valorização excessiva de longas jornadas de trabalho, com a expectativa de disponibilidade constante dos funcionários. “A falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional leva ao esgotamento físico e mental dos funcionários, comprometendo sua saúde e bem-estar”, diz Santini.
- Consumismo: é outro aspecto preocupante, caracterizado pela ênfase exagerada em bens materiais e status. “A pressão para adquirir os últimos dispositivos tecnológicos e móveis cria uma cultura de ostentação e exibicionismo corporativo, muitas vezes associada à falta de consciência sobre o consumo sustentável e responsável”, afirma o pesquisador.
- Comunicação excessiva: também contribui para a sobrecarga dos funcionários. A enxurrada de e-mails, os diversos grupos trabalho no WhatsApp e o excesso de reuniões intermináveis, assim como a expectativa de respostas imediatas, independentemente do horário, prejudica a produtividade e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, afirma o pesquisador.
- Competitividade exacerbada: é outro fator que alimenta a cultura do excesso. Com uma ênfase excessiva em metas e resultados a qualquer custo, cria-se um ambiente de trabalho hostil e individualista. “A falta de colaboração e trabalho em equipe, aliada à pressão constante para superar os colegas, pode levar a comportamentos antiéticos e prejudiciais”, diz Santini.
- Processos Burocráticos e Complexos: podem intensificar a cultura do excesso. Procedimentos intrincados, aprovações demoradas e a falta de agilidade nas tomadas de decisão sobrecarregam os funcionários, gerando estresse e frustração, diz o consultor. “A simplificação e a otimização dos processos são essenciais para criar um ambiente de trabalho mais eficiente e menos extenuante.”
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O papel da liderança
Todas essas dimensões da cultura do excesso estão interligadas e se reforçam mutuamente e são fortemente influenciadas pela liderança. Para enfrentar esse desafio, é necessária uma abordagem integrada, que envolva a conscientização em todos os níveis da organização, a mudança de mentalidade dos líderes e a implementação de políticas e práticas que valorizem o bem-estar, a sustentabilidade e a colaboração, afirma Santini que trabalha desde 1993 com análise do comportamento humano no mercado de trabalho.
“Somente assim será possível construir uma cultura corporativa mais saudável, equilibrada e propícia ao sucesso duradouro.”
Em quais carreiras esse tipo de cultura é mais comum?
A cultura do excesso, segundo Santini, pode ser encontrada em qualquer setor ou profissão, dependendo do modelo de gestão da empresa e do comportamento de seus líderes.
Para evitar essa cultura, o pesquisador indica algumas estratégias que podem ajudar a minimizar a cultura do excesso:
Combatendo o workaholic:
- Estabeleça políticas claras de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, como horários de trabalho flexíveis, home office e limite de horas extras.
- Encoraje os funcionários a usufruírem de suas férias e licenças, definindo metas razoáveis de produtividade.
- Promova atividades de bem-estar, como sessões de meditação, exercícios e eventos sociais, para estimular um estilo de vida saudável.
- Reconheça e recompense a entrega de resultados, em vez de recompensar apenas a presença prolongada no escritório.
Reduzindo o consumismo corporativo:
- Revise suas políticas de compras e investimentos, eliminando gastos supérfluos e priorizando melhorias essenciais.
- Adote uma mentalidade de sustentabilidade, buscando soluções eco-eficientes e reduzindo o desperdício de recursos.
- Envolva os funcionários no processo de racionalização de custos, incentivando-os a identificar oportunidades de economia.
- Comunique claramente os valores da empresa e garanta que os investimentos estejam alinhados a esses princípios.
Controlando a comunicação excessiva:
- Estabeleça diretrizes para reuniões, como duração máxima, participação obrigatória e pauta definida.
- Incentive o uso eficiente de ferramentas de colaboração, evitando a proliferação de plataformas e canais.
- Crie protocolos de resposta a e-mails e mensagens, estabelecendo janelas de tempo dedicadas a esse tipo de comunicação.
- Capacite os funcionários a priorizarem as informações relevantes e a gerenciar melhor seu tempo.
Promovendo a cooperação em vez da competitividade exacerbada:
- Enfatize a importância do trabalho em equipe e da colaboração interdepartamental.
- Revise seus sistemas de reconhecimento e recompensa, eliminando incentivos que estimulem a competição interna.
- Incentive a troca de conhecimento e a resolução conjunta de problemas.
- Cultive uma cultura de confiança, valorizando a transparência e o apoio mútuo.
Simplificando os processos burocráticos:
- Adote uma abordagem de design organizacional, visando a otimização e a agilidade dos processos.
- Implemente soluções de automação e digitalização para eliminar etapas desnecessárias.
- Envolva os funcionários na revisão dos procedimentos, buscando ideias para simplificá-los.
- Atribua responsabilidades de forma clara e evite a necessidade de múltiplas aprovações.
“Vale ressaltar que a implementação dessas soluções requer um esforço contínuo e o comprometimento de toda a organização e o engajamento genuíno e efetivo de toda a liderança”, afirma Santini. “Cada estratégia deve ser adaptada ao contexto específico da empresa, levando em conta sua cultura, estrutura e necessidades únicas”.