Caminhos (sergeichekman/Thinkstock)
Claudia Gasparini
Publicado em 11 de novembro de 2016 às 06h00.
Última atualização em 11 de novembro de 2016 às 12h19.
São Paulo — Diante de um mercado de trabalho cada vez mais incerto, muitas pessoas sentem falta de orientação profissional. Acontece que, embora exista um oceano de conselhos sobre o assunto na internet, são raras as dicas de carreira que fogem do óbvio.
“As pessoas são diferentes e cada situação é uma”, diz Adriana Gattermayr, coach e consultora da Gattermayr Consulting. “Qualquer palpite que vale para todo mundo é mero senso comum”.
Para a especialista, há muita simplificação e generalização nos discursos que prometem uma receita para o sucesso. Embora haja ótimos livros de autoajuda, diz ela, nenhum deles trará todas as respostas — muito menos aqueles que se vendem como a “fórmula definitiva” para conquistar a felicidade no trabalho.
Em vez de enxergar qualquer conselho de carreira como uma bússola salvadora, é melhor encará-lo como uma provocação ou um convite à reflexão sobre os seus próprios desafios e potenciais, afirma Gattermayr.
A gestão da vida profissional é muito mais complexa do que um punhado de dicas, e os especialistas no assunto sabem disso.
Segundo Eva Hirsch Pontes, coach e professora convidada na Fundação Dom Cabral, o próprio conceito de “carreira” é algo simplificado e até obsoleto.
A palavra, que vem do latim, descrevia originalmente um “caminho para carros”, isto é, um trilho ou estrada em linha reta. Segundo a especialista, não existe mais uma carreira com o sentido de "estrada", isto é, como uma sequência linear de cargos e empregos.
“Hoje você acumula múltiplas formas de atuação e monta um portfólio de habilidades, que aplicará de formas variadas ao longo do tempo, como se fossem peças de Lego”, explica ela.
Diante da complexidade do mercado de trabalho atual, os conselhos ou “provocações” mais eficazes são justamente os mais inusitados. Veja a seguir 6 deles:
1. Você não precisa escolher uma profissão
Já começa na época do vestibular: a sociedade nos força a escolher uma carreira e incorporá-la como uma parte fundamental de quem somos. No fim das contas, não funciona. “Não é preciso escolher entre duas ou três coisas que você ama”, diz Gattermayr. “Você pode trabalhar durante a semana numa área e no fim de semana em outra, sair do trabalho e ir fazer consultoria ou dar aulas e mais uma infinidade de possibilidades”.
Quem acha que precisa escolher uma única área acaba entediado e desmotivado, o que muitas vezes produz a troca frequente de empregos. Porém, é preciso ter cuidado para não perder o foco. “Para cada atividade paralela, é preciso se dedicar e traçar metas”, explica ela. “Para onde você quer ir com cada uma delas?”. Se não houver conexão com os seus objetivos de vida, abrir o seu leque de atuação só deixará você esgotado.
2. Não procure um trabalho que você ama. Procure amar o seu trabalho
Ninguém em sã consciência deseja fazer aquilo de que não gosta. No entanto, perseguir o ideal de um emprego “divertido” costuma resultar em frustração. Para Gattermayr, o conceito está invertido. “Procure amar o seu trabalho, seja ele qual for, experimentando novas atividades e competências escondidas em você mesmo”, diz ela. “Às vezes aterrissamos em empregos em que jamais nos imaginamos e eles acabam trazendo muita felicidade”.
Quem procura trabalhar só com o que ama pode confundir hobby com trabalho ou se decepcionar ao finalmente conseguir o seu emprego dos sonhos. Segundo a coach, não há nada de errado em buscar oportunidades numa área com a qual você tem afinidade. Só é importante não se prender exclusivamente a isso na hora de fazer as suas escolhas.
3. Ter um único mentor não funciona
Contar com uma pessoa mais experiente que você para ajudar nas suas decisões profissionais é essencial. Porém, dificilmente esse único indivíduo terá todas as respostas de que você precisa. É muito mais eficaz formar um time de mentores de carreira.
“Escolha 5 áreas da sua vida em que você quer melhorar, e pense em profissionais que são modelos para você nesses assuntos”, orienta Pontes. “Pergunte se vocês podem agendar sessões de mentoria de dois em dois meses”. A maioria das pessoas se sente lisonjeada com o convite e tem grandes chances de aceitá-lo, completa ela.
4. Dinheiro não é objetivo, é meio
“Se a meta da sua carreira é ganhar dinheiro, pense melhor”, aconselha Gattermayr. “Seu objetivo deve sempre ser algo maior, alinhado com seu propósito de vida e com o legado que você quer deixar”. Quando um profissional coloca a recompensa financeira como alvo principal, suas decisões se tornam imediatistas, simplórias e confusas. Entender a remuneração como objetivo também pode inibir inovações e investimentos mais ousados no futuro.
De acordo com a especialista, o dinheiro deve ser entendido como meio estratégico para ter sucesso. Ele não pode ser ignorado, já que você precisará de grandes “colchões” para realizar grandes saltos. “Se você constrói uma reserva generosa aos poucos, garante que, toda vez que estiver infeliz e quiser mudar de vida, terá como fazê-lo”, resume Gattermayr.
5. Participar dos “jogos políticos” do escritório é bom
A constante exposição a escândalos de corrupção contribui para que muitos brasileiros criem uma certa ojeriza à ideia de fazer política no trabalho– como se qualquer movimento estratégico para alcançar um objetivo fosse necessariamente antiético. Porém, buscar o isolamento político como forma de evitar problemas não é uma atitude inteligente.
Segundo Pontes, até quem pensa que não faz política no trabalho está fazendo — só que muito mal. “Você sempre será um ponto na rede do poder”, explica. “Você precisa entender a sua influência e usá-la de forma ética, para atingir resultados bons tanto para você quanto para o coletivo”. Participar desses jogos de forma responsável, mas consciente, é fundamental para ganhar cada vez mais projeção e se manter influente.
6. Trabalho é só...trabalho
Num mundo que glamouriza a sobrecarga de trabalho, muita gente age como se a carreira fosse sua razão de existir. De acordo com Gattermayr, é preciso repensar essa postura mental.“Trabalho é só trabalho, e encará-lo como tal ajuda a diminuir o estresse e a tomar decisões melhores”, diz ela. Isso não significa isentar-se das responsabilidades, mas buscar um distanciamento mínimo para preservar a sua saúde e continuar apto a fazer boas entregas.
Pense no trabalho de um médico que salva vidas num pronto-socorro. Ele precisa impedir que a compaixão pelo paciente se transforme em pena e dor, ou não conseguirá trabalhar. Em qualquer área, o comprometimento com a carreira não pode se converter em servidão. “Você é muito mais do que os seus resultados”, resume a especialista.