Você chama isso de desonestidade ou crime? (Ponomariova_Maria/Getty Images)
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Publicado em 18 de maio de 2023 às 13h00.
Por Letícia Medeiros*
Muitas mulheres que se candidatam recebem diversas promessas de financiamento de suas campanhas por parte dos partidos. Porém, uma prática bastante naturalizada na política e nesses acordos partidários é o descumprimento dessas promessas financeiras.
Desde 2018, nossa ONG realiza formações políticas com mulheres que pretendem se candidatar e, em todo curso ou conteúdo formativo, nós sempre dedicamos um tempo para falar sobre relações partidárias e o cuidado com as promessas recebidas.
E o que era para ser apenas “um toque” ou “uma dica” tem se tornado um problema cada vez mais sério, com consequências muito graves para as mulheres.
Desde 2018, o TSE determinou que 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) deveria ser repassado para candidaturas de mulheres. Essa lei, para além de incentivar os partidos a cumprirem com a cota de 30% de candidaturas femininas - obrigatória desde 2009 - também visaria garantir às mulheres condições mínimas de participação na disputa eleitoral.
Porém, os detalhes práticos da distribuição dos recursos para campanhas são definidos pelos diretórios nacionais dos partidos, que organizam o repasse para os diretórios estaduais e que, por sua vez, definem a distribuição nos municípios. Ou seja, há bastante discricionariedade na distribuição desse fundo. Eles precisam repassar 30% para candidaturas de mulheres, mas não há regras de como essa distribuição entre candidatas precisa ocorrer.
Na prática, os partidos começam a prometer recursos para uma série de candidatas, mas não repassam para todas ou repassam valores muito abaixo daqueles acordados. Com isso, atrapalham o planejamento de suas campanhas, prejudicam suas chances de vitória e as induzem a gastar recursos que não possuem.
Após o pleito, o que vemos como resultado dessa prática são mulheres exaustas do processo eleitoral, frustradas com o resultado de suas campanhas - que foram drasticamente prejudicadas com a ausência dos recursos prometidos - e, muitas vezes, endividadas.
Sabemos que a negociação de repasse de recursos é absolutamente natural em qualquer processo político de qualquer partido. O que precisamos problematizar é: até que ponto as promessas feitas às candidatas possuem uma sustentação na realidade ou são feitas apenas para influenciá-las a permanecerem na disputa, para fins de cumprimento das cotas?
Precisamos começar a separar a negociação comum/tradicional, da má fé. Uma coisa é o partido ter uma conversa franca com a candidata desde o início, dizendo um valor realista que avalia que será viabilizado para a campanha dela (por mais baixo que seja), ou até mesmo abrindo o jogo sobre a possibilidade concreta de não haver recursos.
A candidata tomará decisões sobre a sua campanha com base nessa informação.
Outra coisa, muito diferente, é o partido manter uma promessa irreal e isso causar danos materiais a essas mulheres.
Caso, a esta altura, você esteja pensando "ah, mas os partidos também fazem isso com os homens”, entenda que isso está errado também. A discussão aqui está centrada no contexto das mulheres, porque historicamente as mulheres estão tentando ocupar a política institucional e, para cada política pública criada, os partidos demonstram ser os primeiros a dificultar a participação política feminina.
Não cumprem as cotas de candidaturas, não cumprem as regras de repasse de recursos, se anistiam sempre por esses descumprimentos (veja a PEC 9 que está tramitando agora) e, ainda por cima, estão causando prejuízos materiais às mulheres que estão se esforçando para fazer parte da política.
O Artigo 171 do Código Penal, define como estelionato o crime de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.
Se o seu partido te induziu a adquirir dívidas na campanha com base na repetição e sustentação de promessas de recursos que chegariam, mas que nunca chegaram, isso não faz parte do “jogo tradicional da política”. Isso é agir com má fé. Chama-se falta de transparência.
Precisamos tomar cuidado para não naturalizarmos práticas nocivas, ou até criminosas, por parte de agentes políticos. Enquanto cidadãs, cidadãos e sociedade civil, precisamos nos unir para cobrar boas práticas na política brasileira e “aumentar a régua” do que toleramos e do que não toleramos nesses espaços.
*Letícia Medeiros é cofundadora da ONG Elas No Poder
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