Decreto do governo deve consolidar a regulamentação de regras trabalhistas (Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas)
Camila Pati
Publicado em 25 de julho de 2017 às 15h00.
Última atualização em 25 de julho de 2017 às 16h52.
São Paulo – Sancionada no dia 13 pelo presidente Michel Temer, a reforma trabalhista trouxe mudanças que entram em vigor em novembro, quando termina o prazo legal de 120 dias. Até lá, empresas e funcionários tentam entender o que, de fato, muda para contratos de trabalho, novos e já estabelecidos.
Aos profissionais empregados, a advogada Roberta de Oliveira Souza, especialista em direito e processo do trabalho, indica que prestem atenção, em especial a sete pontos. Ao todo, mais de 100 pontos da CLT tiveram modificações com a reforma, que ficou definida oficialmente como a lei 13.467/2017.
Confira as mudanças que a advogada destaca:
Violação à imagem, à intimidade, à privacidade, à honra e à autoestima são alguns exemplos de danos morais mas, atualmente, não existem critérios pré-definidos na lei para guiar a avaliação do juiz na hora de decidir sobre o tema, segundo explica Roberta.
“A doutrina e a jurisprudência criaram critérios para tentar balizar o valor da indenização, dentre eles: a extensão dos efeitos da ofensa, a intensidade do sofrimento ou da humilhação, o grau de culpa ou dolo e a situação econômico e social das partes envolvidas”, explica.
Esses parâmetros foram mantidos pela reforma trabalhista que trouxe mais alguns para tentar medir o tamanho do dano moral e, assim, definir o valor da indenização.
A novidade está no art. 223-G, §1º da Lei 13.467/2017 que estipula que o valor da indenização será definido com base no salário da pessoa que foi ofendida, ou seja, quem sofreu o dano moral.
Para ofensas leves, a indenização máxima definida pela nova lei é de até três vezes o último salário contratual do ofendido. Se for considerada ofensa média, pode chegar a cinco vezes o último salário. Ofensas graves podem ter indenização de até 20 salários e gravíssimas, 50.
Se for uma empresa (pessoa jurídica) que sofrer o dano moral, a definição da indenização vai seguir os mesmos critérios só que tendo como base o salário do ofensor, ou seja, de quem causou o dano moral. Nos dois casos, reincidência pode dobrar o valor da indenização.
Na opinião de Roberta, esses novos critérios definidos pela reforma trabalhista são inconstitucionais, já que o art. 5º, caput da Constituição Federal dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
“É evidente que tal estipulação legal fere de morte o princípio da isonomia ou da igualdade, tendo em vista que a vida de um ser humano não pode ser avaliada segundo seu padrão de remuneração”, afirma a advogada.
Esse argumento de inconstitucionalidade pode ser usado, segundo a especialista, em juízo já que é responsabilidade do juiz decidir se a lei fere ou não a Constituição, que é a norma suprema do Brasil.
Hoje, a regra utilizada para indenizar funcionários que não têm respeitado o direito de intervalo para repouso e alimentação durante o dia de trabalho – de, no mínimo, uma e, no máximo, duas horas para jornadas de 8 horas diárias – vem de uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho, a 437.
O TST definiu que o empregador que não der o intervalo deve pagar o valor que o funcionário receberia por trabalhar aquele período inteiro do intervalo somando, no mínimo, 50% do valor da remuneração da hora normal de trabalho, para além da jornada regular.
Com a reforma trabalhista em vigor, a empresa não terá que pagar o valor correspondente ao período inteiro do intervalo. Apenas o valor correspondente ao tempo perdido será indenizado.
“A não concessão ou a concessão parcial do intervalo a empregados urbanos e rurais vai implicar o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho”, explica a advogada.
A reforma criou a possibilidade legal de contrato de trabalho em que a prestação de serviços não é contínua. É o trabalho intermitente, ou seja, quando ocorre a alternância de período de atividade e inatividade. Esse período de trabalho pode ser de horas, dias ou meses.
O contrato de trabalho intermitente poderá ser feito entre qualquer empregado e qualquer empregador, independentemente da atividade, exceto para aeronautas, que, segundo explica a especialista, têm contratos regidos por uma legislação própria.
