Movimento traz novas perspectivas sobre consumo e circulação consciente de capital (Getty Images/Getty Images)
Bússola
Publicado em 12 de setembro de 2021 às 13h00.
Por Alan Soares*
Talvez você ainda não tenha ouvido falar sobre o termo “Black Money”, mas este é um conceito que vem crescendo a cada ano. Polêmico para alguns, revolucionário para outros, esse movimento da economia traz novas perspectivas sobre a maneira como consumimos e, principalmente, para quem estamos dando nosso dinheiro. Mas, afinal, o que é esse tal de “Black Money”?
“Dinheiro Negro” ou “Dinheiro Preto”, em tradução livre. O termo já é antigo nos Estados Unidos, e serve para designar o dinheiro sujo. No Brasil, entretanto, ele foi ressignificado recentemente por movimentos de luta afrodescendente e passou a designar o dinheiro que circula entre pessoas negras no mercado. Mas antes de entendermos como ele funciona, precisamos entender por que sua existência se faz necessária.
Não é novidade pra ninguém que a desigualdade no Brasil é exorbitante. Segundo o relatório compilado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, de 2011, 70,8% das pessoas que vivem em extrema pobreza no Brasil são pretas ou pardas. Essa realidade também se reflete no mercado de trabalho, onde observamos uma concentração maior de negros nos cargos de menor renda e, conforme subimos de cargo, encontramos essa pirâmide cada vez mais embranquecida.
De acordo com pesquisa do IBGE de 2018, 68,6% dos cargos gerenciais são ocupados por brancos e 29,9% são ocupados por pretos ou pardos. Sobre a renda temos uma alta discrepância salarial: o rendimento médio mensal de pessoas brancas é de R$2.796, e a renda média mensal de pessoas negras é de R$1.608. Uma diferença de R$1.188!
Com a meta de mudar essa realidade, o Black Money surge com um conceito extremamente simples: realocar a concentração de renda e diminuir as desigualdades. Contratando e comprando de pessoas negras empoderamos financeiramente indivíduos estatisticamente à margem da economia brasileira. Mas o movimento não para por aí. A ideia é fazer um impacto cada vez maior e abranger aspectos além da circulação de dinheiro.
O Black Money também diz respeito à pressão que devemos impor sobre as empresas para a contratação de mais pessoas negras em todos seus setores, para a diminuição da desigualdade salarial, para a capacitação de colaboradores negros a fim de que eles possam subir de cargo e para a representatividade negra nos discursos da marca.
Ampliando ainda mais esse escopo, também se faz necessária a pressão ao Estado em prol de medidas públicas que insiram cada vez mais profissionais negros no mercado de trabalho e na qualificação de estudantes - uma vez que a taxa de analfabetismo entre pretos e pardos é mais do que o dobro do que entre brancos, segundo o IBGE. O cenário é complexo, mas não temos como esperar apenas por mudanças estruturais de longo prazo. É preciso agir, em paralelo, na realidade de hoje.
“Se não me vejo, não compro”. Essa é uma das premissas de Nina Silva, uma das fundadoras do Movimento Black Money. Fazer nosso dinheiro cair em mãos negras é uma via de mão dupla. Ao contribuir para a ascensão financeira de outros negros, a população negra como um todo se favorece e cresce junto. Com menos negros na linha da pobreza, no desemprego e em trabalhos subutilizados, temos maior representatividade negra no mercado como um todo e, assim, mais pessoas com poder aquisitivo preocupadas levantar outros negros e poder empresarial para contratar, financiar, apoiar e promover pessoas negras. É um ciclo virtuoso.
É importante ressaltar que esse movimento precisa ser deliberado — ele não se dá “automaticamente”. Ou seja, não é apenas a presença de um diretor negro em uma empresa que ele necessariamente vai fazer circular o Black Money. Segundo Silvio Almeida, em seu livro Racismo Estrutural, a estrutura é racista e, portanto, negros podem acabar reproduzindo essa estrutura: “A ação dos indivíduos é orientada, e muitas vezes só é possível por meio das instituições, sempre tendo como pano de fundo os princípios estruturais da sociedade”. A empresa precisa dar a autonomia para que o profissional que está em um cargo de poder exerça movimentos de quebras na desigualdade, e o próprio profissional precisa ter essa motivação em si.
Longe de alcançarmos essa sonhada igualdade econômica e social, é nosso dever fazer o que for possível para diminuir a enorme discrepância racial que existe no nosso país, e sempre nos perguntarmos: para onde (e para quem) está indo o nosso dinheiro?
*Alan Soares é mestrando em comunicação e criador da página Boletinhos, que tem como objetivo democratizar a educação financeira
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