No contrato de trabalho dessa modalidade deverá estar definido o valor da hora de trabalho e não pode ser menor do que o valor do salário mínio por hora ou do montante que recebem os funcionários daquela empresa que exercem a mesma função, de maneira intermitente ou não.
A reforma define que o profissional poderá ser convocado para trabalhar três dias antes e deve já ficar sabendo qual será a jornada. Se ficar quieto e não se manifestar em até um dia útil a empresa vai entender que ele recusou.
Se ele aceitar e não comparecer ou não cumprir o contrato terá que pagar à empresa em 30 dias multa de 50% da remuneração que ele receberia pelo trabalho. Se quem descumprir fora empresa, o profissional terá direito de receber esse mesmo valor como indenização, explica Roberta.
No fim de cada período de prestação de serviço, o funcionário recebe, além da remuneração, o valor correspondente a férias proporcionais com acréscimo de um terço, 13º salário proporcional, valor devido como repouso semanal remunerado e mais os valores adicionais legais.
A cada 12 meses, o profissional tem direito a nos próximos 12 meses a ter um mês em que obrigatoriamente não será convocado a trabalhar pelo mesmo empregador.
“As críticas feitas a esse dispositivo consistem, em síntese, na impossibilidade do empregado de se organizar e manter uma rotina, além de não poder contar com uma renda fixa, o que gera muita insegurança e instabilidade na vida desse trabalhador”, afirma Roberta.
“Hoje, segundo entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal (STF) e no TST a negociação coletiva é válida desde que implique contrapartidas recíprocas, isto é, transação, que é o que deve ocorrer em qualquer negociação, e não renúncia”, afirma Roberta.
Com a reforma, negociações coletivas que tenham como consequência a piora das condições para o funcionário sem que ele receba qualquer contrapartida por isso não poderão mais ser anuladas na Justiça.
Na hora de analisar uma convenção ou um acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho, segundo explica a advogada, vai balizar a sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.
As súmulas 90 e 320 do TST, segundo Roberta, consideram que o tempo de trajeto da residência até o trabalho quando o transporte é oferecido pela empresa empresa e, desde que o local seja de difícil acesso ou não servido por transporte público, entra na conta da jornada de trabalho. A reforma trabalhista mudou essa regra.
“O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”, explica a advogada.
Quando a lei passar a vigorar, a equiparação salarial entre funcionários que exercem trabalho de igual valor só será possível entre empregados de um mesmo estabelecimento empresarial e não mais no mesmo município ou na mesma região metropolitana, como é a regra hoje.
Mas, o que é trabalho de igual valor? “Hoje o art. 461, § 1º da CLT estabelece que o trabalho de igual valor será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a dois anos”, explica a advogada.
A reforma trouxe ainda uma nova regra: o tempo de serviço prestado pelos funcionários para o mesmo empregador não pode ser superior a quatro anos.
“Do mesmo modo, a diferença de tempo na função não poderá ser superior a 2 anos, disposição que corresponde ao art. 461 da CLT antes da reforma”, diz a advogada.
Outra mudança é que não será mais possível o reconhecimento do chamado “paradigma remoto”, que é quando o pedido de equiparação se dá com um colega que teve reconhecida, por via judicial, a equiparação com outro funcionário.
“A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função”, afirma Roberta. É importante destacar que pedido de equiparação salarial continua sendo possível apenas em empresas que não oferecem plano de cargos e salários.
Só que com a reforma, o quadro de carreira não precisará mais ser reconhecido pelo Ministério do Trabalho ou em outro órgão público, como é hoje.
A reforma derrubou a necessidade de que demissões em massa sejam negociadas coletivamente entre sindicatos de trabalhadores e patronais ou entre o sindicato de trabalhadores e a empresa.
Conforme afirma a advogada, casos como a recente determinação da Justiça que obrigou a JBS a pagar indenização a funcionários após demissão em massa sem negociação, não vai mais acontecer.
“Ainda que milhares de trabalhadores sejam demitidos em um único dia de uma mesma empresa, com reflexos nefastos para a economia local e centenas de famílias, tal dispensa coletiva será equiparada à individual, segundo texto sancionado da reforma”, afirma Roberta.